Brasil é um país plural, com uma população formada por várias raças e etnias. País construído por colonizadores europeus, nativos indígenas e negros africanos em sua essência. Se o índio faz parte de uma minoria de brasileiros, negros e brancos quase que empatam em número populacional. Apesar da paridade numérica, os abismos sociais entre negros e brancos continuam a ser uma grande ferida na integridade racial do Brasil.
No século XX, já com o poder da mídia como fonte de propaganda de uma nação, a partir dos anos sessenta, a televisão tornou-se o principal veículo desta propaganda mais não o único. Tornou-se tão poderosa, que dita a moda e os modismos, os conceitos sociais e políticos e a forma linear de difusão de pensamentos de uma nação.
Ruth de Souza fez história ao ser a primeira atriz negra a representar no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Foi no dia 8 de maio de 1945, em O Imperador Jones, de Eugene O’Neil, numa montagem do Teatro Experimental do Negro, grupo fundado por Abdias Nascimento e Agnaldo Camargo. E seu feito ajudou a abrir caminho para o artista negro no Brasil.
Ruth de Souza não é apenas uma atriz negra batalhadora. É uma grande atriz, matéria bem mais complexa. Consegue condensar no tipo físico, maneira de ser em cena, falar, olhar, portar-se, as densidades e dores dos oprimidos. Se na órbita pessoal é tímida, discreta, ser de nenhuma bulha, em cena alardeia os megatons de eletricidade, magnetismo e comoção inexplicáveis, matéria secreta d’alma e sensibilidade inerente a todo grande criador.
Um artista de alta qualidade possui o dom misterioso (carisma) de chegar aos demais sem qualquer explicação mas, também, depois de todas as explicações.
Ruth Pinto de Souza nasceu em 12 de maio de 1928, no bairro do Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro. Filha de um lavrador e de uma lavadeira, desde criança sonhava em ser atriz. “Eu era apaixonada por cinema. Queria ser atriz, mas naquela época não tinha atores negros, e muita gente ria de mim: ‘Imagina, ela quer ser artista! Não tem artista preto’. Eu ficava meio chateada, mas sabia que ia fazer; como, não sabia”. Descobriu ao entrar para o Teatro Experimental do Negro, onde, além de Imperador Jones, atuou em Todos os Filhos de Deus Têm Asas e O Moleque Sonhador, também de O’Neil;Amanda, Joaquim Ribeiro; Anjo Negro, de Nelson Rodrigues; e O Filho Pródigo, de Lucio Cardoso. Em 1948, ganhou uma bolsa de estudos da Fundação Rockfeller e foi estudar na Howard University, uma universidade exclusiva para negros, em Washington. Nos Estados Unidos, estudou também na escola de teatro Karamu House, em Cleveland, Ohio.
A atriz também foi uma das pioneiras da TV brasileira. Participou de programas de variedades e musicais no início das transmissões da Tupi, até adaptar para a televisão, com Haroldo Costa, a peça O Filho Pródigo, que havia encenado no Teatro Experimental do Negro. “Eu acredito que foi o primeiro teatro na televisão, eu acho que fomos nós que fizemos”, conta. A primeira novela foi A Deusa Vencida (1965), de Ivani Ribeiro, na Excelsior. “Nessa novela todo mundo estava começando também, como a Regina Duarte”, recorda-se.
Ruth de Souza foi contratada pela TV Globo em 1968, para atuar na novela Passo dos Ventos, de Janete Clair. “Naquela época era muito agradável, havia muito entusiasmo de todo mundo. Sabe aquela coisa de querer fazer, ‘o que vamos fazer agora?’, querendo continuar o trabalho. Porque o ator sempre, nunca quer parar.” Na emissora, fez mais de 20 novelas. EmA Cabana do Pai Tomás (1969), de Hedy Maia, foi Tia Cloé: “Foi um sucesso muito grande, todo mundo me chamava de Tia Cloé”.
Com Grande Otelo, fez uma dupla inesquecível em Sinhá Moça (1986), de Benedito Ruy Barbosa. “Do meio para o fim, eu e o Otelo tomamos conta da novela, porque os personagens eram muito divertidos. Eram dois maluquinhos, escravinhos malucos”, conta. Em Mandala (1987), de Dias Gomes, voltou a atuar com o ator, formando com ele, Milton Gonçalves e Aída Lerner a primeira família negra de classe média da TV brasileira. Também teve papéis de destaque em O Bem-Amado(1973), de Dias Gomes; e O Clone, de Gloria Perez, além de trabalhar em minisséries como Memorial de Maria Moura(1994), adaptação do romance homônimo de Rachel de Queiroz, escrita por Jorge Furtado e Carlos Gerbase; e Amazônia – De Galvez a Chico Mendes (2007), de Gloria Perez.
A atriz estreou no cinema por indicação do escritor Jorge Amado em Terra Violenta (1948), adaptação de seu romanceTerras do Sem Fim dirigida por Tom Payne. No mesmo ano, atuou ao lado de Oscarito em Falta Alguém no Manicômio. Fez mais de 30 filmes, incluindo Sinhá Moça, também de Payne, que a levou a concorrer ao prêmio de Melhor Atriz do Festival de Veneza de 1954; o clássico O Assalto ao Trem Pagador (1962), de Roberto Farias; e As Filhas do Vento, de Joel Zito Araujo, com o qual foi premiada no Festival de Gramado de 2004.
Um afro abraço.
Fonte: Boletim de Programação nº 171 de 17/04/1976 a 24/04/1976; ALMEIDA, Magda de. "Ruth de Souza, atriz, 40 anos de 'privilégio'" IN: O Estado de S.Paulo, 22/01/1986; MAZZONI, Vera Curi. "Ruth de Souza e o Teatro Experimental do Negro" IN: Ultima Hora, 14/06/1911; LARANGEIRA, Márcia. "Ruth: uma brava guerreira, dentro e fora do palco" IN: Jornal dos Sports, 21/11/1982; LOUCHARD, Aimee. "Em fotos, 40 anos de Ruth de Souza no palco" IN: O Globo, 01/01/1986; SILVA, Ana Beatriz Coelho e. "Um símbolo de força negra" IN: Ultima Hora, 12/05/1989; "Fora do ar no Brasil, Ruth de Souza está na TV Européia" IN: O Dia, 01/12/1989; "Atores Negros: escravos ou bandidos" IN: Jornal do Brasil, 01/08/1982; ARAÚJO, Joel Zito Almeida de. "A negação do Brasil: o negro na telenovela brasileira" São Paulo: SENAC, 2000FLORIDO, Eduardo Giffoni. "As grandes personagens da história do cinema brasileiro: 1930-1959" Rio de Janeiro: Fraiha, 1999; Site: http://us.imdb.com, eTV Globo/01/2008;TVhttp://pt.wikipedia.org,01/2008/virtualia.blogs.sapo.pt/29596.htm
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