UNEGRO - União de Negras e Negros Pela Igualdade. Esta organizada em de 26 estados brasileiros, e tornou-se uma referência internacional e tem cerca de mais de 12 mil filiados em todo o país. A UNEGRO DO BRASIL fundada em 14 de julho de 1988, em Salvador, por um grupo de militantes do movimento negro para articular a luta contra o racismo, a luta de classes e combater as desigualdades. Hoje, aos 33 anos de caminhada continua jovem atuante e combatente... Aqui as ações da UNEGRO RJ

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Mas afinal de contas, o que são políticas afirmativas? Para que servem? - “Todos são iguais perante a lei”

As políticas afirmativas, chamadas popularmente de ‘cotas’, voltaram ao centro do debate político principalmente no mês da Conciência Negra.

  Para os defensores da proposta, esse modelo que combina cotas raciais e sociais é o mais amplo e uniformiza as políticas de reserva de vagas que existem nas diversas universidades federais.
Mas há um outro lado dessa história. Donos de cursinhos pré-vestibular, estudantes de escolas particulares . Algumas  página no facebook chega a mais de 9.000 apoiadores.

Mas afinal de contas, o que são políticas afirmativas? Para que servem? 

“Todos são iguais perante a lei”

Um dos principais argumentos contrários às cotas é que elas seriam injustas. Afinal de contas, está lá a nossa constituição dizendo que ”Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. O pobre, por acaso, seria menos inteligente? E quanto aos negros? São burros, por acaso?
Por sorte Anatole France, grande escritor francês do século passado, conseguiu numa única frase revelar a farsa do igualitarismo liberal:
"Em sua igualdade majestática a lei proíbe tanto ao rico quanto ao pobre dormir embaixo da ponte, esmolar nas ruas e furtar pão."
O fato é que se tenho sujeitos diferentes, e os trato por igual, eu apenas reproduzo as desigualdades. Somos desiguais, e por isso a igualdade só se busca quando os diferentes são tratados de forma diferenciada. É este o sentido da lei: “na busca pela igualdade, devemos tratar os desiguais de maneira desigual, de tal modo a colocar um fim a todas as desigualdades”.

Sobre o padrão do ensino...
Há ainda o argumento de que, por entrarem de maneira diferenciada, os estudantes cotistas irão diminuir o ‘padrão do ensino’. Este preconceito se revela mesmo entre os próprios estudantes de escolas particulares e já acontece com muitos negros: grande parte se recusa a entrar pelo programa de cotas raciais, por acreditarem no argumento de que isso os ‘rebaixaria’.


A questão, não é que os cotistas são inferiores ou superiores aos não-cotistas. E isso tem que ficar muito claro para evitar este tipo de confusão. Os egressos da política de cotas e de programas como o Pró-UNI têm-se revelado, no geral, excelentes alunos – grande parte das vezes com notas até melhores do que os não-cotistas. E mesmo que os cotistas estivessem tendo notas muito piores, o fato é que o vestibular não mede a capacidade de nada nem de ninguém.
A única coisa que o vestibular consegue medir é a capacidade da pessoa de passar no próprio vestibular. Você pode falar de força de vontade, decoreba, milhões de coisas, mas no final das contas é isso, passar numa prova. Se todos tivessem iguais condições, poderia até ser um critério justo, mas como já vimos isso não acontece, e, não por acaso, quem faz cursinhos preparatórios ou escolas particulares, cujo ensino é mercantilizado e voltado unicamente à realização do vestibular, tem mais facilidade para passar. Coincidência, né?

Bem pra começar e sempre bom lembrar que:




A questão racial no Brasil tornou-se foco das atenções da sociedade e do Estado, notadamente após o presidente Fernando Henrique Cardoso reconhecer em 1995 que havia racismo e desigualdades raciais no país, ato que se fez acompanhar das primeiras políticas públicas específicas para a população negra cujo objetivo era a modificação deste quadro. Apesar de essas medidas terem sido produto das denúncias e das reivindicações históricas e atuais do movimento negro e de setores progressistas da sociedade civil, a implantação de políticas, programas, projetos e ações governamentais de caráter afirmativo para negros resultaram em uma polêmica há muito não vista. Pode-se dizer que um dos principais momentos dessas discussões ocorreu quando da implantação, no ensino público superior, de reserva de vagas para negros na UERJ, na Por exemplo, em 2003, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, no momento da efetivação das matrículas dos alunos aprovados no primeiro Exame Vestibular na UERJ e na UENF com cotas raciais, recebeu de candidatos brancos preteridos por alunos pretos e pardos beneficiados por esse sistema, mais de 200 mandados de segurança individual [02], bem como o deputado estadual Flavio Bolsonaro, pelo Partido da Frente Liberal – PFL (atual Democráticos) propôs duas representações objetivando a declaração de inconstitucionalidade das referidas leis estaduais . Alguns meses depois, a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino – CONFENEN, ajuizou uma ação direta de inconstitucionalidade (ADIn) perante o Supremo Tribunal Federal – STF, financiada pelo Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino Privado no Estado do Rio de Janeiro .

Há mais: a ampliação das iniciativas governamentais no campo das ações afirmativas para negros, como por exemplo, a concessão de benefícios fiscais para universidades privadas que adotem cotas raciais (Programa Universidade para Todos – Prouni) , a regularização jurídica de terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos, e a criação de cotas para negros no serviço público municipal etc. estão gerando novas demandas judiciais no STF e nos Tribunais de Justiça dos Estados , que precisam ser acomodadas por uma decisão final do STF.


No campo jurídico a questão está distante de pacificação e de consenso, haja vista, especialmente, a existência de ações judiciais que contestam a constitucionalidade dessas medidas afirmativas. Operadores do direito, professores e pesquisadores da área jurídica divergem sobre a pertinência e a constitucionalidade das políticas implantadas pelo Estado brasileiro por diversos motivos, dentre os quais pode-se citar: a violação dos princípios da igualdade, do mérito, da proporcionalidade, da Federação, da autonomia universitária e até mesmo a inexistência de critérios seguros ou científicos para identificar os beneficiários dessas medidas. Outras críticas são dirigidas aos critérios adotados por algumas universidades para selecionar e identificar os beneficiários das políticas afirmativas, como ocorre no processo de seleção da Universidade de Brasília.


Além disso, não podemos olvidar o diálogo insuficiente entre juristas e cientistas sociais no Brasil e que a carência de artigos, dissertações e teses que enfocam o assunto nas escolas de Direito tem colaborado para o parco desenvolvimento do tema direito - relações raciais. Nesse sentido, a jurista Dora de Lima Bertúlio, em uma reflexão sobre esse quadro, pontifica que:


Na medida em que o conhecimento e a reflexão, indutores que são de nossa identidade, são componentes privilegiados da mudança de comportamentos, intervenção e julgamentos das pessoas em suas relações interpessoais e com o Estado, a carência de estudos e trabalhos sobre racismo, discriminação racial e direitos raciais da população negra permite perpetuar: a) os estereótipos racistas de incompetência do povo negro para se autogerir e desenvolver adequadamente nas sociedades contemporâneas (socialistas ou capitalistas); e b) o descaso do setor jurídico, na sociedade brasileira, para implementar direitos específicos que diminuam o impacto do racismo na qualidade de vida de quase 50% da população nacional (Bertúlio, 2003: 5).


A tendência generalizada de os currículos das faculdades de Direito serem por demais influenciados pela dogmática, pelo formalismo e pelo positivismo jurídicos consiste em outro fator que ratifica considerações dessa natureza. Além do mais, não é comum que os operadores do direito superem sua formação tradicional e dediquem-se a estudos que tratem das novidades doutrinárias introduzidas no próprio campo jurídico, e, especialmente, a leituras de obras da sociologia, da antropologia, da filosofia, e da ciência política.



Por outro lado, a questão sobre a constitucionalidade de políticas de ação afirmativa depende especialmente do paradigma jurídico com o qual o intérprete opera. Do ponto de vista do positivismo jurídico, por exemplo, a ausência do termo "ação afirmativa" no texto Constitucional impediria a criação e a implantação dessa política pelo Estado. Isso porque o positivismo jurídico opera exclusivamente com o método lógico-dedutivo, que, ao assumir os princípios da coerência e da completude do ordenamento jurídico, "procura a melhor norma jurídica dentre as normas positivas válidas, descartando assim considerações interpretativas sobre as demandas e necessidades humanas em uma sociedade" (Feres Júnior & Silva, 2006: 24). Ademais, e esse ponto é fundamental, como a maior parte das Constituições em vigor é de matriz liberal, e, portanto, baseada na proteção de direitos civis e políticos contra qualquer tipo de discriminação, justificar a discriminação positiva pela ótica positivista é virtualmente impossível.


O mesmo não pode ser dito a respeito do pragmatismo jurídico, paradigma que é essencial para a justificação legal da discriminação positiva. Não é simples coincidência histórica o fato de tais políticas terem sido instituídas pela primeira vez, no Ocidente, nos Estados Unidos, país berço da tradição pragmatista. "O método de operação do pragmatismo jurídico é conseqüencialista, isto é, o que importa no julgamento da legalidade de uma norma são os resultados de sua aplicação, seu caráter benéfico para a sociedade onde se aplica, e não a prova de sua dedução de uma norma positiva mais geral" (Feres Júnior & Silva, 2006: 25). A norma positiva importa, mas é apenas mais uma fonte entre os dados empíricos oferecidos pelas relações sociais.


Deve-se notar, entretanto, que o pragmatismo jurídico define um método, uma maneira de proceder, mas não o conteúdo do que é benéfico. "A adoção de políticas que operam com discriminação positiva só pode ser completamente justificada se, além do procedimento pragmatista, fizermos uma interpretação dos valores morais da sociedade em questão" (Feres Júnior & Silva, 2006: 25). Essa tarefa pode ser mais bem empreendida se sairmos do âmbito estrito da teoria do direito para o da teoria política normativa. Uma vez que essa transposição é feita, notamos que o paradigma positivista tem historicamente servido à posição liberal clássica, hoje também conhecida como conservadora, a qual alça a igualdade formal da lei acima da igualdade de fato no convívio social. Para autores dessa corrente, a igualdade formal funciona, de fato, como suporte para a expressão de capacidades e aptidões desiguais entre os homens.



Por fim, no contexto das divergências jurídicas, percebe-se entre alguns autores uma resistência incomum a essas políticas públicas quando direcionadas para a população negra, haja vista que eles não apresentam semelhante oposição às medidas afirmativas adotadas para pessoas com deficiência e para as mulheres, por exemplo. Algumas das opiniões emitidas por juristas conceituados podem facilmente ser consideradas discriminatórias e sugerem que ainda privilegiam uma visão freyreana da realidade das relações étnicas e raciais no Brasil.



II. Análise do sistema legal envolvido no debate jurídico sobre o tema ação afirmativa e seus mecanismos para negros no Brasil 

II. I. O Direito Internacional e a Política de Ação Afirmativa:


No âmbito do Direito Internacional dos Direitos Humanos - segmento especializado do Direito Internacional Público - há diversos instrumentos de proteção de direitos fundamentais que além de proibirem toda forma de discriminação, também prevêem a adoção de políticas de promoção da igualdade racial. Tais instrumentos – como tratados, convenções, pactos etc. – assumem uma dupla importância: consolidam parâmetros internacionais mínimos concernentes à proteção da dignidade humana e asseguram uma instância internacional de proteção de direitos, quando as instituições nacionais mostrarem-se falhas ou omissas.


Esses instrumentos, de observância obrigatória, têm aplicação imperativa no território brasileiro, após serem devidamente ratificados pela autoridade constitucionalmente competente, por força do disposto no artigo 5º, § 2º, da Constituição Federal de 1988, segundo o qual:


...os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.


No cenário do Direito Internacional dos Direitos Humanos, o princípio de não discriminação tem aplicação destacada [10] e baliza toda a temática dos direitos econômicos, sociais e culturais. Esse princípio é caracterizado como uma garantia fundamental, porque se salienta nele o caráter instrumental, garantidor do direito de igualdade.

O referido princípio básico de não discriminação se encontra presente em quase os todos os instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos fundamentais produzidos no século XX, dentre os quais destacamos: Declaração Universal dos Direitos Humanos (artigo 2º); Pacto dos Direitos Civis e Políticos (artigos 2º, I, e 26); Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (artigo 2º); Convenção Européia de Direitos Humanos (artigo 14); Convenção Americana sobre Direitos Humanos (artigo 1, I); Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos (artigo 2º); Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial; a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher; a Convenção da OIT sobre Discriminação em Matéria de Emprego e Ocupação, de 1958; a Convenção da UNESCO contra Discriminação na Educação, de 1960; e a Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação Baseadas na Religião ou Crença, de 1981.



Decorre ainda do referido princípio que se estabeleça um veto às discriminações, ou seja, que se tenha imposto o não diferenciar, que se imponha positivamente a obrigatoriedade de se dispensar tratamento igual a todos. Além disso, atualmente tem-se entendido que a articulação do princípio de não discriminação com a ação afirmativa resulta em inclusão social. É com essa perspectiva, por exemplo, que a Carta dos Direitos Fundamentais, recentemente adotada pela União Européia, admite que, para se conseguir a igualdade, o direito de não ser discriminado deve ser complementado pelo direito ao usufruto das medidas projetadas para garantir autonomia, inserção e participação na vida da comunidade.


Cançado Trindade assevera que o princípio de não discriminação está vinculado às políticas de ação afirmativa para grupos ou populações vulneráveis:


As políticas de ação afirmativa para grupos vulneráveis encontra-se diretamente vinculadas à luta pela prevalência do princípio da não discriminação (Trindade, 2002: 55)


Além disso, temos ainda o que Canotilho chama de "função de não discriminação" - uma das principais funções dos direitos fundamentais. Segundo esse constitucionalista lusitano, a partir do princípio de igualdade e dos direitos de igualdade específicos consagrados numa Constituição, se assegura que o Estado trate os seus cidadãos como fundamentalmente iguais, e, por conseqüência, aplica-se a função de não discriminação a todos os tipos de direitos: aos direitos, liberdades e garantias pessoais; de participação política; direitos sociais e aos direitos à prestação. O autor observa que tal função se coaduna inteiramente à instituição de cotas:


É com base nesta função de não discriminação que se discute o problema das quotas (ex. ‘parlamento paritário de homens e mulheres’) e o problema das afirmative actions tendentes a compensar a desigualdade de oportunidades (ex. ‘quotas de deficientes’). É ainda com uma acentuação-radicalização da função antidiscriminatória dos direitos fundamentais que alguns grupos minoritários defendem a efetivação plena da igualdade de direitos numa sociedade multicultural e hiperinclusiva (‘direitos dos homossexuais’, ‘direitos das mães solteiras’, ‘direitos das pessoas portadoras de HIV’) (Canotilho, 2000: 386)

II. II. Aspectos Normativos Internacionais e Nacionais:


No campo estritamente normativo, há um verdadeiro arsenal de regras que exemplificam ou respaldam a adoção de ações afirmativas no Brasil. Na ordem jurídica internacional, as diversas convenções, tratados, pactos e programas, além de proibirem toda forma de discriminação, também prevêem a adoção de políticas de promoção da igualdade, utilizando a expressão "medidas especiais" e "ação afirmativa". Destacamos, dentre outras:


I. Convenção sobre a Discriminação em Emprego e Profissão nº 111 da Organização Internacional do Trabalho – OIT . O artigo 5º, 1, da referida Convenção, reza que:


As medidas especiais de proteção ou de assistência previstas em outras convenções ou recomendações adotadas pela Conferência Internacional do Trabalho não são consideradas como discriminação


II. A Convenção relativa à luta contra a discriminação no campo do ensino . 


No caso,consciente de que incumbe conseqüentemente à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, dentro do respeito da diversidade dos sistemas nacionais de educação, não só proscrever qualquer discriminação em matéria de ensino, mas igualmente promover a igualdade de oportunidade e tratamento para todos neste campo". Com tal propósito estabelece no seu Artigo I: "para os fins da presente convenção o termo ‘discriminação’ abarca qualquer distinção, exclusão, limitação ou preferência que, por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião pública ou qualquer outra opinião, origem nacional ou social, condição econômica ou nascimento, tenha por objeto ou efeito destruir ou alterar a igualdade de tratamento em matéria de ensino". No item 2, do mesmo Artigo, diz : "para os fins da presente Convenção, a palavra ‘ensino’ refere-se aos diversos tipos e graus de ensino e compreende o acesso ao ensino, seu nível e qualidade e as condições em que é subministrado



III. A convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. 


O artigo 1º, item 4, da referida convenção alude que não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar o progresso de certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem da proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais grupos e indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais, contanto que tais medidas não conduzam, em conseqüência, à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sido alcançados os seus objetivos.


IV. A convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (CEDAW). Esta convenção no artigo 4o, item 1, considera que:


A adoção pelos Estados-Partes de medidas especiais de caráter temporário destinadas a acelerar a igualdade de fato entre o homem e a mulher não se considerará discriminação na forma definida nesta convenção, mas de nenhuma maneira implicará, como conseqüência, a manutenção de normas desiguais ou separadas; essas medidas cessarão quando os objetivos de igualdade de oportunidade e tratamento haverem sido alcançados


V. O Plano de Ação de Durban (2003), nos artigos 99 e 100, reconhece que o combate ao racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlataé responsabilidade primordial dos Estados, e incentiva aos mesmos a desenvolverem e elaborarem planos de ação nacionais para promoverem a diversidade, igualdade, eqüidade, justiça social, igualdade de oportunidades e participação para todos. Através, dentre outras coisas, de ações e de estratégias afirmativas ou positivas; estes planos devem visar a criação de condições necessárias para a participação efetiva de todos nas tomadas de decisão e o exercício dos direitos civis, culturais, econômicos, políticos e sociais em todas as esferas da vida com base na não-discriminação. A Conferência Mundial incentiva os Estados que desenvolverem e elaborarem os planos de ação, para que estabeleçam e reforcem o diálogo com organizações não-governamentais para que elas sejam intimamente envolvidas na formulação, implementação e avaliação de políticas e de programas.



Insta os Estados a estabelecerem, com base em informações estatísticas, programas nacionais, inclusive programas de ações afirmativas ou medidas de ação positivas, para promoverem o acesso de grupos de indivíduos que são ou podem vir a ser vítimas de discriminação racial nos serviços sociais básicos, incluindo, educação fundamental, atenção primária à saúde e moradia adequada;


Na ordem jurídica brasileira, o legislador já editou leis e outros tipos normativos que reconhecem o direito à diferença de tratamento legal para diversos grupos considerados vulneráveis. As diversas normas jurídicas editadas não se referem ao termo "ação afirmativa" ou "medidas especiais", se bem que as leis editadas pelo Estado do Rio de Janeiro se referem ao termo "cotas". Os termos empregados são: "reservar" (por exemplo, na Lei no 9.504/97), "reservará" (por exemplo, na Carta Federal, o artigo 37, Inciso VIII) e "reservarão" (por exemplo, na Lei no 5.465/68 – "Lei do Boi" – já revogada). Nesse particular, na Constituição Federal de 1988, destacamos:


- o artigo o 1º, inciso III (princípio que resguarda o valor da dignidade humana);

- o artigo 3º, incisos I, III e IV (constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil construir uma sociedade livre, justa e solidária, bem como promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, e erradicar a (....) marginalização e reduzir as desigualdades sociais...);

- o artigo 4º, incisos II e VIII (a República Federativa do Brasil, no plano das relações internacionais, deve velar pela observância dos princípios da prevalência dos direitos humanos e do repúdio ao terrorismo e ao racismo);


- o artigo 5o,, incisos XLI e XLII (consagra o princípio da igualdade; punição para qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais, e, enuncia que racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei), e parágrafo 2º, consagrando a incorporação do direito advindos dos tratados internacionais;


- o artigo 7o, inciso XXX (no campo dos direitos sociais, proíbe a diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil);


- o artigo 23, inciso X (combater (...) os fatores de marginalização);


- o artigo 37, inciso VIII (a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão);



- o artigo 145, § 1º (Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte...);

- o artigo 170, incisos VII (redução das desigualdades (...) sociais) e IX (tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País);



- o artigo 179 (a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei);


- o artigo 227, inciso II criação de programas (...) de integração social dos adolescentes portadores de deficiência.


Das leis ordinárias, destacamos:


- o decreto-lei 5.452/43 (CLT), que prevê, em seu art. 354, cota de dois terços de brasileiros para empregados de empresas individuais ou coletivas;


- o decreto-lei 5.452/43 (CLT), que estabelece em seu art. 373-a, a adoção de políticas destinadas a corrigir as distorções responsáveis pela desigualdade de direitos entre homens e mulheres;


- a Lei 8.112/90, que determina, em art. 5º, § 2º, reserva de até 20% para os portadores de deficiências no serviço público civil da união;


- a Lei 8.213/91, que fixou, em seu art. 93, reserva para as pessoas portadoras de deficiência no setor privado;


- a lei 8.666/93, que preceitua, em seu art. 24, inc. XX, a inexigibilidade de licitação para contratação de associações filantrópicas de pessoas portadoras de deficiência;



- a lei nº 9.029, de 13/04/95, que proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização, e outras práticas discriminatórias, para efeitos admissionais, ou de permanência da relação jurídica de trabalho;


- a lei 9.504/97, que preconiza, em seu art. 10, § 3º, "reserva de vagas" para mulheres nas candidaturas partidárias.


- a Lei 10.639/93, que altera a lei 9.394/96, a qual estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira".


Apesar de pouco comentado pela literatura especializada, o pioneirismo na criação de políticas de ação afirmativa no âmbito da educação pública superior, antes mesmo da edição das leis de cotas para negros do Estado do Rio de Janeiro, coube ao Governo Federal, em 1968, com a lei no 5.465/68. Essa lei que instituiu reserva de vagas, diz no artigo 1o:


Os estabelecimentos de ensino médio agrícola e as escolas superiores de Agricultura e Veterinária, mantidos pela União, reservarão, anualmente, de preferência, de 50% (cinqüenta por cento) de suas vagas a candidatos agricultores ou filhos dêstes, proprietários ou não de terras, que residam com suas famílias na zona rural e 30% (trinta por cento) a agricultores ou filhos dêstes, proprietários ou não de terras, que residam em cidades ou vilas que não possuam estabelecimentos de ensino médio.


Essa lei, ironicamente apelidada de "lei do boi", na prática acabava favorecendo os membros da elite rural brasileira e foi revogada em 17 de dezembro de 1985 pela lei nº 7.423, durante o mandato do ex-presidente da República José Sarney.


Outra iniciativa pioneira, igualmente pouco comentada, decorreu de sentença proferida pelo Poder Judiciário. O Ministério Público Federal, no Estado do Ceará, ajuizou uma Ação Civil Pública (ACP no 990017917-00) pleiteando cotas para alunos egressos da rede pública de ensino na Universidade Federal daquele Estado. O juiz Federal que julgou a ação determinou, em setembro de 1999, que a referida Universidade, em nome do princípio da isonomia, reservasse cinqüenta por cento (50%) das vagas de todos os seus cursos para estudantes egressos da rede pública de ensino.


Neste ponto, é indispensável uma abordagem do tema em comento à luz do princípio da igualdade, a começar pela sua conformação no Direito Constitucional Comparado, que tem contribuído de forma substancial para o aprimoramento da implantação das políticas de ação afirmativa em diversos países.


II. III. O Princípio da Igualdade no Direito Constitucional Comparado.


Uma breve incursão no campo do Direito Constitucional Comparado nesse ponto do trabalho se faz necessária, porquanto as políticas de ação afirmativa que estão sendo implantadas no Brasil são originárias de outros países.


Cumpre destacar que a comparação de estruturas constitucionais não deve ser limitada a uma abordagem que privilegie a semântica das Constituições. Muitas vezes esse procedimento pode induzir o pesquisador a erro, levando-o a concluir pela existência de um consenso em torno de princípios, regras, institutos, de sistemas jurídicos totalmente diferentes. Portanto, deve-se evitar o mimetismo jurídico ou a importação automática de experiências estrangeiras. Nesse sentido, há uma necessidade imperiosa de a comparação não se limitar à dimensão formal, teórica, das estruturas constitucionais selecionadas. A ela deve estar automaticamente associada a dimensão prática, correspondente ao modo pelo qual são aplicados os dispositivos constitucionais confrontados.

O pressuposto de imperatividade da isonomia material em uma sociedade democrática inclusiva é o núcleo duro de toda a problemática da efetividade das políticas de ação afirmativa . Por conseguinte, e ainda numa perspectiva global, a igualdade substancial representa em relação à igualdade formal uma clivagem essencial no entendimento do conceito de igualdade que, como é óbvio, está longe de ser indiferente para apreciação e interpretação do sistema jurídico no seu conjunto e das respectivas normas.

A insistência na questão da superação do paradoxo da igualdade formal versus igualdade substancial (ou material) no plano da igualdade de direitos e de oportunidades faz-se necessária, na medida em que o tema em discussão é contemporâneo às questões legisladas nas diversas Constituições e submetidas a tantos outros Tribunais Constitucionais.


A remoção dos obstáculos de fato ao exercício dos direitos fundamentais é a afirmação do princípio de igualdade concretizado através de critérios legais de tratamento diferenciador dos indivíduos, em função de parâmetros definidores da sua situação concreta. Melhor explicando, podemos afirmar que "à intervenção estatal hão-de presidir critérios de justiça distributiva conformando-se aquela pela medida e natureza das reais desigualdades fácticas existentes" (Prata, 1982: 93). O princípio da igualdade contém diretiva essencial dirigida ao próprio legislador: tratar por igual aquilo que é essencialmente igual, por desigual aquilo que é essencialmente desigual. A qualificação das várias situações como iguais ou desiguais depende do caráter idêntico ou distinto dos seus elementos essenciais (Gomes & Moreira, 1978: 68).



À guisa de contribuição, a Constituição da República da África do Sul pós-apartheid adotou medidas positivas com base no princípio da igualdade para proteger ou promover direitos de pessoas ou de grupos em situação de desvantagem decorrentes de discriminação, conforme consta do seu Bill of Rights .


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"Todos os animais são iguais perante a lei,


mas alguns animais são mais iguais que outros"


(A Revolução dos Bichos, George Orwell)

Um afro abraço. 

fonte: OAB- Textos relacionados/ocomprimido.com/cotas-sociais/vestibular.brasilescola.com

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