UNEGRO - União de Negras e Negros Pela Igualdade. Esta organizada em de 26 estados brasileiros, e tornou-se uma referência internacional e tem cerca de mais de 12 mil filiados em todo o país. A UNEGRO DO BRASIL fundada em 14 de julho de 1988, em Salvador, por um grupo de militantes do movimento negro para articular a luta contra o racismo, a luta de classes e combater as desigualdades. Hoje, aos 33 anos de caminhada continua jovem atuante e combatente... Aqui as ações da UNEGRO RJ

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Contos Africanos:A Serpente de Olumo...

Um jovem, chamado Ayobami, vivia feliz na sua aldeia até ao momento em que, tendo atingido a idade adequada, decidiu, com o consentimento dos pais, arranjar mulher e casar.

Ayobami tinha duas amigas que já conhecia há muito tempo e com as quais passara toda a sua infância: a mais nova chamava-se Olu, a outra Yemesi. Ayobami queria absolutamente casar-se com uma das duas, mas não sabia qual delas escolher. Eram muito diferentes uma da outra, mas igualmente belas.

Pelo seu lado, as duas jovens amavam Ayobami. O homem era bom trabalhador e excelente caçador; possuía o sentido da justiça, sendo respeitado em toda a aldeia e bastante conhecido nos arredores. Ayobami era rico e bem constituído, teria podido muito bem casar com as duas raparigas ao mesmo tempo; mas a tradição não o permitia. Não conseguindo decidir-se, viam-no ficar longas horas sentado diante da sua cabana, a examinar as vantagens que teria em se casar com uma ou com outra. Quando julgava ter decidido e se levantava para ir anúnciar a boa nova a seus pais, pensava imediatamente nas qualidades da outra e voltava a hesitar.

As duas jovens, por seu lado, rivalizavam em gentileza e em beleza, não estando nenhuma delas disposta a ceder o seu lugar à outra. A última palavra cabia, pois, a Ayobami. Precisava de saber, a todo o custo, qual das raparigas o amava mais.



Uma tarde, enquanto as duas raparigas estavam sentadas ao pé de Ayobami, estando este a refletir nesse problema, uma serpente transparente saíu da floresta de Olumo, uma das colinas da região de Abeokuta. Tinha à cabeça três enfeites, e todo o seu corpo, extremamente comprido, fumegava ligeiramente ao deslizar em silêncio por entre as ervas. Quando chegou perto da fogueira, ergueu-se sobre a cauda e dançou por instantes, enquanto as chamas brilhavam nos seus olhos vermelhos. Todos estes sinais lhe davam uma aparência mágica, e toda a gente reconheceu assim nela uma serpente enfeitiçada e sagrada.

Ayobami, que estava de costas para a serpente, não a viu chegar, e quando as duas raparigas finalmente a avistaram, já era demasido tarde. Gritaram ao mesmo tempo quando a serpente mordeu Ayobami na coxa, antes de desaparecer na noite. Ela cumprira assim a missão que os deuses lhe tinham confiado.

Em breve, Ayobami foi obrigado a ir-se deitar no interior da sua cabana. As duas jovens
despertaram então toda a aldeia. Foram procurar o curandeiro que, reconhecendo nisso um sinal dos deuses, não quis intervir.
As velhas mandaram, então, ferver imediatamente umas ervas e uns pós, que puseram na ferida, mas sem sucesso. Tudo foi tentado para salvar a vida de Ayobami; contudo, umas horas depois, este acabou por morrer, sem sequer ter voltado a abrir os olhos e, sobretudo, sem ter chegado a dizer qual das duas jovens preferia.

Ambas se puseram então a chorar a morte do seu amigo. De manhã, Olu, a mais nova, levantou-se e proferiu as seguintes palavras:

-Sem a existência de Ayobami, a minha vida já não tem sentido. Quando o fogo morre, o fumo desaparece com ele. Não posso viver sem a sua presença. Assim, vou hoje juntar-me a ele na morte.

E, antes que alguém a tivesse podido impedir, pôs-se a correr através do mato. Encontrou a pista da serpente enfeitiçada, foi ter com ela e, por seu turno, fez com que ela a mordesse. Olu tombou por terra, caindo entre as ervas, e morreu pouco depois, julgando estar aí todo o preço do seu amor.

Yemesi não sabia o que fazer. Refletiu alguns instantes e, depois, de súbito, decidiu-se. Entrou na cabana de seu pai, pegou na grande catana pendurada numa das paredes, e seguiu igualmente a pista da serpente. Quando a apanhou, e no momento em que erguia a arma para lhe cortar a cabeça, a serpente ergueu-se à sua frente e disse-lhe:


-Yemesi, não me mates! Se me deixares viver, ajudarte-ei a salvar Ayobami.

A jovem aceitou e a serpente deu-lhe, então, dois saquinhos, um contendo um pó negro e outro um pó branco.

-Pega nestes dois sacos e pôe-te em cima do cadáver de Ayobami. Fecha os olhos e lança o pó negro para muito longe, na direção do sol nascente, e o pó branco também para muito longe, na direção do sol poente.

Yemesi seguiu os conselhos da serpente e, de imediato, Ayobami e Olu foram misteriosamente ressuscitados.

Ayobami não hesitou mais e escolheu aquela que devia ser a sua esposa para toda a vida.

Caro leitor se fosses Ayobami, qual das duas jovens terias escolhido: aquela que lhe provou o
seu amor morrendo com ele, ou aquela que lhe voltou a dar a vida.


Um afro abraço.

fonte:www.ciadejovensgriots.org.br

sábado, 29 de março de 2014

Sim todos nós somos Claudia Ferreira até o próxima vitima...

A pobreza e o fenótipo atuavam impedindo os indivíduos negros de usufruir da cidade e o brasileiro tem o costume de dizer que não é preconceituoso, mas está convencido de que vive em um país no qual as pessoas são discriminadas em função da cor da pele.


O preconceito é uma marca comum no cotidiano dos brasileiros. Está nas casas, nas escolas e no ambiente de trabalho. Dados preliminares de uma pesquisa inédita do Instituto Data Popular põem à prova o mito da democracia racial. O estudo, em fase de conclusão, mostra que, apesar de 92% dos brasileiros acreditarem que há racismo no país, somente 1,3% se considera racista. O instituto calculou que 92 milhões (68,4%) dos brasileiros adultos já presenciaram um branco se referir a um negro como “macaco”. E, destes, apenas 12% tomaram alguma atitude. O levantamento mostra ainda que um em cada seis homens brancos não queria ver uma filha casada com um homem negro.

Compreendemos que o ato reflete a barbárie recorrente nas operações policiais para com a população negra das comunidades de periferia, constantemente vítima da violência policial de forma desmedida.

Vamos analisar duas questões:


O racismo  institucional-
O processo de criminalização da pobreza tem justificado os homicídios cometidos por policiais, que se colocam no direito de matar homens, mulheres, jovens e crianças negros e negras, intitulados pela própria instituição policial como a “cor padrão”

A necessidade de desmilitarizar a polícia é questão de vida ou morte-
Voracidade encarceradora enviesada e os circuitos da violência e sempre letal...

Entre 1980 a 2010, 1 milhão, 98 mil e 675 brasileiros foram assassinados. O país convive com cerca de 50 mil homicídios dolosos por ano. A maioria das vítimas são jovens pobres, do sexo masculino, sobretudo negros. Desse volume aterrador, apenas 8%, em média, são investigados com sucesso, segundo o Mapa da Violência, do professor Waiselfisz, publicado em 2012. Mas não nos precipitemos a daí deduzir que o Brasil seja o país da impunidade, como o populismo penal conservador e a esquerda punitiva costumam alardear. Pelo contrário, temos a quarta população carcerária do mundo e, provavelmente, a taxa de crescimento mais veloz. Ou seja, além de não evitar as mortes violentas intencionais e de não as investigar, o Estado brasileiro prende muito e mal. As prioridades estão trocadas. A vida não é valorizada e se abusa do encarceramento. A privação de liberdade, este atestado de falência civilizatória, para a qual ainda não dispomos de alternativa hábil, deveria ser o último recurso, exclusivamente para casos violentos, crimes contra a pessoa, quando o agressor representasse riscos reais para a sociedade. Hoje, temos 550 mil presos.
Entre os presos, apenas cerca de 12% cumprem pena por crimes letais. 40% são provisórios. Dois terços dessa população, aproximadamente 367 mil, foram presos sob acusação de tráfico de drogas ou crimes contra o patrimônio. Fica patente que os crimes contra a vida, assim como as armas, não constituem prioridade. Os focos são outros: patrimônio e drogas.

Se liga:
nestes 62 autos de resistência, pelo menos 69 pessoas morreram em supostos confrontos com os policiais que arrastaram Claudia numa viatura da PM por ruas da zona norte do Rio. O subtenente Adir Serrano Machado tem participação em 57 destes registros, com 63 mortos. O subtenente Rodney Archanjo aparece em cinco boletins, com seis mortos. Já o sargento Alex Sandro da Silva Alves não tinha envolvimento em nenhum auto de resistência.



A quase totalidade desses registros foram feitos em delegacias da zona norte do Rio, uma das regiões mais violentas da cidade. Analisando os 62 boletins de ocorrência da Polícia Civil, o script é quase sempre o mesmo. Eles dizem que policiais realizavam operação de combate ao tráfico numa favela, foram recebidos a tiros pelos criminosos, reagiram em legítima defesa e, depois que os tiros cessaram, encontraram um suspeito ferido, caído ao chão, normalmente em posse de armas e/ou drogas. Os policiais, então, colocaram o suspeito baleado na viatura para socorrê-lo, mas a vítima morreu a caminho do hospital.


Com muita frequência as pessoas socorridas pela polícia já estavam mortas e o deslocamento da vítima para prestar socorro é apenas uma forma de desfazer a cena do crime. Em outros casos, a vítima ainda está com vida, mas morre durante o translado, muitas vezes em circunstâncias que sugerem execução sumária”. Pesquisa feita pelo sociólogo Michel Misse em todos os autos de resistência registrados em 2005 no Estado do Rio concluiu que, até dezembro de 2007, 98% dos casos haviam sido arquivados. “Fica claro que não há investigação nenhuma nestes casos. E o Ministério Público é conivente, ao não cumprir o papel de fiscalizar o trabalho da polícia.

Em 72% dos 62 autos de resistência em que já se envolveram os PMs que arrastaram a servente Claudia [da] Silva Ferreira, o suspeito baleado foi retirado do local do crime pelos próprios policiais (para ser levado ao hospital), mas não resistiu. Especialistas ouvidos pelo Estado dizem que a prática da polícia de socorrer feridos em trocas de tiros é uma forma de desfazer cenas de crimes e mascarar execuções.

A policia e composta por servidores ...
A PM é um corpo de servidores públicos pressionado pelo governo, pela mídia, pela sociedade a trabalhar e produzir resultados, os quais deveriam ser entendidos como a provisão da garantia de direitos e a redução da criminalidade, sobretudo violenta, estabilizando e universalizando expectativas positivas relativamente à cooperação. Entretanto, resultados não são compreendidos nesses termos, seja porque interpõe-se a opacidade dos valores da guerra contra o inimigo interno, seja porque a máquina policial apenas avança para onde aponta seu nariz, por assim dizer. Em outras palavras, a máquina, para produzir, respondendo à pressão externa (crescente quando o país cresce e a sociedade intensifica cobranças, levando os governos a exigir mais produtividade de seus aparatos), precisa mover-se, isto é, funcionar, e só o faz segundo as possibilidades oferecidas por seus mecanismos, os quais operam em sintonia com o repertório proporcionado pela tradição corporativa, repassado nas interações cotidianas, nos comandos e no processo de socialização, o qual incorpora e transcende a formação técnica.


As PMs são definidas como força reserva do Exército e submetidas a um modelo organizacional concebido à sua imagem e semelhança, fortemente verticalizado e rígido. A boa forma de uma organização é aquela que melhor serve ao cumprimento de suas funções. As características organizacionais do Exército atendem à sua missão constitucional, porque tornam possível o “pronto emprego”, qualidade essencial às ações bélicas destinadas à defesa nacional.A missão das polícias no Estado democrático de direito é inteiramente diferente daquela que cabe ao Exército. O dever das polícias, vale reiterar, é prover segurança aos cidadãos, garantindo o cumprimento da Lei, ou seja, protegendo seus direitos e liberdades contra eventuais transgressões que os violem. O funcionamento usual das instituições policiais com presença uniformizada e ostensiva nas ruas, cujos propósitos são sobretudo preventivos, requer, dada a variedade, a complexidade e o dinamismo dos problemas a superar, os seguintes atributos: descentralização; valorização do trabalho na ponta; flexibilidade no processo decisório nos limites da legalidade, do respeito aos direitos humanos e dos princípios internacionalmente concertados que regem o uso comedido da força; plasticidade adaptativa às especificidades locais; capacidade de interlocução, liderança, mediação e diagnóstico; liberdade para adoção de iniciativas que mobilizem outros segmentos da corporação e intervenções governamentais inter-setoriais. Idealmente, o(a) policial na esquina é um(a) gestor(a) da segurança em escala territorial limitada com amplo acesso à comunicação intra e extra-institucional, de corte horizontal e transversal.

Bem gente pra finalizar; o flagrante exige um tipo penal: na ausência da antiga vadiagem, está à mão a lei de drogas (e não só). Ou seja, pressionar a PM a funcionar equivale a lhe cobrar resultados, os quais serão interpretados não como redução da violência ou resolução de problemas, mas como efetividade de sua prática, ou seja, como produtividade confundida com prisões, contabilizada em prisões, aquelas mais prováveis pelo método disponível, o flagrante. O personagem, o biotipo, o rótulo, o figurino, o território, a fala, a vigilância no varejo das ruas, a ação randômica em busca do flagra: não é preciso grandes articulações funcionais entre macro-economia e políticas sociais, a proporcionar sobrevida ao capitalismo. Basta a máquina funcionar. Ela não investiga, porque a fratura do ciclo, prevista no modelo, não permite. Ela está condenada a enxergar o que se vê na deambulação vigilante, em busca dos personagens previsíveis, que confirmem o estereótipo e estejam nas ruas, mostrem-se acessíveis. Ela vai á caça do personagem socialmente vulnerável, que comete determinados tipos de delito, captáveis pelo radar do policiamento ostensivo.

Claro que a política criminal é decisiva, assim como a política de segurança, com suas escolhas de fundo, mas é indiscutível que cumprem papel determinante a militarização e a ruptura do ciclo do trabalho policial. A divisão do ciclo, no contexto da cultura corporativa belicista –herdada da ditadura e do autoritarismo onipresente na história brasileira–, cria uma polícia exclusivamente ostensiva, cuja natureza militar –fortemente centralizada e hierarquizada– inibe o pensamento na ponta, obsta a valorização do policial e de sua autonomia profissional, e mutila a responsabilidade do agente, degradando a discricionariedade hermenêutica em arbitrariedade subjetiva. A aprovação da PEC-51 não resolverá todos os problemas. Longe disso. Entretanto, pelos motivos expostos, constitui condição sine qua non para que eles comecem a ser enfrentados.

Um afro abraço.
fonte de perquisa: Agência Estado/G1

domingo, 23 de março de 2014

Nzinga, líder tribal angolana da resistência contra Portugal

Indomável e inteligente soberana (1624-1663) do povoGinga de Matamba e Angola e nascida em Cabassa, interior de Matamba, que altaneira e silenciosa conseguiu juntar vários povos na sua luta contra os invasores portugueses e resistiu até ao fim sem nunca ter sido capturada, tornando-se conhecida pela sua coragem e argúcia. Do grupo étnico Mbundu, era filha do rei dos mbundus no território Ndongo, hoje em Angola, e Matamba,Ngola Kiluanji, foi contemporânea de Zumbi dos Palmares (1655-1695), o grande herói afro-brasileiro, ambos pareceram compartilhar de um tempo e de um espaço comum de resistência: o quilombo

Ngola Ana Nzinga Mbande, mais conhecida como Rainha Ginga ou pelo nome aportuguesado Dona Ana de Sousa, soberana dos reinos de Ndongo e de Matamba, sudoeste da África, morre em Matamba em 17 de dezembro de 1663. Seu título real no idioma quimbundo – Ngola – levou os portugueses a denominar a região de Angola.

Ela nasceu em 1582, na família do mani do Ndongo. O pai, Ngola Kiluangi, mantinha relações de paz armada com os portugueses de Luanda. A situação deteriorou-se após sua morte, quando o filho e sucessor, Ngola Mbandi, assume o poder no Ndongo.

Naquela altura, os portugueses ampliaram consideravelmente o tráfico de escravos e empreenderam uma série de incursões para o interior do continente, na esperança de, além de capturarem pessoas, apoderarem-se das imensas reservas de prata. Mbandi lançou uma campanha militar contra os portugueses, tendo antes suprimido a resistência e a rivalidade dentro da família, assassinando o seu sobrinho.

Porém, a campanha militar fracassou. Sua tropa pouco disciplinada não conseguiu resistir à pressão do exército profissional do governador de Angola. A capital, Mbanza Cabana, caiu nas mãos dos portugueses, e a família foi aprisionada.

O novo governador procurava entendimento com o governante do Ndongo. A amizade com os aristocratas locais era condição indispensável para garantir o tráfico regular de escravos cada vez mais procurados para o trabalho nas plantações e nas minas do Brasil.

Em 1621, Ngola Ana Nzinga foi enviada para negociar com os portugueses. Os portugueses ficaram impressionados com o sentido de auto-respeito e astúcia dela, além de outras virtudes. Quando o vice-rei lhe concedeu audiência, ela fez sinal a uma das suas damas para que se ajoelhasse e se fizesse de cadeira, sentou-se em cima das costas dela e permaneceu sentada até ao fim da audiência. Deste modo Nzinga mostrou que se considerava uma participante de pleno direito das negociações, e não um vassalo submisso de Portugal.

Porém, o primeiro passo foi o envio de uma mensagem para o novo governador de Angola, Fernando de Sousa, exigindo que os portugueses evacuassem as fortalezas do interior. Emergia naquela altura a Companhia Holandesa das Índias Orientais. No verão de 1624, seus navios haviam queimado seis barcos portugueses no porto de Luanda.


O acordo foi celebrado. Calculando que uma mulher tão inteligente e decidida poderia vir a ser uma aliada vantajosa, os portugueses convenceram-na a baptizar-se, tomando o nome de Ana em honra da esposa do governador português.
Em 1663 ou 1664(a controversas), Mbandi morreu,aos 82 anos de idade em circunstâncias pouco claras. Nzinga,atuou em quilombos, com espaços e táticas de guerra ao tornar-se a única governante, renunciou ao cristianismo e rompeu a união com os portugueses. Estava a cumprir a vontade de seus súbditos, descontentes com o tráfico de escravos praticado pelos europeus.

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Um afro abraço.


fonte:http://mnoticias.8m.com/Chefe africano, imagem adaptada de José Redinha. Distribuição étnica de Angola. 7 ed. Instituto de Investigação Científica de Angola, Centro de Informações e Turismo de Angola, 1971.

sexta-feira, 21 de março de 2014

21 de Março é o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial :Em memória às vítimas do Massacre de Sharpeville

Luanda – Assinala-se no dia 21 de Março, o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial, instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU), em memória as vítimas do Massacre de Sharpeville, um bairro sul-africano da província de Gauteng.

Em 21 de Março de 1960, vinte mil negros protestavam contra a “Lei do Passe”, que os obrigava a portar cartões de identificação, especificando os locais por onde eles podiam se movimentar no país. Mesmo sendo uma manifestação pacífica, o exército atirou sobre a multidão e o saldo da violência foi de 69 mortos e 186 feridos.

Desde esse triste dia, registaram-se profundas alterações no contexto das nações, continuando no entanto a manifestarem-se nas mais diversas formas de discriminação racial.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, implementada em 1948, no seio da Organização das nações Unidas, estabelece regras, que sendo cumpridas, não permitem a discriminação racial.

O seu artigo primeiro, indica que “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”.

O artigo segundo refere que “ Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação”.


O artigo sétimo da mesma Declaração, refere que “Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual protecção da lei. Todos têm direito a protecção igual contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação”.


Por sua vez, a Convenção Internacional para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, no âmbito da ONU, define no seu artigo primeiro que “Discriminação Racial significa qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada na raça, cor, ascendência, origem étnica ou nacional com a finalidade ou o efeito de impedir ou dificultar o reconhecimento e/ou exercício, em bases de igualdade, aos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos – político, económico, social, cultural ou qualquer outra área da vida pública”.

A legislação brasileira instituiu os primeiros conceitos de racismo em 1951 com a Lei Afonso Arinos (1.390/51) que classificava a prática como contravenção penal.

Somente a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5.º, XLII, é que classificou a prática do racismo como crime inafiançável e imprescritível, sujeitando o delinquente a pena de reclusão.

No Brasil ainda hoje o racismo se apresenta de forma velada ou não, contra judeus, árabes, indígenas,ciganos, mas principalmente contra os negros. Mesmo compondo mais da metade da população do país essa grande maioria negra sofre intensa discriminação racial dos poderes culturais, políticos e econômicos do país compostos basicamente de brasileiros brancos. Assim, embora sendo maioria, os negros são perseguidos como se minoria fossem sendo-lhes vedado o acesso a melhores níveis de vida, educação, assistência médica de qualidade e cargos de poder.


Sabemos que a melhora das condições de vida da população negra se deu não apenas
devido às políticas públicas, mas como resultado da organização e da mobilização do movimento negro, do movimento sindical e o crescimento da consciência racial de nossa nação.É no aprofundamento destes conceitos que devem assentar as formas de luta em prol de uma universalidade de direitos e deveres, onde não haja mais lugar para formas de discriminação, sejam elas de que forma forem.


Um afro abraço.

Fonte: Casa das Áfricas

sábado, 15 de março de 2014

As Américas: Porto Rico e seu período escravocrata...

Ocupa uma posição de destaque no Mar do Caribe, estando numa situação geográfica estratégica influenciando a sua história. A ilha era habitada pelos índios Aruaques, conhecidos como Taínos, quando foi descoberta por Cristóvão Colombo em sua segunda viagem ao Mundo Novo em 19 de novembro de 1493, um ano após a descoberta de Cuba em 1492 e cujas histórias estiveram estreitamente interligadas devido ao sistema adotado pela Espanha para as frotas inter-atlânticas. A ilha era chamada pelos índios de Barikén, e Colombo deu o nome de Ilha de San Juan Bauptista; posteriormente foi nomeada Porto Rico e San Juan tornou-se sua capital e a primeira parada dos navios vindos da Espanha como porto de abastecimento e bastião militar para a defesa da frota, enquanto Havana, em Cuba, era escala para as viagens de retorno para o reabastecimento dos barcos de regresso à Europa...

Se liga: Seguindo uma tendência comum ao processo de colonização, Porto Rico também teve a sua história marcada pela exploração da mão de obra indígena e o desenvolvimento das atividades missionárias da Igreja. A conflituosa relação com os europeus acabou provocando a morte de milhares de nativos. Com o passar do tempo, os espanhóis se viram forçados a importar escravos africanos que também marcaram a formação do povo porto-riquenho.

No século XIX, durante as invasões napoleônicas, a população porto-riquenha se mobilizou em torno de organizações políticas autônomas que deveriam conter o avanço dos franceses. Na prática, essas novas instituições acabaram por dar importantes passos para a independência política e econômica ao empreender a abertura de seus portos. Vale ressaltar que muitos espanhóis fugiram para Porto Rico mediante a ofensiva das tropas de Napoleão Bonaparte.

Após a queda de Napoleão, o movimento autonomista de Porto Rico parecia se desarticular com a reconstrução do antigo acordo colonial. No ano de 1868, uma tentativa de revolução se desenhou com o estabelecimento de uma revolta chamada “Grito de Lares”. Logo em

seguida, uma série de reformas liberais na Espanha determinou o fim da escravidão naquele lugar. Na década seguinte, temos a formação de vários partidos políticos naquele país.

Em novembro de 1897, o próprio governo espanhol abriu caminho para uma independência relativa ao oficializar a chamada Carta Autonômica. Através desse documento, o comércio com outras nações foi definitivamente liberado. No entanto, o governo espanhol assegurava alguns direitos que limitavam essa independência concedida. Dessa forma, grupos favoráveis à independência definitiva acionaram o apoio dos norte-americanos para que o domínio espanhol fosse extinto.

Por conta de suas riquezas e a evidente localização estratégica, Porto Rico foi alvo de várias tentativas de invasão por parte de outras nações mercantilistas. Em 1528, um grupo de corsários franceses tentou adentrar o território impondo o saque e a destruição do vilarejo de San Germán, na porção sudoeste do território. Nos fins do século XVI, um ataque mais contundente fora organizado pelos ingleses. Já no século XVII, os holandeses também organizaram ações militares

A partir desse momento, a independência de Porto Rico seria sustentada à custa da intervenção política e econômica dos Estados Unidos. Até as primeiras décadas do século XX, a nação porto-riquenha partilhou a mesma bandeira e moeda dos Estados Unidos. Na década de 1950, a ação intervencionista norte-americana foi respondida com uma revolta popular conhecida como o “Grito de Jayuya”. Por meio de pesada e violenta ação militar, os Estados Unidos evitaram que o levante se propagasse.

No entanto, devido à concentração da propriedade fundiária e a crise econômica nas primeiras décadas do século XX, o país se viu cada vez mais dependente do mercado norte-americano que a partir da segunda guerra mundial inicia um processo de altos investimentos para a sua industrialização modificando a face do país. Em 1952, através de Assembléia Constituinte, a elite de Porto Rico, com o intuito de ampliar a liderança no país, propõe a Constituição do Estado Livre Associado de Porto Rico (ELA) proporcionando até o presente um nível considerável de governo próprio porto-riquenho e que subsidiou condições de crescimento econômico, desenvolvimento do aparato governamental mais moderno, de infra-estrutura, de saúde, entre outras áreas. Esse modelo, único na região, foi referendado em 1998 pela população, e tem sido objeto de estudos que consideram o país um caso especial de projeto que combina o seu pró-americanismo e sua latino-americanidade. Porto Rico é formado principalmente por planícies, colinas e montanhas escarpadas na zona sudeste do país ocupando mais de 60% de sua superfície, e a população é formada por brancos, negros, ameríndios, asiáticos, mestiços. A Fortaleza e Sitio Histórico de San Juan de Porto Rico é local considerado pela UNESCO como Patrimônio da Humanidade.

Tido como “Estado Livre Associado” aos Estados Unidos, muitos portorriquenhos acreditam
que a autonomia do país esteja incompleta. Entretanto, vários plebiscitos realizados aprovam a manutenção dessa condição política singular. Com isso, fica difícil formalizar a ideia de que os Estados Unidos ajam como cerceadores da liberdade naquele país. No ano de 2003, autoridades políticas dos EUA assumiram a existência de uma condição colonial em Porto Rico.
Vez após vez, o fim da condição de “Estado Livre Associado” e a criação de uma república independente ganha força entre a população. No ano de 2003, os Estados Unidos se viram obrigados a desativar uma base militar na cidade de Vieques, após uma bomba lançada de um posto de observação matar um civil. Já em 2005, membros do FBI descobriram o esconderijo do líder revolucionário Filiberto Ojeda. Durante troca de tiros, ele acabou sendo morto pelos agentes norte-americanos.


Um afro abraço.

fonte:Guia geográfico ( www.guiageo-americas.com ); Enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe. São Paulo: Boitempo Editorial, 2006; http://www.vmapas.com/maps/2419-2/Mapa_Politico_Porto_Rico_1976.jpg .

segunda-feira, 10 de março de 2014

AMÍLCAR CABRAL LÍDER DA LIBERTAÇÃO DE DUAS NAÇÕES...

Muitos anos depois do seu assassinato, a figura de Amílcar Cabral continua presente. As suas imagens, em particular no cinema, ganham novo destaque ao recuperarem-se episódios da luta de libertação. Ao mesmo tempo, novas investigações desdobram o seu percurso, dos seus primeiros escritos aos paralelismos com Frantz Fanon e outros combatentes. Finalmente, o nome de Cabral é hoje um ponto de passagem de novas lutas políticas, agora desenvolvidas num quadro pós-colonial, mas respondendo ainda a desafios que encontram nos seus escritos e na sua prática política um acervo valioso

.LARBAC, POETA E CONTISTA


Juvenal Cabral, à luz difusa de um candeeiro, escreve na sua casa em Cabo Verde um memorando a Vieira Machado, ministro das Colónias de Salazar.

Está-se em Dezembro de 1941 e o ministro visita a Praia. O documento chegará às mãos do membro do Governo de Lisboa. Que, muito provavelmente, não o leu. Que lhe importa as opiniões de um obscuro professor primário cabo-verdiano?

No entanto, o documento é significativo. Preocupado com a seca e a fome no seu arquipélago, Juvenal propõe ao ministro algumas políticas a seguir para minorar os males: pesquisa e captação de águas, arborização intensiva, protecção à agricultura, supressão do imposto sobre as terras, criação de um crédito agrícola, protecção ao pequeno funcionário.

Seu filho, Amílcar, tem 17 anos e frequenta o liceu no Mindelo. Não se sente ainda com capacidade para auxiliar o pai na cruzada em favor de Cabo Verde. Mas já conhece todos os problemas que afectam a sua terra, porque o pai, desde cedo, o consciencializa.

Todavia, Amílcar é, nessa altura, Larbac. Assim assina os poemas de amor que escreve:Quando Cupido acerta no alvo, Devaneios, Arte de Minerva, entre outros. Os temas denotam influências clássicas. Os poetas que conhece do liceu são os inspiradores: Gonçalves Crespo, Guerra Junqueiro, Casimiro de Abreu, por exemplo. O lirismo de Amílcar (Larbac é anagrama de Cabral) não se evidencia pela originalidade. Revela, porém, a sua sensibilidade amorosa. Esse romantismo passa para a sua prosa de adolescente, os contos, notas e comentários onde se vislumbra já um seguro conhecimento e um desejo de participação no universo insular em que vive. Um pouco mais tarde, em Lisboa, essas preocupações irão agudizar-se.

GUERRA, SECAS E FOME
"Ele nasceu com a política na cabeça. Era filho de político. Juvenal falava-lhe de todas as coisas". São palavras, em 1976, um ano antes da sua morte, de Dona Iva Pinhel Évora, mãe de Amílcar, mulher de Juvenal Lopes Cabral.
Memórias e Reflexões, editado pelo autor, em 1947, é um curioso livro do pai de Amílcar em que rememora a sua vida, debate os problemas da época e dos meios em que viveu, anota factos e episódios que clarificam a História e esclarecem as origens sociais do futuro líder do PAIGC.

Juvenal nasce em Cabo Verde em 1889. Um dos avós é grande proprietário rural. Mas a fortuna desaparece depressa, perante as catástrofes naturais das ilhas. O outro avô, o paterno, homem culto, também com algumas posses, dá ao neto o nome de Juvenal, em

homenagem ao poeta latino. O rapaz não conhece o pai, morto tragicamente quando tem dois meses. A criança é entregue aos cuidados do avô e, mais tarde, da madrinha, Simoa Borges, que lhe irá financiar os estudos. Primeiro, em Portugal, no Seminário de Viseu. Estava destinado à vida eclesiástica. Mas uma grande seca no princípio do século torna impossível a manutenção de Juvenal na metrópole. Volta ao arquipélago. Em 1906, está a frequentar o seminário de S. Nicolau. Aos dezoito anos, abandona os estudos e embarca para a Guiné à procura de emprego. É funcionário em Bolama, depois professor sem diploma.

Vive em Bafatá quando, a 12 de Setembro de 1924, nasce Amílcar Cabral. Que, na certidão de nascimento, surge com o nome de Hamílcar, homenagem prestada pelo pai ao célebre cartaginês Hamílcar Barca.

Mas, em 1932, morre a madrinha Simoa que lhe deixa algumas propriedades rurais em Cabo Verde. Juvenal, Iva e Amílcar regressam às ilhas. É aí que a família vive o período difícil da Segunda Guerra Mundial. Salazar sobe os custos de vida, as mercadorias rareiam. Em 1940, uma calamitosa seca provoca a fome. Morrem mais de 20 mil cabo-verdianos. E, entre 1942 e 1948, nova crise vai fazer 30 mil vítimas.

Entretanto, nas ilhas, há um forte contingente militar de tropas portuguesas, o que cria inúmeros conflitos com a população e acentua o racismo e o colonialismo. Para além da fome e da seca não há, praticamente, serviços de assistência pública. A emigração para S. Tomé e Angola e, posteriormente, para a América despovoa as ilhas.

Nunca se calou Juvenal. Em 1940, dirige ao governador um memorando em que, baseado em dados históricos, prediz uma grande seca para os anos seguintes (o que se confirmou). Surgirá, depois, o documento enviado ao ministro das Colónias. (Este terrível período de calamidades em Cabo Verde é magistralmente descrito no romance de Manuel Ferreira, Hora di Bai).

Neste contexto, Amílcar Cabral passa a infância e a adolescência. Se o pai lhe aponta um exemplo de consciência e actuação, dentro das limitações legais que o fascismo de Salazar permite, a mãe, Iva Évora, é, para o jovem, o exemplo da ternura, da protecção e do trabalho.
Presa todo o dia à máquina de costura, Iva vai contribuindo para que a família vença, da melhor maneira, as crises por que passam. E, mais tarde, sem largar a costura, empregar-se-á numa fábrica de conserva de peixe. A mãe e a sua capacidade de sacrifício há-de servir a Amílcar de testemunho de luta aos jovens combatentes do PAIGC.

Aos 20 anos, Amílcar tem absoluta consciência das degradantes condições de vida do povo cabo-verdiano. Imbui-o um idealismo político, a certeza dos amanhãs que cantam, a inevitável transformação do mundo, a nova ordem emergente do caos pós-guerra.

Aluno brilhante, 17 valores numa escala de 18, Amílcar conclui o curso liceal. Vai para a Praia onde se emprega como aspirante na Imprensa Nacional, enquanto aguarda a concessão de uma bolsa para prosseguir os estudos. Finalmente, em 1945, embarca para Lisboa.

A escolha da sua formação universitária, em que terá, também, havido cumplicidade do pai, é óbvia: será engenheiro agrónomo.
ANTI-COLONIALISTA EM LISBOA

Amílcar Cabral chega a Portugal em 1945. É o ano da grande esperança para os democratas portugueses, depressa desfeita quando Salazar garante a condescendência dos vencedores da Segunda Guerra Mundial e mantém, inalterável e apoiado, o regime de ditadura.

A primeira mulher de Amílcar, Maria Helena de Athayde Vilhena Rodrigues, foi sua colega no Instituto de Agronomia. Narrou assim a Mário de Andrade o conhecimento do futuro marido, de quem viria a ter duas filhas, Iva Maria e Ana Luísa:

"Conheci Amílcar no primeiro ano de Agronomia, em 1945. As aulas tinham começado em Novembro, ele chegou em Dezembro (...) Eu não pertencia ao seu grupo, mas lembro-me perfeitamente de o ver entre os outros colegas. Como ele era o único negro, notava-se bem... Amílcar não fizera o exame de admissão à Universidade (...) toda a gente falava dele, elogiava a sua inteligência e ele, para mais, era simpático e descontraído. No que respeita às suas actividades políticas, lembro-me que os meus camaradas recolhiam assinaturas de adesão aos movimentos democráticos. E Amílcar participava activamente nesses comités de estudantes antifascistas. Aquando das assembleias era ele quem dirigia as discussões porque se exprimia muito bem (...) No princípio do terceiro ano, em Outubro de 1948, pertencemos à mesma turma, a dos únicos vinte e cinco estudantes que tinham passado nos exames".

Condiscípulos e amigos recordam Amílcar como um indivíduo de dinamismo contagiante, grande sentido de humor, com enorme capacidade de criar amizades. Sedutor, atrai afectos femininos com facilidade.

"Era o mais bem vestido e aprumado de todos nós", lembra seu amigo, o jornalista Carlos Veiga Pereira.

"O meu irmão conseguia fazer amizades em todo lado", diz Luís Cabral. "Foi pela simpatia de Amílcar — revelou em entrevista ao "Diário Popular" o primeiro presidente da República da Guiné-Bissau — que os soviéticos nos forneceram os mísseis com que controlámos a aviação portuguesa. O magnata italiano Perelli era seu amigo e deu-nos as fardas de oficiais que usávamos. Tudo por amizade e simpatia".

O estudo, a militância, os namoros, ainda lhe deixam tempo para se dedicar ao seu desporto preferido: o futebol.

E, segundo as crónicas, caso o tivesse querido poderia ter feito carreira. De tal maneira dá nas vistas na equipa de Agronomia que o Benfica chega a convidá-lo para ingressar no clube. Mas Amílcar declina a proposta e mantém-se apenas nos "pelados" universitários.

Durante os anos de estudo um irresistível apelo o toma, bem como a outros estudantes negros: era necessário o regresso a África. Não só pela família que ama profundamente, mas porque "milhões de indivíduos têm necessidade da minha contribuição na luta difícil que travam contra a natureza e os próprios homens (...) Lá, em África, apesar das cidades modernas e belas da costa, há ainda milhares de seres humanos que vivem nas mais profundas trevas". Em 1949, escreverá: "Vivo intensamente a vida e dela extraí experiências que me deram uma direcção, uma via que devo seguir, sejam quais forem as perdas pessoais que isso me ocasione. Eis a razão de ser da minha vida".

Esta vida a que se refere, partilha-a, em Lisboa, no Instituto de Agronomia, na Casa dos Estudantes do Império e nos livros que lhe abrem os horizontes de compreensão do mundo do seu tempo. Entre esses livros um será determinante: a Anthologie de la nouvelle poésie négre et malgache, organizada por Léopold Sédar Senghor. Este livro traz-lhe a certeza que "o negro está a despertar em todo o mundo". Teoriza sobre o cabo-verdiano — o homem resultante da fusão dos primeiros habitantes do arquipélago, brancos e negros. Já então reconhece que o número de mestiços é seis vezes superior ao dos brancos e três vezes ao dos negros — do ponto de vista psíquico há um "espírito cabo-verdiano", existe a cabo-verdianidade. Esta profissão de fé tem de ser harmonizada com a militância. No quinto ano do curso, Amílcar volta ao arquipélago para passar as férias grandes. A sua especialidade técnica - a erosão dos solos - e a cultura geral de que dispõe, quer transmiti-las e ensiná-las aos cabo-verdianos. Na Praia, pronuncia, através do Rádio Clube de Cabo Verde, várias palestras sobre as características do solo das ilhas. Apesar das dificuldades, reconhece que a agricultura é a base da economia de Cabo Verde. Para tal, é necessário elucidar, esclarecer, consciencializar o homem da rua. Amílcar coloca o problema da elite na sociedade. É preciso criar uma vanguarda intelectual que leve ao cabo-verdiano anónimo toda a informação sobre os seus problemas tradicionais. Como dirá: "Os quadros devem esclarecer aqueles que vivem na ignorância".

Esta informação deve ultrapassar os limites de Cabo Verde e tornar-se uma informação global que se alargue a todo o mundo. Eis a sua tarefa de militante: consciencializar os cabo-verdianos.

Mas as autoridades portuguesas rapidamente lhe proíbem o acesso à rádio. Como lhe proíbem que ministre um curso nocturno na Escola Central da Praia.

"Dar a conhecer Cabo Verde aos cabo-verdianos" corresponde ao que acontece em Angola: "Partamos à descoberta de Angola" é a divisa de um grupo de jovens intelectuais em torno do poeta Viriato da Cruz.



De novo em Lisboa, Amílcar firma os laços que o unem a outros estudantes originários das colónias portuguesas. Trata-se de um grupo de jovens, provenientes da pequena burguesia urbana africana, todos conscientes da revolta contra o colonialismo e detentores da vantagem de possuírem instrução e cultura. Militam nas organizações da juventude democrática portuguesa, o MUD Juvenil, o Movimento para a Paz. Com uma bandeira que os diversifica dos europeus: a reafricanização dos espíritos, diz Amílcar Cabral. Esta reprocura da identidade leva à criação, em casa da família Espírito Santo (de que é figura proeminente a santomense Alda Espírito Santo), de um Centro de Estudos Africanos. Ali se discutem, apesar das incursões da PIDE, algumas das questões mais prementes da África sob a domínio português. Amílcar tem nesses debates uma participação decisiva.

O PAIGC E O INÍCIO DA LUTA ARMADA
Após terminar o curso, em 1950, faz estágio na Estação Agronómica de Santarém. Pouco depois, falece Juvenal Cabral. Em 1952, Amílcar regressa a África, a Bissau, contratado pelos Serviços Agrícolas e Florestais da Guiné Portuguesa.

Aos 28 anos desembarca em Bissau um engenheiro agrónomo que tem em mira outros fins que não só os da sua profissão (onde, aliás, será sempre de grande competência). O principal desses fins: consciencializar as massas populares guineenses. Como escreverá na comunicação aos quadros, em plena luta de libertação, em 1969: "Não foi por acaso que viemos para a Guiné. Nenhuma necessidade material determinava o nosso regresso ao país natal. Tudo foi calculado, passo a passo. Tínhamos enormes possibilidades de trabalhar nas outras colónias portuguesas e mesmo em Portugal. Abandonámos um bom lugar de investigador na Estação Agronómica para virmos para um lugar de engenheiro de segunda classe na Guiné (...) Isto obedeceu a um cálculo, a um objectivo, à ideia de fazer qualquer coisa, de contribuir para o levantamento do povo, para lutar contra os portugueses. É isso que temos feito desde o primeiro dia em que chegámos à Guiné".

O "Engenheiro", como lhe chamarão os compatriotas, está na melhor das posições para levar a cabo a tarefa de consciencialização. No posto agrícola de Pessubé, que dirige, contacta com os trabalhadores rurais entre os quais cabo-verdianos. É difícil a unidade entre estes e os guineenses para a constituição de uma luta comum. Será difícil até ao fim, apesar de alguns cabo-verdianos (Aristides Pereira, Fernando Fortes, Abílio Duarte, entre outros) se unirem à sua volta. O trabalho político segue a par da actividade profissional. Encarregado da planificação e execução do recenseamento agrícola da Guiné, o relatório que elabora continua a ser hoje o primeiro dado valorizável para o conhecimento da agricultura guineense.

A princípio, Amílcar Cabral procura agir na legalidade. Redige os estatutos de um Clube desportivo e cultural ao qual podem aderir todos os guineenses. As autoridades portuguesas não o autorizarão a funcionar porque a maioria dos signatários não possui bilhete de identidade.

Em 1955, o governador Melo e Alvim obriga Cabral a deixar a Guiné, embora lhe permita voltar uma vez por ano, por razões familiares.

1955 é o ano da Conferência de Bandung que assinala o nascimento do Movimento dos Não-Alinhados, do final da primeira guerra de independência do Vietname, da passagem à luta armada da FNL argelina. E Amílcar Cabral transferido para Angola, trabalha em Cassequel, como engenheiro... e tomando contacto activo com os fundadores do MPLA, ao qual se liga, desde início.

Numa das suas passagens por Bissau, a 19 de Setembro de 1959, Amílcar Cabral, Aristides Pereira, Luís Cabral, Júlio de Almeida, Fernando Fortes e Elisée Turpin criam o Partido Africano da Independência/União dos Povos da Guiné e Cabo Verde (PAIGC). Obviamente, um partido clandestino, que só deixará de o ser quatro anos mais tarde, quando instalar a sua delegação exterior em Conacri.

Nesse período, a actividade de Amílcar Cabral é esgotante. Continuando os seus estudos
fitossanitários e agrológicos, viaja frequentemente entre Portugal, Angola e Guiné.

Em Novembro de 1957 participa em Paris numa reunião para o desenvolvimento da luta contra o colonialismo português, mantém contactos com os anti-colonialistas em Lisboa, está em Accra num encontro pan-africano e vai a caminho de Luanda quando ocorre o massacre de Pidjiguiti. Em Janeiro de 1960 vai à II Conferência dos povos africanos, em Tunis, em Maio está em Conacri. Ainda neste ano, em Londres, denuncia numa conferência internacional, pela primeira vez, o colonialismo português. Mas aí, como durante todos os anos de luta, sublinha com ênfase não estar contra o povo português. O seu combate é, em exclusivo, contra o sistema colonial.

Hoje, as investigações históricas e os depoimentos de muitos intervenientes da época mostram que líder do PAIGC sempre se disponibilizou para negociações com o Governo português, nunca aceites pelo regime da ditadura.

Entre 1960 e 1962, o PAIGC actua a partir da República da Guiné. Essa actuação desenvolve-se em três aspectos: formar militantes e quadros para a difusão do Partido no interior da Guiné, garantir o apoio dos países limítrofes (o que foi tarefa complicada porque a República da Guiné pretendia a utilização dos guineenses de Amílcar Cabral na sua própria política e porque o Senegal se manifestou hostil durante seis anos) e, finalmente, a obtenção do apoio internacional.

É a República Popular da China quem dá o primeiro passo, recebendo, em 1960, Amílcar Cabral e alguns quadros que ali ficarão preparando a guerrilha e a formação ideológica. Em 1961 o Reino de Marrocos concede-lhe idêntico apoio.

Em 1962, desencadeia-se a luta armada contra o Estado Português. Tinham passado 17 anos desde que o filho de Juvenal Cabral chegara a Lisboa para frequentar a Universidade.

UMA TEIA DE INTERESSES
Em reportagem publicada no Expresso, a 16 de Janeiro de 1993, José Pedro Castanheira fornece uma série de dados sobre a morte de Amílcar Cabral, que, três anos depois aprofunda no livro "Quem Mandou Matar Amílcar Cabral?".

É possível crer em vários factos. A política colonial portuguesa, dividindo para reinar, criara uma diferenciação entre cabo-verdianos e guineenses. Os primeiros, mestiços na sua grande maioria e mais escolarizados, são os preferidos da administração do Estado Novo. Desempenham os cargos menos desqualificados, usufruem de um tratamento preferencial. Quando se constitui o PAIGC, os quadros dirigentes são cabo-verdianos, os combatentes são guineenses. O próprio Amílcar Cabral, embora nascido na Guiné, é considerado cabo-verdiano. As tensões, os conflitos no interior do PAIGC existiram sempre. Em 1973, a guerra de libertação nacional encaminha-se para a vitória. Os dirigentes políticos continuam a ser cabo-verdianos. É provável que a proximidade do êxito extremasse a confrontação no Partido.

Séku Turé que, desde 1958, fora um líder africano de grande prestígio está em perda de influência. Por seu turno, Amílcar Cabral é uma personalidade que se evidencia na cena africana e internacional, reunindo apoios que vão da China e dos regimes comunistas, aos países nórdicos. O grande sonho de Turé de anexar a Guiné-Bissau para criar a "Grande Guiné" está em perigo. É bem provável que tivesses dado sinais de concordância aos revoltosos - todos guineenses - para consumarem o crime. Cabral sairia de cena, o PAIGC desmembrar-se-ia, passando, na prática, para o controlo de Turé. (Em Maio de 1974, Leopold Senghor, Presidente do Senegal, não hesita em afirmar ao coronel Carlos Fabião e ao embaixador Nunes Barata ter sido Séku Turé o instigador do assassínio de Amílcar Cabral).

Por fim, a PIDE/DGS. Desde muito, pelo menos desde 1967, a organização policial portuguesa procurava matar Cabral. Alguns guerrilheiros prisioneiros foram manobrados para colaborarem com a polícia política. Ficou provado em relação a alguns dos intervenientes no atentado. Tudo leva a crer que, em medida desconhecida, a PIDE não foi alheia a toda a trama.

Testemunhos da época revelam também que Amílcar Cabral tinha consciência que poderia ser traído pelos companheiros de luta. Afirmara algumas vezes: "se alguém me há-de fazer mal, é quem está aqui entre nós. Ninguém mais pode estragar o PAIGC. Só nós próprios".

Guiné-Bissau -- PM Cabo Verde

Cidade da Praia, 18 jan (Lusa) - Se ressuscitasse, 40 anos depois, Amílcar Cabral, assassinado em 1973, ficaria "satisfeito" com os resultados alcançados por Cabo Verde após a independência, mas "angustiado" com todo o percurso da Guiné-Bissau, disse hoje o primeiro-ministro cabo-verdiano.


Numa entrevista à agência Lusa sobre a morte do "pai" das independências da Guiné-Bissau e Cabo Verde, José Maria Neves lembrou a obra "visionária" de Cabral, um "pedagogo" que constitui uma "referência" para a governação democrática nos dois países.

"Acho que Cabral estaria satisfeito com o percurso de Cabo Verde. Hoje, transformámos um país improvável num país possível e ultrapassámos e construímos a ideia da independência e da dignidade. Há mais prosperidade e temos de continuar nesta linha a trabalhar para debelarmos definitivamente a pobreza", disse.

José Maria Neves, salvaguardando não querer intrometer-se nos assuntos internos da Guiné-Bissau, afirmou, porém, que, globalmente, Cabral estaria "angustiado" com o país.



Questionado pela Lusa sobre as razões por que ainda permanecem desconhecidas as circunstâncias da morte de Cabral, assassinado em Conacri por veteranos da guerrilha nacionalista do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), liderados por Inocêncio Kani, disse ser "difícil" responder.

"É difícil saber, naquelas circunstâncias, quem terá mandado matar Cabral. Havia um conjunto de interesses da potência colonial, da Guiné-Conacri, particularmente do seu líder, Sekou Touré, e de conflitos dentro do próprio PAIGC e todos esses elementos poderão convergir para que determinadas pessoas, na altura dirigentes do partido, tivessem condições para matar Cabral", sustentou.

"Há um feixe de causas, sendo certo que há um conhecimento de quem terá sido o autor material do assassinato de Cabral - Inocêncio Kani e seus companheiros", acrescentou.

Sobre se Cabral foi "ingénuo" ao acreditar na unidade Guiné/Cabo Verde, Neves afirmou perentoriamente ter-se tratado de uma "estratégia da luta" pela independência.

"Acreditava genuinamente na unidade entre os dois povos para construir a dignidade e o futuro. Não diria que fosse ingénuo, embora tenhamos todas as dissensões que vieram a acontecer entre cabo-verdianos e guineenses no palco da luta", disse.

"E temos também toda a história feita por Cabral para unir as diferentes sensibilidades guineenses para, depois, unir as sensibilidades guineenses e cabo-verdianas para poder começar a luta e conseguir a libertação. Aliás, essas dissensões acompanharam toda a luta e estarão na base do seu próprio assassínio", defendeu.
Para o chefe do Governo, à frente do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV) desde 2001, Cabral está ao nível das grandes personalidades africanas que lutaram pelo renascimento e libertação de África.

"Coloco Cabral junto a Jomo Kennyata (Quénia), Kwane N'Krumah (Gana), Leopold Senghor (Senegal), Julius Nyerere (Tanzânia), Patrice Lumumba (antigo Congo Belga, atual RDCongo), Jomo Kenyatta (Quénia) e Nelson Mandela (África do Sul), entre outros, que deram tudo para que hoje houvesse uma África livre da subjugação colonial", concluiu.

JSD // VM.


Poucos conhecem a obra do líder histórico -- académico

Cidade da Praia, 18 jan (Lusa) - Mais de 80 por cento dos que citam o pensamento de Amílcar Cabral para os ajudar a manterem-se no poder não conhece a sua obra, defendeu à agência Lusa o académico cabo-verdiano Corsino Tolentino.

"Provavelmente, mais de 80 por cento, para ser modesto, das citações ou dos citadores de Cabral não conhecem a sua obra e não refletiram profundamente sobre a consistência e a coesão dessa obra e a prática dele", salientou o presidente da recentemente criada Academia das Ciências e Humanidades de Cabo Verde (ACHCV).

"No plano teórico e político, há, na Guiné-Bissau, pouco mais do que citações de Cabral. Nota-se uma espécie de comportamento predador que levou o país a ser vítima dos seus próprios atores, sobretudo políticos e é de desconfiar quando eles repetem em demasia as citações ou recorrem a figuras do passado", sustentou Tolentino.

Para o antigo diretor-geral da Fundação Calouste Gulbenkian e antigo dirigente do Partido Africano da Independência Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e, mais tarde, do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV), o partido guineense "faria muito melhor" em fazer um balanço sobre as ideias de Amílcar Cabral, "que são ainda válidas", do que "perder-se em citações".


"Há uma grande diferença entre a teoria e a prática. Quando nos limitamos a citar para afugentar certos riscos ou determinados adversários, reais ou supostos, tal não é legítimo nem honesto", disse, defendendo que, em Cabo Verde, os valores e ideias de Cabral foram mais longe.

Recusando a ideia de que Cabral terá sido ingénuo ao acreditar na unidade Guiné/Cabo Verde, Tolentino sustentou que o contexto africano das décadas de 1950, 1960 e 1970 tinha como pano de fundo precisamente a unidade africana.

"Foi correto e útil pensar essa unidade no contexto da unidade africana. Era razoável pensar-se assim. Reduzir as tensões e os riscos e aumentar o denominador comum, estendendo a unidade, foi uma estratégia genial", apesar de, mais tarde, em 1980, o "sonho" ter caído por
terra com o golpe de Estado na Guiné-Bissau, disse.

Um afro abraço.

fonte:www.vidaslusofonas.pt/amilcar_cabral.htm

quarta-feira, 5 de março de 2014

Dia 8 de Março: A mulher e violência de gênero...

  Hoje, a maior parte dos países se esforça para acabar com a violência contra a mulher  e o Brasil é referência  a tanto positiva quanto negativa neste cenário.As causas externas que incluem os acidentes e as violências se configuram como um dos principais problemas do setor de saúde pela sua magnitude e transcendência. Atualmente, é a segunda causa de mortalidade no país e provoca forte impacto na morbidade da população.



No obituário feminino, as causas externas não configuram entre as primeiras causas de morte, porém as conseqüências não fatais da violência sofrida pelas mulheres são bastante graves porque representam custos significativos e uma demanda considerável para o setor saúde com manifestações que não se restringem apenas aos traumas e às lesões que expressam a agressão sofrida, mas a todo o seu perfil de saúde-doença.

No Brasil, a magnitude da violência contra a mulher, também chamada de violência de gênero, ainda não pode ser bem dimensionada, pois poucas pesquisas de base populacionais foram desenvolvidas no país e os estudos, em sua maioria, ocorrem de forma isolada nos Serviços de Saúde e na Secretaria de Segurança Pública abordando a ocorrência do evento entre as usuárias dos serviços de atendimento e não permitindo a generalização de suas conclusões para as mulheres da população em geral.

Atualmente o monitoramento da violência de gênero no setor saúde em nosso país ocorre a partir dos sistemas de informação existentes relacionados à mortalidade, à morbidade hospitalar dos internamentos via SUS e à notificação compulsória da violência contra a mulher, ainda em fase de implantação no território nacional.Mais da metade dos homicídios de mulheres correspondem a femicídios causados pelas desigualdades de gênero6e esse fenômeno está presente em vários continentes. Estima-se que entre 60% e 70% dos femicídios nos Estados Unidos e Canadá sejam cometidos por companheiros ou ex-companheiros.7 Na Europa, em países como a Rússia, homicídios e femicídios atribuídos à desorganização social aumentaram com a quebra da União Soviética, que propiciou a proliferação das máfias e de crimes violentos.11 Dados de organizações de direitos humanos a apontam que a Guatemala, que passou por violentos conflitos internos, possui uma das maiores ocorrências de femicídios das Américas. Entre 2003 e 2005, 1.398 mulheres foram assassinadas na Guatemala, 1.320 em El Salvador, 613 em Honduras, mais de 400 no México e 269 na Nicarágua.

A mortalidade masculina por violência tem aumentado em várias regiões da América Central e do Sul e, ao contrário dos homicídios de mulheres, tanto vítimas quanto perpetradores são homens. Os assassinatos masculinos não ocorrem pela desigualdade de gênero, e sim por conflitos que ocorrem no espaço da rua: brigas, controle do território, pertencimento a gangues, narcotráfico, grupos de extermínio,19 enquanto as mortes de mulheres são da ordem da violência privada que permeia as relações intersubjetivas entre homens e mulheres.

Entre os fatores socioeconômicos e demográficos associados ao assassinato de mulheres pelos parceiros, incluem-se a pobreza das famílias, a disparidade de idade entre os cônjuges e a situação marital não formalizada. Em vários países, um terço das mulheres tentavam obter a separação ao serem assassinadas, especialmente nos três meses que antecederam o crime, e possuía um histórias repetidas de violência e agressões.9 Nos Estados Unidos,

foram encontradas relações entre taxas de femicídio e locais de maior pobreza, instabilidade, população negra, desemprego e taxas de crimes violentos.

Quanto à relação entre religião e violência, considera-se que o discurso religioso reforça a misoginia, a afirmação da masculinidade hegemônica e a tolerância aos atos de violência contra as mulheres, uma vez que prega a submissão das esposas aos maridos.25 Os femicídios têm sido fortemente associados a situações de desigualdade e discriminação de gênero, privação econômica e masculinidade agressiva e machista, incluindo uso de armas de fogo, envolvimento com crime organizado, tráfico de drogas e de pessoas, conflitos armados e alta mortalidade masculina por agressões.
Segundo um levantamento da Organização das Nações Unidas (ONU) divulgado em 2011, o percentual de mulheres que são agredidas física ou sexualmente pelo parceiro varia entre 5% (Geórgia) e 70,9% (Etiópia). Infelizmente, o Brasil ocupa um lugar de destaque na pesquisa, com o índice de 34%.

Mas, apesar desse avanço, os números continuam preocupantes. Segundo o Mapa da Violência de 2012, produzido pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, o Brasil ocupa o 7º lugar noranking mundial de mulheres assassinadas, com 4,6 mortes a cada 100 mil habitantes do sexo feminino. Para a farmacêutica bioquímica Maria da Penha, cujo caso inspirou a criação da lei, a solução do problema estaria na adoção de políticas públicas que possibilitem a aplicação integral da legislação. "Não tem como funcionar se não existe um centro de referência, uma delegacia da mulher ou se o juiz não dá uma medida protetiva em até 48h, por exemplo", diz.Em 2006, entrou em vigor no país a Lei Maria da Penha, criada especificamente para coibir a violência doméstica e internacionalmente reconhecida como um dos instrumentos legais mais avançados neste quesito. A lei estabelece penas de 3 meses a 3 anos de prisão para agressores deste tipo. Além disso, possibilita que os processos sejam agilizados através de varas especializadas e prevê que o Estado mantenha uma rede de proteção à mulher.

A incorporação do gênero como categoria abre caminho para a compreensão das desigualdades persistentes entre homens e mulheres. O gênero é abordado como um elemento constitutivo das relações sociais e como forma básica de representar as relações de poder, superando a visão de que as representações dominantes são naturais e inquestionáveis. Assumir o gênero como uma construção sociológica, político-cultural do termo sexo possibilita compreendê-lo numa dimensão que integra toda uma carga cultural e ideológica. É neste sentido que são necessárias referências concretas sobre a identidade masculina e feminina, sendo impossível compreender o específico da identidade feminina sem a compreensão do específico da identidade masculina e do que há de comum em cada ser humano.

A MULHER NEGRA...

Quando falamos em mulher negra no Brasil é importante traçarmos seu perfil para que possamos demarcar diferenças com as visões estereotipadas.

As mulheres negras brasileiras são 25% da população. A maioria ainda é analfabeta ou semi-analfabeta. A remuneração está em geral na faixa de um salário mínimo. Muitas chefiam família em maior número que as brancas. Tal perfil demonstra que a maioria das mulheres negras vive em condição de pobreza.


O Brasil é o país de maior população negra fora da África; historicamente um país escravocrata onde ainda perduram as idéias racistas nas instituições governamentais e na sociedade em geral. Mesmo quando a pessoa negra ainda não adquiriu a consciência do racismo, ser negra em nosso país significa viver em condição de extrema desigualdade social e racial.

Considerando que a mulher no Brasil, até a Constituição de 1988, era legalmente cidadã de segunda categoria, ser mulher negra e pobre significava não ter os direitos mínimos de cidadania assegurados juridicamente.

É no contexto descrito que precisamos situar a denominada "questão da mulher negra"; como ela surgiu, se estabeleceu e chegou ao que hoje se convencionou chamar de Movimento de Mulheres Negras, a luta organizada contra a tripla discriminação.

Durante muitas décadas, o movimento feminista trabalhou com a idéia da "irmandade" das mulheres; que a opressão da mulher, ou, como se diz hoje, a opressão de gênero, atingia de forma igualitária e indiferenciada a todas as mulheres. Graças à presença e ao trabalho de feministas negras esta idéia está superada. Hoje, é ponto pacífico que, embora a opressão de gênero seja algo comum a todas as mulheres nas sociedades patriarcais, ela é sentida diferentemente porque entre nós, as mulheres, existem diferenças de classe e de raça. E o racismo só é comum às mulheres "não-brancas".

Podemos aplicar a mesma análise aos homens negros, mais especificamente ao movimento negro. Durante muitos anos, as mulheres negras que se assumiam feministas foram acusadas de dividir a luta anti-racista, tão-somente porque diziam que era impossível a irmandade entre os negros porque, parafraseando Elizabeth Lobo, a população negra, assim como a classe operária, tem dois sexos e um deles era oprimido. Faltava ao Movimento Negro considerar as especificidades das mulheres negras. Hoje, cresce nele a compreensão de que é preciso considerar a perspectiva de gênero para fortalecer a luta anti-racista.

A síntese do papel desempenhado pelas feministas negras nos movimentos negro e feminista foi feita magistralmente por Suely Carneiro: "A luta das mulheres negras brasileiras contra a opressão de gênero e de raça vem desenhando novos contornos para a ação política feminista e anti-racista. Este novo olhar feminista e anti-racista, ao integrar a tradição de luta do movimento negro e do feminista, afirma esta nova identidade política decorrente do ser mulher e negra.

O atual movimento de mulheres negras ao trazer para a cena política as contradições resultantes das variáveis raça, classe e gênero, promove a síntese das bandeiras de luta historicamente levantadas pelos movimentos negros e de mulheres do nosso país, enegrecendo, de um lado as reivindicações das mulheres e, por outro, promovendo a feminização das propostas e reivindicações do movimento negro."

Em dezembro de 2012, a relatora da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Violência contra a Mulher, senadora Ana Rita (PT-ES), afirmou que o sistema de proteção à mulher está sucateado. A comissão também apontou que o país conta com 374 delegacias da mulher, número que cobre apenas 7% dos municípios. 



Um afro abraço.

fonte:ONU/Organização Panamericana da Saúde. Organização Mundial da Saúde. Como acabar com a violência contra as mulheres. Popul Rep. 1999;27(4):1- 43/Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA). Os direitos das mulheres na legislação brasileira pós-constituinte. Brasília: Letras Livres; 2006.

Favelas as grandes vítimas do coronavírus no Brasil

O Coronavírus persiste e dados científicos se tornam disponíveis para a população, temos observado que a pandemia evidencia como as desigual...