Uma catadora de papel que fez suas histórias viajarem o mundo
Como o Brasil pedia a publicação do livro de Carolina de Jesus — saiu, depois, mais uma reportagem, na revista “O Cruzeiro” —, Audálio Dantas compilou os diários, publicando apenas o que continham de mais instigante. O livro, com o título de “Quarto de Despejo”, saiu em agosto de 1960. Os 10 mil exemplares da primeira edição foram vendidos numa semana. “Um recorde para a época.”
Quarto de despejo é uma espécie de diário de uma catadora de papel, moradora da favela do Canindé, em São Paulo, para onde Carolina se mudara, em 1947, vinda da cidadezinha mineira de Sacramento, onde havia nascido. A obra é um testemunho da fome, da miséria, das agruras e preconceitos sofridos por Carolina e seus três filhos. Um testemunho dos preconceitos e desigualdades de classe, raça, sexo, escolarização e profissão, entre outros, sofridos por significativa parcela da população brasileira.
Expõe uma realidade que muitas vezes se faz esquecida, ou jamais lembrada. Uma realidade feita de injustiças e desilusões, mas também de sonhos e esperanças, como bem expressou Carolina, em diversos trechos de seu Quarto de Despejo (1960).
“Enquanto escrevo vou pensando que resido num castelo cor de ouro que reluz
na luz do sol. Que as janelas são de prata e as luzes de brilhantes. Que a minha
vista circula no jardim e eu contemplo as flores de todas as qualidades”
“O meu sonho era andar bem limpinha, usar roupas de alto preço, residir numa casa confortável, mas não é possível. Eu não estou descontente com a profissão que exerço. Já habituei-me andar suja. Já faz oito anos que cato papel. O desgosto que tenho é residir em favela.”
Carolina tentou por diversas vezes publicar seus escritos, sem sucesso. Até
que um dia, em 1958, em visita à favela do Canindé, o jornalista alagoano
Adáulio Dantas percebeu o valor literário na escrita caótica e cheia de
incorreções registrada nos “cadernos” de Carolina. Ele trabalhou arduamente
sobre os manuscritos, incentivou a escrita e ajudou Carolina a transformá-la em
livro. Depois disso, Carolina publicou outros livros, mas nenhum deles alcançou o
mesmo sucesso que Quarto de Despejo. O rápido reconhecimento e ascensão
social alcançado por Carolina lhe custaram um alto preço. Não tendo se
“enquadrado” como escritora famosa, em pouco tempo ela retornou à situação de
pobreza, que perdurou até sua morte, em 1977. Meihy & Levine, autores de
“Cinderela negra” (1994), assim avaliaram a experiência da escritora
Carolina:“O meu sonho era andar bem limpinha, usar roupas de alto preço, residir numa casa confortável, mas não é possível. Eu não estou descontente com a profissão que exerço. Já habituei-me andar suja. Já faz oito anos que cato papel. O desgosto que tenho é residir em favela.”
Ser negra num mundo dominado por brancos, ser mulher num espaço regido por homens, não conseguir fixar-se como pessoa de posses num território em que administrar o dinheiro é mais difícil do que ganhá-lo, publicar livros num ambiente intelectual de modelo refinado, tudo isto reunido fez da experiência de Carolina um turbilhão (Meihy & Levine, 1994, p.63).Depois de sua morte, Carolina tornou-se fonte de estudos para de Carolina. Ele trabalhou arduamente sobre os manuscritos, incentivou a escrita e ajudou Carolina a transformá-la em livro. Depois disso, Carolina publicou diversos pesquisadores e outros interessados na força de sua literatura enquanto expressão de sua experiência humana.
Ao longo dos anos 1980, em meio ao processo de democratização da sociedade brasileira, alguns dos movimentos sociais que emergiram na época, especialmente os que se organizaram em torno das questões feminista e da negritude, reconheceram o pioneirismo de Carolina e a tomaram como um de seus ícones e baluartes. Teses de Doutorado e muitos outros estudos sobre a sua obra foram realizados e publicados, especialmente nos Estados Unidos. Ela recebeu o título de cidadã honorária de sua cidade natal, Sacramento (2001), e seu nome foi dado a ruas, creches, abrigos, associações e bibliotecas, entre outros (MACHADO, 2006). A vida de Carolina foi retratada em um programa da Rede Globo e em pelo menos dois curtas-metragens brasileiros: “Carolina” e “Carolina Maria de Jesus”, este último dentro do Programa “Heróis de todo mundo”, do Projeto “A Cor da Cultura”. A obra de Carolina também inspirou várias outras produções artístico-culturais, no Brasil e no exterior.
Ainda assim, valeria a pena perguntar: em que medida, a experiência de vida e a obra de Carolina Maria de Jesus têm feito parte de nossa memória social e histórica? Qual(is) lugar(es) tem sido reservado a esta personagem em nossos repertórios de memória?
A escritora favelada que brilhou na Time e foi
elogiada pelo italiano Alberto Moravia
Autora do celebrado “Quarto de Despejo”, Carolina Maria de
Jesus, traduzida em 13 países, vendeu 1 milhão de exemplares, ganhou dinheiro e
morreu pobre. Hoje sua obra faz sucesso apenas nas universidades
A escritora começou a ser apresentada às elites intelectual e do capital como “uma espécie de bicho estranho. Exibiam-na em jantares elegantes nos bairros finos de São Paulo”. Preocupado, Audálio Dantas alertou-a. Irritada, Carolina de Jesus reclamou que o jornalista queria ser seu “tutor”.
“Quarto de Despejo”, talvez mais comentado do que lido, era elogiado em vários países. É provável que leitores, escritores e críticos percebessem que não se tratava de literatura, de prosa refinada, e sim de retratos ou recortes da vida cotidiana. Os relatos de Carolina de Jesus estão mais próximos da sociologia e da antropologia, ainda que sem o uso de métodos mas com uma observação direta precisa. Talvez o grande equívoco tenha sido tratá-los como literatura, que exige uma elaboração que, evidentemente, não há nos livros de Carolina de Jesus.
É claro que Carolina de Jesus não é uma farsa, dada sua percepção aguda e vívida da vida na favela, mas não é também uma escritora comparável a, digamos, Clarice Lispector, Rachel de Queiroz e Lygia Fagundes Teles. Não se pode nem mesmo compará-las. Porque, nas obras de Carolina, por falta de formação cultural e de banco escolar mesmo, não há elaboração, apuro na linguagem. Ainda assim, o livro foi traduzido em 13 idiomas e vendeu mais de 1 milhão de exemplares. Alberto Moravia prefaciou a edição italiana. O grande escritor italiano percebeu a “força”, extraliterária, dos escritos da mineira. O próprio Audálio Dantas, no texto de 1958, assinala: “... ela é dotada de agudo senso de observação e talvez por isso retrate tão bem o meio em que vive”. Não há condescendência com os pobres nos seus diários, como às vezes ocorre em trabalhos de acadêmicos engajados à esquerda: “Aqui é assim. Não há ricos, só pobres, uns prejudicando os outros”. Um mundo hobbesiano. Noutro trecho diz: “Suporto as contingências da vida, resoluta. Eu não consegui armazenar dinheiro para viver. Resolvi armazenar paciência”.
Com o tempo, enquanto críticos acadêmicos (alguns brasilianistas) tratavam de valorizar a obra de Carolina de Jesus, inclusive do ponto de vista literário — o que é difícil, senão impossível, provar, exceto por frases esparsas, mas nunca no conjunto —, alguns críticos, como Wilson Martins, começaram a duvidar da autenticidade da autoria dos relatos.
Irritado, “bravo de verdade”, Audálio Dantas publicou uma longa resposta no “Jornal do Brasil” e ameaçou processar Wilson Martins. “Tinha como testemunhas os cadernos escritos por Carolina, que mantive sob minha guarda até outro dia, quando decidi doá-los à Biblioteca Nacional”, diz Audálio Dantas.
Obra:
Quarto de Despejo (1960)
Casa de Alvenaria (1961)
Pedaços de Fome (1963)
Provérbios (1963)
Diário de Bitita 1982 (Póstumo).
Um afro abraço.
fonte:crv.educacao.mg.gov.br/.../www.revista.iphan.gov.br/materia.php
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