No obituário feminino, as causas externas não configuram entre as primeiras causas de morte, porém as conseqüências não fatais da violência sofrida pelas mulheres são bastante graves porque representam custos significativos e uma demanda considerável para o setor saúde com manifestações que não se restringem apenas aos traumas e às lesões que expressam a agressão sofrida, mas a todo o seu perfil de saúde-doença.
No Brasil, a magnitude da violência contra a mulher, também chamada de violência de gênero, ainda não pode ser bem dimensionada, pois poucas pesquisas de base populacionais foram desenvolvidas no país e os estudos, em sua maioria, ocorrem de forma isolada nos Serviços de Saúde e na Secretaria de Segurança Pública abordando a ocorrência do evento entre as usuárias dos serviços de atendimento e não permitindo a generalização de suas conclusões para as mulheres da população em geral.
Atualmente o monitoramento da violência de gênero no setor saúde em nosso país ocorre a partir dos sistemas de informação existentes relacionados à mortalidade, à morbidade hospitalar dos internamentos via SUS e à notificação compulsória da violência contra a mulher, ainda em fase de implantação no território nacional.Mais da metade dos homicídios de mulheres correspondem a femicídios causados pelas desigualdades de gênero6e esse fenômeno está presente em vários continentes. Estima-se que entre 60% e 70% dos femicídios nos Estados Unidos e Canadá sejam cometidos por companheiros ou ex-companheiros.7 Na Europa, em países como a Rússia, homicídios e femicídios atribuídos à desorganização social aumentaram com a quebra da União Soviética, que propiciou a proliferação das máfias e de crimes violentos.11 Dados de organizações de direitos humanos a apontam que a Guatemala, que passou por violentos conflitos internos, possui uma das maiores ocorrências de femicídios das Américas. Entre 2003 e 2005, 1.398 mulheres foram assassinadas na Guatemala, 1.320 em El Salvador, 613 em Honduras, mais de 400 no México e 269 na Nicarágua.
A mortalidade masculina por violência tem aumentado em várias regiões da América Central e do Sul e, ao contrário dos homicídios de mulheres, tanto vítimas quanto perpetradores são homens. Os assassinatos masculinos não ocorrem pela desigualdade de gênero, e sim por conflitos que ocorrem no espaço da rua: brigas, controle do território, pertencimento a gangues, narcotráfico, grupos de extermínio,19 enquanto as mortes de mulheres são da ordem da violência privada que permeia as relações intersubjetivas entre homens e mulheres.
Entre os fatores socioeconômicos e demográficos associados ao assassinato de mulheres pelos parceiros, incluem-se a pobreza das famílias, a disparidade de idade entre os cônjuges e a situação marital não formalizada. Em vários países, um terço das mulheres tentavam obter a separação ao serem assassinadas, especialmente nos três meses que antecederam o crime, e possuía um histórias repetidas de violência e agressões.9 Nos Estados Unidos,
foram encontradas relações entre taxas de femicídio e locais de maior pobreza, instabilidade, população negra, desemprego e taxas de crimes violentos.
Quanto à relação entre religião e violência, considera-se que o discurso religioso reforça a misoginia, a afirmação da masculinidade hegemônica e a tolerância aos atos de violência contra as mulheres, uma vez que prega a submissão das esposas aos maridos.25 Os femicídios têm sido fortemente associados a situações de desigualdade e discriminação de gênero, privação econômica e masculinidade agressiva e machista, incluindo uso de armas de fogo, envolvimento com crime organizado, tráfico de drogas e de pessoas, conflitos armados e alta mortalidade masculina por agressões.
Segundo um levantamento da Organização das Nações Unidas (ONU) divulgado em 2011, o percentual de mulheres que são agredidas física ou sexualmente pelo parceiro varia entre 5% (Geórgia) e 70,9% (Etiópia). Infelizmente, o Brasil ocupa um lugar de destaque na pesquisa, com o índice de 34%.
Mas, apesar desse avanço, os números continuam preocupantes. Segundo o Mapa da Violência de 2012, produzido pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, o Brasil ocupa o 7º lugar noranking mundial de mulheres assassinadas, com 4,6 mortes a cada 100 mil habitantes do sexo feminino. Para a farmacêutica bioquímica Maria da Penha, cujo caso inspirou a criação da lei, a solução do problema estaria na adoção de políticas públicas que possibilitem a aplicação integral da legislação. "Não tem como funcionar se não existe um centro de referência, uma delegacia da mulher ou se o juiz não dá uma medida protetiva em até 48h, por exemplo", diz.Em 2006, entrou em vigor no país a Lei Maria da Penha, criada especificamente para coibir a violência doméstica e internacionalmente reconhecida como um dos instrumentos legais mais avançados neste quesito. A lei estabelece penas de 3 meses a 3 anos de prisão para agressores deste tipo. Além disso, possibilita que os processos sejam agilizados através de varas especializadas e prevê que o Estado mantenha uma rede de proteção à mulher.
A incorporação do gênero como categoria abre caminho para a compreensão das desigualdades persistentes entre homens e mulheres. O gênero é abordado como um elemento constitutivo das relações sociais e como forma básica de representar as relações de poder, superando a visão de que as representações dominantes são naturais e inquestionáveis. Assumir o gênero como uma construção sociológica, político-cultural do termo sexo possibilita compreendê-lo numa dimensão que integra toda uma carga cultural e ideológica. É neste sentido que são necessárias referências concretas sobre a identidade masculina e feminina, sendo impossível compreender o específico da identidade feminina sem a compreensão do específico da identidade masculina e do que há de comum em cada ser humano.
A MULHER NEGRA...
Quando falamos em mulher negra no Brasil é importante traçarmos seu perfil para que possamos demarcar diferenças com as visões estereotipadas.
As mulheres negras brasileiras são 25% da população. A maioria ainda é analfabeta ou semi-analfabeta. A remuneração está em geral na faixa de um salário mínimo. Muitas chefiam família em maior número que as brancas. Tal perfil demonstra que a maioria das mulheres negras vive em condição de pobreza.
O Brasil é o país de maior população negra fora da África; historicamente um país escravocrata onde ainda perduram as idéias racistas nas instituições governamentais e na sociedade em geral. Mesmo quando a pessoa negra ainda não adquiriu a consciência do racismo, ser negra em nosso país significa viver em condição de extrema desigualdade social e racial.
Considerando que a mulher no Brasil, até a Constituição de 1988, era legalmente cidadã de segunda categoria, ser mulher negra e pobre significava não ter os direitos mínimos de cidadania assegurados juridicamente.
É no contexto descrito que precisamos situar a denominada "questão da mulher negra"; como ela surgiu, se estabeleceu e chegou ao que hoje se convencionou chamar de Movimento de Mulheres Negras, a luta organizada contra a tripla discriminação.
Durante muitas décadas, o movimento feminista trabalhou com a idéia da "irmandade" das mulheres; que a opressão da mulher, ou, como se diz hoje, a opressão de gênero, atingia de forma igualitária e indiferenciada a todas as mulheres. Graças à presença e ao trabalho de feministas negras esta idéia está superada. Hoje, é ponto pacífico que, embora a opressão de gênero seja algo comum a todas as mulheres nas sociedades patriarcais, ela é sentida diferentemente porque entre nós, as mulheres, existem diferenças de classe e de raça. E o racismo só é comum às mulheres "não-brancas".
Podemos aplicar a mesma análise aos homens negros, mais especificamente ao movimento negro. Durante muitos anos, as mulheres negras que se assumiam feministas foram acusadas de dividir a luta anti-racista, tão-somente porque diziam que era impossível a irmandade entre os negros porque, parafraseando Elizabeth Lobo, a população negra, assim como a classe operária, tem dois sexos e um deles era oprimido. Faltava ao Movimento Negro considerar as especificidades das mulheres negras. Hoje, cresce nele a compreensão de que é preciso considerar a perspectiva de gênero para fortalecer a luta anti-racista.
A síntese do papel desempenhado pelas feministas negras nos movimentos negro e feminista foi feita magistralmente por Suely Carneiro: "A luta das mulheres negras brasileiras contra a opressão de gênero e de raça vem desenhando novos contornos para a ação política feminista e anti-racista. Este novo olhar feminista e anti-racista, ao integrar a tradição de luta do movimento negro e do feminista, afirma esta nova identidade política decorrente do ser mulher e negra.
O atual movimento de mulheres negras ao trazer para a cena política as contradições resultantes das variáveis raça, classe e gênero, promove a síntese das bandeiras de luta historicamente levantadas pelos movimentos negros e de mulheres do nosso país, enegrecendo, de um lado as reivindicações das mulheres e, por outro, promovendo a feminização das propostas e reivindicações do movimento negro."
Em dezembro de 2012, a relatora da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Violência contra a Mulher, senadora Ana Rita (PT-ES), afirmou que o sistema de proteção à mulher está sucateado. A comissão também apontou que o país conta com 374 delegacias da mulher, número que cobre apenas 7% dos municípios.
Um afro abraço.
fonte:ONU/Organização Panamericana da Saúde. Organização Mundial da Saúde. Como acabar com a violência contra as mulheres. Popul Rep. 1999;27(4):1- 43/Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA). Os direitos das mulheres na legislação brasileira pós-constituinte. Brasília: Letras Livres; 2006.
fonte:ONU/Organização Panamericana da Saúde. Organização Mundial da Saúde. Como acabar com a violência contra as mulheres. Popul Rep. 1999;27(4):1- 43/Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA). Os direitos das mulheres na legislação brasileira pós-constituinte. Brasília: Letras Livres; 2006.
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