Declaração do Encontro Nacional de
Mulheres da UNEGRO - Carta de Vitória

Reunidas
no Encontro Nacional de Mulheres da UNEGRO, realizado de 25 a 27 de julho, em
Vitória/ES, dando continuidade à efetiva inserção nas lutas das mulheres
negras, cujas diretrizes foram aprovadas no “I Colóquio Internacional de
Mulheres Negras na Geopolítica” realizado em novembro de 2008 na
cidade de Salvador/BA, declaramos que o evento ocorre num ano eleitoral
carregado de simbolismo, pois o povo brasileiro avaliará a primeira experiência
de um mandato presidencial encabeçado por uma mulher. Não se trata de qualquer
mulher, mas uma Presidenta que teve apoio da UNEGRO e da maioria do Movimento
Negro Brasileiro por representar a continuidade do Governo Lula, guardar
profundas convicções progressistas, sensibilidade e determinação em combater,
com os meios de que dispõe, a desigualdade sociopolítica entre homens e
mulheres. Diante disso, além do
necessário debate sobre políticas públicas de enfrentamento á violência,
desigualdade salarial, mortalidade materna, inobservância de direitos sexuais e
reprodutivos, tráfico de mulheres e escravidão sexual, dentre outros agravos
decorrentes do patriarcado, do machismo e do racismo, faz-se necessário avaliar
as condições em que estão inseridas e propor medidas que contribuam com a
ascensão de mulheres, em especial as negras, em espaços de poder e supere a
sub-representação nos parlamentos, executivos e nas altas instâncias
judiciárias.
Sempre
quando se refere à base socioeconômica da população brasileira está se falando
em maioria de negras e negros; por isso, as políticas sociais empreendidas pelo
Governo Federal estão beneficiando diretamente as mulheres negras, exemplos
como o Programa Bolsa Família e o Programa de Habitação Popular Minha Casa,
Minha Vida, em que o cartão do banco vai direto às mãos das beneficiárias e a
habitação registrada no nome da mulher, têm influenciado as relações de gênero
nos estratos mais pobres da população, na medida em que fortalecem as titulares
dos benefícios livrando-as da dependência que a submete na relação. Outra
iniciativa importante que impactou positivamente sobre as condições materiais e
simbólicas das mulheres negras foi a PEC das Empregadas Domesticas, pois
resgatou

direitos trabalhistas universalizados e consolidados aos trabalhadores
desde o governo de Getúlio Vargas na primeira metade do século passado. Além de
permitir o exercício da cidadania negada desde 13 de maio de 1888. Setores
reacionários da classe média brasileira estão indignados com a nova Lei, após a
PEC ser sancionada as trabalhadoras domésticas adquiriram um poder inimaginável
para as mentalidades reacionárias, ou seja, o poder de negociar as condições
que venderá sua força de trabalho – Para os racistas, tal possibilidade
significa um atrevimento inaceitável, quanto que para o Movimento Negro
trata-se de mais um resquício da escravidão enterrado a partir da luta
protagonizada por mulheres negras. As políticas de ações afirmativas voltadas a
população negra, mais destacadamente as políticas de inclusão no Ensino
Superior, têm beneficiado assertivamente as mulheres negras. Dados indicam
evolução da presença de jovens negras no Ensino Superior, de 15% a 21%, entre
2003 e 2009. Na educação é possível encontrar os mais alvissareiros registros
do sucesso das políticas de igualdade racial do atual governo e da efetiva
incorporação de mulheres negras. As políticas, programas e projetos sociais que
atendem a prioridade de Lula e Dilma e as políticas focadas na população negra
são emblemáticas na diferença de governos comprometidos com o povo e os que
governam segundo os interesses dos mais ricos, por isso considerarmos que o
Governo Dilma foi positivo ao país, para as mulheres negras e ao povo, no
entanto, há muito que ser feito no sentido de criar condições para emancipar da
pobreza, do machismo, do racismo, da discriminação e do preconceito as 50
milhões de mulheres negras, correspondentes a mais de um quarto da população
brasileira.
Nas
questões estruturantes que definem as condições e qualidade de vida, apesar dos
vários esforços, governos e sociedade
não têm se empenhado o suficiente para criar caminhos capazes de dar às
mulheres negras oportunidades de saírem das margens, elas acumulam desvantagens
de várias ordens em relação aos homens brancos, mulheres brancas e homens
negros. A expectativa de vida das negras é mais reduzida, dados indicam que
10,3% das mulheres negras atingem 60 anos, enquanto as brancas são 14%. Sabemos
que acesso a saúde, saneamento básico, educação, trabalho digno, alimentação
adequada, dentre outras, são condicionantes de longevidade. Das famílias
chefiadas por mulheres, 51,1% são negras, apenas 4,5% delas vivem sozinhas, a
maioria é mulher com filho e casal sem filho (55,2% e 52,4% respectivamente),
dessas 69% sobrevivem com renda familiar até um salário mínimo, esses fatores
são indicadores de maior concentração de pobreza e fragilidades, que se
retroalimentam. Somente com medidas de fortalecimento educacional e econômico
será

possível que essas famílias saiam do círculo vicioso da marginalidade.
As
assimetrias se agudizam quando se trata da participação na renda e riqueza
nacional, e no mercado de trabalho; apesar do aumento médio em suas rendas as
mulheres negras continuam na base socioeconômica da população brasileira,
recebem, de acordo om o IPEA, 51% da média salarial das mulheres brancas mesmo
em atividades iguais. Nas questões de
violações de direitos pela violência os dados também confirmam a maior
vulnerabilidade das mulheres negras. No Brasil, no período de 2001 a 2011, estima-se que
ocorreram mais de 50 mil homicídios de mulheres, o que equivale a quase 5.000 mortes por ano, parte destes óbitos
foram decorrentes de violência doméstica e familiar contra a mulher, uma vez
que um terço deles tiveram o domicílio como local de ocorrência. Cerca de 61%
dos óbitos foram de mulheres negras, que foram as principais vítimas em todas
as regiões, à exceção da Sul. O Brasil assiste em silêncio um hediondo
feminicídio. Nesse período as mulheres jovens foram também as principais
vítimas: 31% estavam na faixa etária de 20 a 29 anos e 23% de 30 a 39 anos. Mais da metade
dos óbitos (54%) foram de mulheres de 20 a 39 anos. As principais vítimas da
violência homofóbica/lesbofóbica/transfóbica são adolescentes e jovens de 15 a 29 anos de idade (47,1%),
sendo 16% adolescentes entre 15 e 18 anos, e 31,1% jovens de 19 a 29 anos de idade. No
critério raça/cor, a população negra e parda também aparece no topo da lista
das vítimas: 51,1% das vítimas são negras e 44,5% brancas. Conforme dados da
OMS/OPAS.
Na
atenção a saúde das mulheres negras o racismo institucional acentua a
precarização do atendimento, estereótipos racistas orientam posturas
profissionais, por isso, as mulheres negras recebem atenção desigual no sistema
de saúde, são as menos examinadas nas consultas médicas, menos anestesiadas e
as maiores vítimas de morte por causas evitáveis (90% das mortes). Em relação ao campo da representação política
o racismo se explicita sem nenhuma cerimônia, a população brasileira é composta
de 50,6% de negras e negros, entretanto, nos parlamentos (Câmaras Municipais, Assembleias
Legislativas e Distritais) é de apenas 8,9%, conforme Balanço do Voto Étnico Negro realizado pela UNEGRO nas eleições de 2006 a 2010. Nos 40 Ministérios
apenas o da Igualdade Racial a titular é negra; dentre as 50 maiores estatais
nenhuma é presidida por mulher ou homem negro. Apesar de Dilma ter aumentado a
presença de mulheres nos altos escalões da República, mas não incorporou, nessa
correta medida as mulheres negras. Há apenas uma Senadora negra num universo de
81 senadores, 1,2% do total; dos 513 Deputados Federais apenas 04 são mulheres
negras, ou seja, 0,8% da Câmara dos Deputados.
Para
UNEGRO, a maior distorção da democracia brasileira se dá no campo da representação
política, daí a necessidade de reformas no sistema político, mais
destacadamente a reforma política. Defendemos uma reforma que democratize a
nação, incorpore o povo, fortaleça as instituições partidárias, garanta a
presença de mulheres e negras nas listas partidárias. Para isso somaremos aos
esforços dos movimentos sociais que crescentemente têm pautado a reforma
política. Além da reforma política será necessário um processo de convencimento
da população negra visando maior participação política e consciência que a
responsabilidade inicial de ascender negras e negros no poder não pode ser
delegada a segundos.
Consideramos
que as forças políticas que atualmente governam o país são as únicas com
condições de assumir novos compromissos com a população negra com vista a
superar a dívida histórica que a nação tem com as mulheres negras. Por isso,
defendemos a continuidade de Dilma Rousseff na Presidência da República com a
certeza que aprofundará a mudança.
Apoiamos
Dilma por:
-
Ampliar as políticas públicas, aprofundando as transformações na educação
brasileira, utilizando os 10% do PIB e executando as metas previstas no PNE
visando garantir educação de qualidade a todas as brasileiras e brasileiros,
com professoras bem formadas e bem pagas, políticas efetivas de permanência com
universalização das bolsas, ambiente saudável nas escolas bem equipadas,
reconhecimento dos estudantes como sujeitos do processo de aprendizagem,
revolução curricular e efetiva implementação da lei 10.639/03 e uma educação
libertadora que supere e desconstrua os estereótipos de gênero, raciais,
geracionais e de orientação sexual;
-
Implementar uma Política de Trabalho Decente voltada às mulheres negras,
buscando enfrentar estereótipos racistas persistentes no mundo do trabalho,
garantir salário igual para trabalho igual, enfrentar o desemprego, subemprego
e precarização das condições de trabalho das mulheres negras, permitir
condições de conciliação trabalho-estudo-vida familiar;
-
Pela imediata regulamentação do trabalho doméstico no Brasil, reconhecendo os
direitos dessas trabalhadoras, qualificando a Justiça do Trabalho a
conscientizar a população e combater quaisquer desrespeitos aos seus direitos;
-
Aprovação da Reforma Política que combata o financiamento privado das
campanhas, incorpore as demandas populares, fortaleça as instituições
partidárias, garanta a presença de mulheres e negras nas listas partidárias;
-
Universalização das creches públicas, sobretudo nas periferias de todas as
cidades brasileiras, e ampliação da educação em tempo integral visando
oportunizar às crianças e jovens negras e negros maior qualidade e
oportunidades de qualificação educacional;
-
Promoção de políticas públicas voltadas à qualificação das mulheres negras nas
áreas de tecnologia de ponta e de produção científica estratégicas ao país;
-
Ampliação das campanhas de combate à violência doméstica intrafamiliar, assédio
moral e sexual e das ações do Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência
contra as Mulheres de modo que ela proteja a vida das mulheres negras e eduquem
a nossa sociedade outra forma de relação com as mulheres;
-
Pela ampliação das políticas voltadas à garantia da vida e à promoção de seus
direitos por meio do acesso às políticas de desenvolvimento, autonomia e
emancipação de jovens homens e mulheres negras, vitimados pelo genocídio da
juventude negra;
-
Pelo fortalecimento do SUS, implantação da política integral da população
negra, combate ao racismo institucional na saúde, humanização no atendimento,
implantação do quesito cor em todos os documentos e sistema de informação do
SUS.
-
Pela reformas democráticas: meios de comunicação, urbana, rural, judiciária e
tributária;
-
Pelo enfrentamento e superação de toda forma de racismo e sexismo
institucionais;
-
Por financiamento a políticas públicas voltadas a cultura e comunicação que
contribuam para a desconstrução de esterótipos racistas, sexistas e
lesbofóbicos, e que tenham nas mulheres negras as protagonistas dessas ações.
Por
fim queremos convocar todas as Uunegrinas a fortalecer as articulações e
protagonismo político do Fórum Nacional de Mulheres Negras, e suas seções
estaduais, pois acreditamos que este é um espaço privilegiado de debate e
articulações políticas visando a organização coletiva e a incidência política
das mulheres negras nos temas da agenda nacional. Nesse esteio consideramos que
ao lado da participação no processo eleitoral também seja uma prioridade para
as mulheres unegrinas a construção da I Marcha Nacional das Mulheres
Negras contra o racismo e a violência e pelo bem viver a ser realizada
em 13 de maio de 2015 em Brasília e que já estão sendo montados e articulados Comitês
em todo o Brasil.
Vitória/ES
de 25 a
27 de julho de 2014
UNEGRO-
União de Negros Pela Igualdade