Com o avanço das lutas contra o racismo, nas últimas décadas do século XX, os
negros começaram a se tornar protagonistas das suas obras. Usando a palavra como
forma de resistência, diversos escritores e poetas criaram uma produção
diferenciada, com nuanças específicas, baseadas nos elementos culturais de
origem africana e no resgate da dignidade. No livro Literatura negro-brasileira,
quarto volume da Coleção Consciência em Debate, lançamento da Selo Negro
Edições, o escritor e pesquisador Cuti, pseudônimo de Luiz Silva, analisa a
participação do negro, como personagem, autor e leitor, na literatura
brasileira.
Escritor profícuo e grande pesquisador, Cuti
destaca os precursores e a nova geração dessa corrente – que alcançou um patamar
significativo com os trinta anos de edição ininterrupta dos Cadernos Negros,
coletânea anual de poemas e contos. “A literatura é alimento para o nosso
imaginário, que se move o tempo todo, recebendo, produzindo e reproduzindo
ideias, palavras, frases, imagens sobre o que somos como pessoa e povo”, revela
o autor. Para ele, as palavras carregadas de emoções nutrem a dimensão interna
de nosso ser. “Nossas relações inter-raciais também são mediadas pelo texto não
referencial”, complementa. A obra cumpre, nessa dinâmica, o papel de trazer um
deslocamento de perspectiva na superfície e na profundidade do texto ficcional e
poético, estabelecendo uma formação discursiva dissonante no contexto hegemônico
da ideologia racista que ainda vigora nos meios de comunicação
brasileiros.
Cuti é um dos mais engajados militantes da literatura afro-brasileira. Formou-se em Letras (Português–Francês) pela Universidade de São Paulo em 1980 e pós-graduou-se em Teoria da Literatura no Instituto de Estudos da Linguagem (Unicamp). Autor de livros como Poemas da Carapinha e Batuque de Tocaia (edição do autor), foi um dos fundadores e membro do Quilombhoje Literatura — grupo paulistano de escritores surgido em 1980 e dedicado a discutir e aprofundar a experiência afro-brasileira na literatura — e um dos criadores e mantenedores da série Cadernos Negros, “nascida no bojo de um incipiente movimento que pretendia dar continuidade à histórica epopéia de uma imprensa negra”.
“Democracia racial é uma camisa de força da literatura negra.” O poeta e militante negro Luiz Silva, o Cuti, diz que a falsa idéia da boa convivência faz parte da ideologia racista.
Pára Cuti, a literatura precisa de forte antídoto contra o racismo nela entranhado.
Os autores nacionais, diz ele, principalmente os negro--brasileiros, lançaram-se
a esse empenho, não por ouvir dizer, mas por sentir, por terem experimentado a
discriminação em seu aprendizado. Ao longo da obra, ele fala sobre os
precursores, destacando que Luiz Gama, Cruz e Sousa e Lima Barreto foram
solitários, em especial no empenho de sua afirmação racial ou crítica ao
racismo. No capítulo em que aborda os elos de gerações, por exemplo, revela que
a literatura negro-brasileira passou a contar, a partir das primeiras décadas do
século XX, com o início de uma vida literária negra nas associações culturais de
caráter reivindicatório. E traça o perfil de autores que constituem esse grupo
como Abdias Nascimento, Solano Trindade e Carlos de Assumpção, entre
outros.
A PALAVRA NEGRO
A palavra negro
tem sua história e segredo
veias do São Francisco
prantos do Amazonas
e um mistério Atlântico
A palavra negro
tem grito de estrelas ao longe
sons sob as retinas
de tambores que embalam as meninas
dos olhos
A palavra negro
tem chaga tem chega!
tem ondas fortesuaves nas praias do
apego
nas praias do aconchego
A palavra negro
que muitos não gostam
tem gosto de sol que nasce
A palavra negro
tem sua história e segredo
sagrado desejo dos doces vôos da vida
o trágico entrelaçado
e a mágica d'alegria
A palavra negro
tem sua história e segredo
e a cura do medo
do nosso país
A palavra negro
tem o sumo
tem o solo
a raiz.
Um afro abraço.
fonte:www.uel.br/pos/letras/terraroxa
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