UNEGRO - União de Negras e Negros Pela Igualdade. Esta organizada em de 26 estados brasileiros, e tornou-se uma referência internacional e tem cerca de mais de 12 mil filiados em todo o país. A UNEGRO DO BRASIL fundada em 14 de julho de 1988, em Salvador, por um grupo de militantes do movimento negro para articular a luta contra o racismo, a luta de classes e combater as desigualdades. Hoje, aos 33 anos de caminhada continua jovem atuante e combatente... Aqui as ações da UNEGRO RJ

terça-feira, 10 de julho de 2012

Rio de Janeiro existem atualmente 377 favelas


No Rio de Janeiro existem atualmente 377 favelas, onde se concentram
aproximadamente1.800.000 habitantes, representando 32% da população do município. O número de favelas e a população favelada têm crescido progressivamente através dos anos, isto porque as favelas são a única opção de moradia para as populações de baixa renda. Como conseqüência desta situação, verifica-se nestas áreas a improvisação da ocupação, com as seguintes características: falta de traçado urbano, acessos irregulares e insuficientes, habitações de baixo padrão, inexistência ou precariedade de serviços públicos tais como: saneamento básico, escolas, postos de saúde, transportes etc., sendo extremamente difícil e cara a solução destes problemas por métodos clássicos convencionais.
As áreas carentes na sua forma atual têm como conseqüência problemas humanos, sociais e de degradação ambiental. Cada área requer uma solução própria, mas para cada área favelada é necessário uma solução global. 

O lixo constitui-se num problema social, econômico, sanitário e ambiental. A solução do lixo deve ser inserida numa solução geral, mas admite uma solução passo a passo.
São analisadas as soluções que foram tentadas por diversas entidades do Rio de Janeiro e, finalmente, proposta uma mais realista, de baixo custo, através do uso de latões distribuídos em locais de coletas estrategicamente localizados, com a previsão de remoção dos latões por carrinhos de mão especialmente desenhados até pontos de coleta, pelos caminhões de lixo da cidade.
Um estudo com mulheres da Favela da Rocinha, Rio de Janeiro, Brasil

ASPECTOS DA DIMENSÃO SIMBÓLICA DAS CONDUTAS DE HOMENS JOVENS 

O primeiro caso de AIDS na população jovem brasileira foi notificado em 1982 e, até junho de 2010, 66.751 casos entre pessoas de 13 a 24 anos haviam sido notificados. Desses, cerca de 80% ocorreram na faixa entre 20 e 24 anos e 56% entre homens1. Embora a taxa de incidência de casos notificados entre os jovens mantenha-se em patamares aproximados1, constatou-se desde o início da epidemia uma tendência de aumento na proporção da categoria “exposição sexual” ao HIV entre os rapazes que recebem este diagnóstico2.
Os jovens brasileiros mostram, via de regra, um alto nível de conhecimentos acerca dos modos de transmissão do HIV e, se comparados com outras faixas etárias, são os que mais usam o preservativo em todas as situações. Apesar disso, estudos empíricos ainda atestam também entre eles uma alta prevalência de práticas de risco para a transmissão de patógenos relacionados às DST, como o uso não consistente do preservativo (isto é, o não uso em todas as relações sexuais)3-8.
Este artigo apresenta um dos produtos analítico-interpretativos de um estudo cujo objetivo geral foi compreender os sentidos atribuídos por homens jovens à sexualidade masculina e aos cuidados de saúde no campo da sexualidade9. Sua premissa básica foi de que esses sentidos são influenciados por fatores multifacetados e complexos que dariam a forma dos discursos sobre a sexualidade e cuidados preventivos.
No presente texto, são reportados os resultados referentes a um dos objetivos específicos: caracterizar aspectos dos significados simbólicos psicoculturais que ajudam a conformar os roteiros sexuais desenvolvidos quando da instauração das iniciações sexuais, focalizando especificamente os que estariam relacionados ao uso ou não uso do preservativo. A hipótese foi de que tais sentidos não seriam configurados primordialmente a partir de fatores pontuais, por mais influentes que pudessem ser, como aqueles representados pelas campanhas ou outras ações educativas sobre saúde sexual. Outros fatores da dinâmica psicocultural contribuiriam mais decisivamente para as condutas sexuais relacionadas ao uso ou não uso do preservativo, contrapondo-se à racionalidade veiculada nas campanhas.
O marco teórico utilizado serviu-se da noção de habitus, em particular do habitus masculino, tal como desenvolvida por Pierre Bourdieu10: uma estrutura de prescrições e regras sociais incorporadas pelos indivíduos que possibilita a reprodução inconsciente de certas práticas. Entretanto, o habitus funciona, ao mesmo tempo, como uma matriz que permite a esses mesmos indivíduos perceber, classificar, avaliar ou, numa palavra, estruturar seus costumes. 


O primeiro caso de AIDS na população jovem brasileira foi notificado em 1982 e, até junho de 2010, 66.751 casos entre pessoas de 13 a 24 anos haviam sido notificados. Desses, cerca de 80% ocorreram na faixa entre 20 e 24 anos e 56% entre homens1. Embora a taxa de incidência de casos notificados entre os jovens mantenha-se em patamares aproximados1, constatou-se desde o início da epidemia uma tendência de aumento na proporção da categoria “exposição sexual” ao HIV entre os rapazes que recebem este diagnóstico2.
Os jovens brasileiros mostram, via de regra, um alto nível de conhecimentos acerca dos modos de transmissão do HIV e, se comparados com outras faixas etárias, são os que mais usam o preservativo em todas as situações. Apesar disso, estudos empíricos ainda atestam também entre eles uma alta prevalência de práticas de risco para a transmissão de patógenos relacionados às DST, como o uso não consistente do preservativo (isto é, o não uso em todas as relações sexuais)3-8.
Este artigo apresenta um dos produtos analítico-interpretativos de um estudo cujo objetivo geral foi compreender os sentidos atribuídos por homens jovens à sexualidade masculina e aos cuidados de saúde no campo da sexualidade9. Sua premissa básica foi de que esses sentidos são influenciados por fatores multifacetados e complexos que dariam a forma dos discursos sobre a sexualidade e cuidados preventivos. 

No presente texto, são reportados os resultados referentes a um dos objetivos específicos: caracterizar aspectos dos significados simbólicos psicoculturais que ajudam a conformar os roteiros sexuais desenvolvidos quando da instauração das iniciações sexuais, focalizando especificamente os que estariam relacionados ao uso ou não uso do preservativo. A hipótese foi de que tais sentidos não seriam configurados primordialmente a partir de fatores pontuais, por mais influentes que pudessem ser, como aqueles representados pelas campanhas ou outras ações educativas sobre saúde sexual. Outros fatores da dinâmica psicocultural contribuiriam mais decisivamente para as condutas sexuais relacionadas ao uso ou não uso do preservativo, contrapondo-se à racionalidade veiculada nas campanhas.
O marco teórico utilizado serviu-se da noção de habitus, em particular do habitus masculino, tal como desenvolvida por Pierre Bourdieu10: uma estrutura de prescrições e regras sociais incorporadas pelos indivíduos que possibilita a reprodução inconsciente de certas práticas. Entretanto, o habitus funciona, ao mesmo tempo, como uma matriz que permite a esses mesmos indivíduos perceber, classificar, avaliar ou, numa palavra, estruturar seus costumes. 

A perspectiva teórica serviu-se também da teoria dos roteiros sexuais, desenvolvida com o protagonismo de John Gagnon11 a partir da transição das décadas de 60 e 70. Roteiros sexuais são concebidos como um conjunto de elementos simbólicos ligados à sexualidade que estrutura uma sequência de condutas organizadas, nomeia e descreve as qualidades dos atores envolvidos, dá significados a estados internos, indica os motivos do comportamento e decodifica novas situações.
As visões dos dois sociólogos se aproximam à medida que habitus e roteirização cultural podem, ambos, ser utilizados para compreender como se processam as mudanças e permanências do “sistema de esquemas interiorizados que permitem engendrar todos os pensamentos, percepções e as ações característicos de uma cultura" em função, particularmente, das variadas “instruções culturais sobre a sexualidade” a que as pessoas estão expostas, mesmo que não evidentes de forma imediata ou consciente.
A investigação foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da instituição a que o segundo autor se filia.

Bem...
Um conjunto de narrativas de jovens do sexo masculino, obtidas por meio de entrevistas individuais, foi abordado qualitativamente14. A ideia foi gerar elementos que reconstruíssem, sob a ótica reflexiva dos agentes sociais envolvidos, os conjuntos de atitudes, valores, crenças e acontecimentos psicossociais subjacentes às suas falas e reuníveis sob a rubrica “iniciações sexuais”, que na atualidade ocorrem tipicamente ao longo da segunda década de vida nos países de cultura ocidental. As intenções, motivações e ações desses agentes, assim como as circunstâncias têmporo-espaciais dos contextos por eles narrados, foram considerados elementos de seus sistemas simbólicos psicoculturais16 passíveis de serem compreendidos e interpretados.
As narrativas foram coletadas a partir de uma questão que reproduziu o slogan da campanha do Ministério de Saúde brasileiro realizada durante o período do carnaval de 2008 e do Dia Mundial de Luta Contra a Aids do ano anterior, apresentada a todos os participantes nos mesmos termos: “Qual é a sua atitude na luta contra a aids?”.
Os dados foram coletados no primeiro semestre de 2009, por meio de entrevistas individuais realizadas em locais escolhidos pelos entrevistados, por entrevistadores da mesma faixa etária que eles, com formação em ciências humanas e depois de capacitados para este tipo de entrevista. Foram asseguradas condições de privacidade e anonimato aos participantes. 

O processo de amostragem intencional incluiu sucessivamente sujeitos em número suficiente para que houvesse reincidência e “saturação” de sentidos17,18, viabilizando discussões empiricamente fundamentadas. Adotou-se a estratégia de amostragem de “universos familiares” 19,20, em que pessoas conhecidas do pesquisador indicam outras para participarem da pesquisa e estas, por sua vez, fazem novas indicações. Os sujeitos do estudo foram homens jovens de uma mesma geração, pois nasceram numa mesma época e compartilharam um mesmo cenário sociocultural21. Por ocasião do trabalho de campo, todos eram moradores da cidade do Rio de Janeiro – RJ, Brasil.
Foram incluídos jovens nascidos aproximadamente na segunda metade da década de 1980, no intervalo etário de 18 a 25 anos à época das entrevistas, e que tiveram suas iniciações sexuais a partir do final dos anos 90. Tal critério de inclusão se deveu ao fato de que, nesse período, e ao longo da infância dos entrevistados, várias campanhas de prevenção da AIDS foram empreendidas. Dois subconjuntos de participantes foram compostos com a intenção de se observar se os resultados tendiam ou não a se diferenciar conforme a escolaridade. 

Também foram coletadas informações objetivas sobre as sexualidades dos participantes e algumas informações sociodemográficas. Elas não foram submetidas a uma análise quantitativa e figuram neste estudo, de forma descritiva, apenas para servir de cenário para a análise qualitativa empreendida.
As transcrições integrais das entrevistas foram analisadas e interpretadas a partir de uma adaptação da técnica de análise de enunciação17,22, em que as proposições contidas nas narrativas foram tomadas como partes de um processo de elaboração dinâmica de sentidos pessoais, expressos em palavras e frases. Nas condutas relatadas, considerou-se que poderiam estar atuantes desejos, constrangimentos e resistências psicológicas ante os conflitos vivenciados quanto aos temas pesquisados. 

Depois de uma familiarização com as transcrições, os achados foram circunscritos em categorias, de acordo com a identificação de possíveis núcleos de sentido nos enunciados relativos aos objetivos perseguidos. Uma atenção constante aos pormenores do corpus procurou garantir validade interna desses achados, que em seguida foram discutidos a partir dos marcos teóricos previstos.


RESULTADOS.


Primeira categoria de resultados: ênfase em “exames preventivos” e “periódicos”
Uma ideia prevalentemente expressa pelos participantes versou sobre os diferentes tipos de tecnologias biomédicas atualmente disponíveis. Ainda que não necessariamente tivessem acesso a essas tecnologias em seus cotidianos, mencionaram-nas como compondo os meios que previnem as pessoas contra doenças. Referiram-se aos “exames de sangue preventivos” e “periódicos” (Sandro e Samir) e mencionaram “o famoso check-up” (Sabino) e “ter que estar sempre se cuidando” (Sabino e Sérgio); para isso, estariam “sempre procurando cuidados médicos” (Sabino), o que por vezes traduzir-se-ia em submeter-se a exames laboratoriais:
“Depois do carnaval, eu fiz um check-up geral, como se costuma chamar. Nesses quatro anos que tivemos juntos ela também fazia exames (...) acredito que ela continue se cuidando (...) Pretendo passar por isso [conjunto de exames] de novo, com a consciência tranquila de que eu estou me cuidando e de que não há nada de errado.” (Radamés)

Tal modelo preventivista de sexualidade pareceu preponderar nos raciocínios: mencionaram a possibilidade de “exames pós-sexo” (Samir) e procurar “manter algum controle” sobre a saúde, realizando testes sorológicos “umas três ou quatro vezes por ano” (Saul). 


Não se sabe a que condutas efetivamente tomadas corresponde esta ênfase discursiva. Talvez viessem restringindo seus comportamentos a medidas mais prosaicas, como às aludidas “assepsia e higiene das partes íntimas” (Sérgio) ou a “um banho, três vezes ao dia” (Rufino), medidas que se contraporiam à “higiene precária” (Silas), cuja solução poderia passar pelos “produtos de limpeza especiais pra mulher” (Sebastião).
No caso de não efetivarem o mencionado controle laboratorial, pareceram vivenciar certo mal-estar por não fazê-lo, considerando-se em débito por não corresponderem ao cuidado ideal que, em alguns relatos, correspondeu a uma atenção especializada e focalizada no aparelho gênito-urinário, especificamente citado por alguns participantes com nível superior de escolaridade:

“Realmente não procuro, por exemplo, um especialista em urologia para me cuidar, como as mulheres têm em relação ao ginecologista” [Saulo]

Segunda categoria de resultados: avaliação biográfica da parceira (“sua confiança aumenta, seu cuidado diminui”)
Os relatos permitiram inferir que os entrevistados procuram proceder a uma análise biográfica das mulheres com quem se relacionam, buscando reconhecer, dentre as potenciais parceiras, quais seriam as “que não estão nem aí” (Rufino) ou as que teriam “uma vida sexual muito movimentada” (Sandro). Para isso, avaliariam “todos os parâmetros daquela pessoa” (Sabino) que possam se constituir, para eles, em alertas indicadores da conveniência de sexo com preservativo. Conhecer (ao menos supostamente) essas histórias pregressas conferir-lhes-ia certa tranquilidade inicial no exercício de práticas sexuais e, “a partir daí” (Sabino), escolhas que consideram ponderadas acerca dos cuidados práticos:

“Você sabe também o proceder da pessoa, às vezes a gente já conhece uma que... pá, já são história da galera, ‘ah, essa garota aí faz bacanal e não usa proteção’. Aí, tu também, ‘vou, mas vou de camisinha’, tu não deixa de ir.” (Randal)

A questão de “conhecer” ou “não conhecer” certas particularidades biográficas esteve constantemente presente nas narrativas, parecendo tratar-se também de uma busca de indícios sobre qual o padrão atitudinal esperado da pessoa com quem se relaciona (por exemplo, a possibilidade de traição):

“Prevenir é saber com quem você vai ficar, é camisinha, é tudo (...) porque você não sabe quem é quem.” (Radamés)

A questão da “confiança” na potencial parceira sobressaiu-se tanto em razão da frequência com que este tipo de enunciado foi proferido quanto em função de sua marcante valoração em meio às outras estratégias do arsenal preventivo cotidianamente utilizado pelos participantes. Segundo se depreendeu dos relatos, procuram avaliar idiograficamente o quesito “confiabilidade” a partir de indícios biográficos e de elementos supostamente caracterizadores da personalidade da parceira pretendida. Relataram esforços para descobrir sinais indicativos de estabilidade comportamental e de capacidade de assumir compromissos, ocorrendo isto mesmo quando diantes de envolvimentos sexuais circunstanciais:

“Quando começava a sair com a pessoa e via que se dedicava, aí sim, eu transava sem camisinha.” [Samuel]

“Conheci ela, não tinha nenhuma doença, confio nela, sei que não me trai com outra pessoa, não pegaria doença. Então, não me preocupo.” [Serafim]

“Ele [um amigo] vai ter um filho agora. Ele fala abertamente ‘cara, eu transo sem camisinha porque eu confio na minha mulher, eu faço relação, eu tenho relação sexual com ela faz mais de cinco anos, vai fazer seis anos, porque eu transaria com camisinha com ela?’” (Randal)

De modo geral e preponderantemente, foram percebidas nas narraivas um anseio por relações afetivo-sexuais que se mostrassem compromissadas, estáveis e exclusivas, ao menos por algum período de tempo:

“A última vez a gente transou sem camisinha [foi] porque a gente tinha uma relação de três anos. (...) Tento confiar, sei que a gente não vai botar a mão no fogo por ninguém, a gente tem que confiar no nosso taco, eu confiei nela, mas não tive problema nenhum.” (Ramon)

Relações de confiança recíproca pareceram compor o ideal dos envolvimentos emocionais, sendo vistas como elaborações interpessoais de mais longo prazo e que, no dizer de um entrevistado, devem ser “constantemente construídas” (Sabino). A escolha do uso ou não uso do preservativo decorreria do resultado subjetivamente aferido desta “construção”, dentro do continuum de possibilidades existentes:

“Quanto maior a confiança no parceiro, menos cuidado você toma em relação à sua saúde, à medida que a sua confiança aumenta, seu cuidado diminui.” (Serafim)

Entretanto, embora confiar seja percebido como crucial, a efetividade do caráter absoluto dessa estratégia foi questionada pelos próprios participantes (“confiança, na verdade, não existe... é uma dedução, do tipo da pessoa, da sua personalidade” – Serafim) e, em vista desta relativização, tornar-se-iam necessários outros movimentos geradores da sensação de segurança. Assim, a decisão sobre o uso ou não uso do preservativo, em uma relação sexual específica, decorreria também de outros tipos de julgamentos sobre a parceira pretendida. Ao final desse processo avaliativo, tais parcerias se dividiriam basicamente em “fixas” e “não fixas”, nos termos utilizados pelos próprios entrevistados e conforme comentado a seguir.

Terceira categoria de resultados: dois tipos de parceira sexual, “fixa” e “não fixa”
Os enredos desenvolvidos foram predominantemente heterossexuais e não parecem ser percebidas pelos narradores limitações apriorísticas à efetivação de relações sexuais, exceto aquelas decorrentes das interações bipessoais cotidianas, como não desejar, não querer e o não aceitar ter relações com uma pessoa específica. Típicas limitações apriorísticas, comuns noutras culturas ou para outras gerações, mas inexistentes nas narrativas, seriam a falta de acesso a parceiras sexuais por imposições doutrinárias religiosas ou por questões morais entre as famílias. Igualmente não fariam parte dos enredos, a julgar pelos relatos obtidos, as relações sexuais com prostitutas em que, a priori, as questões de escolha e aceitação não seriam aplicáveis. A expectativa dos entrevistados, ao contrário, é de haver acesso a parceiras sexuais sem maiores empecilhos (“vai num lugar, conhece uma menina e se engraça” – Salomão; “tinha acabado de se conhecer, e lá é assim, o pessoal se conhece e na hora [já vai] se pegando, e foi no meio da rua mesmo” - Randal).
Assim, à medida que parecem inexistir, para iniciar uma parceria afetivo-sexual, fortes barreiras culturais, morais ou religiosas, ou regras institucionais a serem rigidamente seguidas, como no casamento, impor-se-ia aos participantes a necessidade de outros tipos de balizas ordenadoras de qual tipo de interação sexual ocorrerá com essas parceiras que ainda lhes são muitas vezes estranhas, de fora de seus convívios sociais. Nestes momentos, variadas questões podem ser subitamente colocadas, exigindo uma tomada de decisão rápida e “acertada”, embora permeada de angústias:

“Ela não queria. Aí falei: ‘pô, a camisinha, aí...’ A gente nem tinha camisinha, mas [mesmo assim] eu falei. Aí, ela: ‘não, pô, sem camisinha mesmo’. Aí eu pensei bem, aí eu olhei, na hora, pô, na hora, né? Na hora agá eu errei essa coisa (...) Ela não queria, ela tava cheia de vergonha, eu acho que ela pensou que se eu parasse pra botar camisinha, o fato ia atrapalhar, como ela tava meio, tipo excitada, então aí eu acho que ela deu um... pensou que ia atrapalhar ela, aí ela não deixou eu pegar, e também eu não tinha camisinha. Foi isso, por isso que aconteceu do nada, bem no quarto dela.” (Rafael)

Diante de situações conflituosas e cruciais como essa, provavelmente comuns nos períodos de iniciação sexual, uma classificação entre parceiras “fixas” e “não fixas” parece servir para indicar com rapidez qual deve ser a prática sobre o uso do preservativo a ser seguida. O Quadro 1 condensa as características desta tipologia diádica, conforme as principais oposições enunciadas nas narrativas.
Relações sexuais sem preservativo com parceiras “não fixas” ou “não conhecidas” (Sandro) foram relatadas como exceções raras. Ocorrendo, gerariam receios intensos de contaminação pelo HIV. O uso do preservativo teria sido a regra nesse tipo de relação sexual fortuita e não planejada, indicando que o comportamento de portar o preservativo estaria incorporado ao cotidiano dos participantes.
Para uma parte dos entrevistados, no entanto, o contato com essas parceiras “não fixas” parece longe de ser o padrão desejado de interação sexual e faria somente parte do processo de busca por uma parceira “fixa”. Nessa trajetória o grau de fixidez ou proximidade com a parceira não é avaliado de maneira categórica (como seria “casada” ou “não casada”), mas sim dimensional. Em termos de tempo, a duração de uma relação “fixa” pode ser produto de anos de relacionamento ou de minutos:

“Então você beijou aquela primeira vez. Aquela pessoa, a partir dali, você deposita confiança que ela não vai beijar outra pessoa, pelo menos ao longo dos próximos dez minutos.” [Sabino]

Parcerias “fixas” comporiam, então, um conjunto extenso de possibilidades relacionais. Caracterizar-se-iam pela avaliação (pouco precisa) de haver certas regularidades e ordenamentos. Corresponderiam a relações estabelecidas depois de “rolar um sentimento”, de ser vivido um “ritual”, por vezes com uma “amiga”, ou preferencialmente com uma “pessoa certa” (Samir), com “a garota da minha vida” (Sebastião), com “minha mulher” (Rufino).
Neste tipo ideal de relacionamento, a necessidade do uso do preservativo é altamente relativizada e, quando utilizado, via de regra serviria somente a propósitos contraceptivos, mas não aos de prevenção de DST.

Quarta categoria de resultados: avaliação do estado de saúde da parceira (“uma olhada lá de perto... viu que não tem nada”)
A distinção entre um tipo e outro de parceiras sexuais exigiria, em alguns momentos, o recurso a uma espécie de semiologia que, embora não fundamentada clinicamente, parece aos entrevistados ser suficiente para discernir o estado de saúde ou doença. Valorizarm-se observações empíricas, sobretudo visuais, em possível contraposição a abstrações mais complexas (“...quando vê um problema de frente” – Rufino; “a AIDS é um vírus, você não consegue ver” – Radamés).
Algumas menções remetem ao uso de uma “semiotécnica” difícil de ser qualificada quanto ao que estaria sob exame. Precem ser considerados alguns atributos da potencial parceira, inclusive da dimensão psicológica, mas certamente pouco específicos, operacionálizáveis ou objetiváveis:

“Você vê uma pessoa assim e diz 'aquela já deve ter rodado, é rodadona’ (...) Você vê às vezes uma pessoa quietinha assim, mas eu falo 'essa aí é calma', é quase zero pau.” [Serafim]

“A gente já sabe, só de olhar, se a mulher já é piranha, pelo jeito dela ser.” (Ramon)


“A primeira vai de camisinha, aí você vê que não tem nada de errado: mulher direita, não tem nada com cheiro ruim e tal... É sério, cara, não é brincadeira... Deu uma olhada lá de perto, viu que não tem nada acontecendo, tá tudo bem. Aí a segunda e a terceira, não precisa mais [de camisinha].” [Sálvio]

DISCUSSÃO
Consoante aos objetivos específicos estipulados, nesta discussão será destacada a função que certos elementos dos roteiros mentais (intrapsíquicos) têm em relação aos demais níveis de roteirização utilizados pelos participantes e que culminam, ou não, com o uso do preservativo.
Constantes significações simbólicas de medos e ansiedades estiveram presentes nos relatos feitos sobre os relacionamentos afetivo-sexuais. Essas angústias não se deveriam apenas às inseguranças, em dada medida universais, presentes nas aproximações eróticas interpessoais, em particular as primeiras etapas das inciações sexuais ou diante de novos parceiros. Igualmente não se restringiriam ao medo da gravidez indesejada, aparentemente comum aos enredos hegemonicamente heterossexuais de diferentes épocas e sociedades nos últimos dois séculos, e repetidos nas narrativas aqui analisadas. A esses medos e angústias históricos parecem somar-se hoje, como produto de três décadas de epidemia, as pressões representadas pelo medo do adoecimento por AIDS.
No entanto, embora intensas, tais pressões teriam influência apenas parcial sobre as práticas sexuais efetivamente exercitadas pois, tal como se verifica para os dois subgrupos  e como também constatado em outras recentes pesquisas3,4,7,8, o uso do preservativo pelos jovens continua a ser feito de forma não consistente. Infere-se, assim, que outras influências ainda mais fortes e determinantes estão presentes, resultando em duas grandes possibilidades de roterização interpessoal, adiante explicadas.

Riscos, medo e biomedicalização da sexualidade
Os entrevistados compõem uma geração instada a considerar, desde a infância, as perturbações provocadas pela infecção, sintomática ou não, pelo HIV. Isto parece ter influenciado seus planos de vida sexual e, depois de iniciados, seus roteiros intrapsíquicos para as práticas sexuais efetivamente realizadas (roteiros interpessoais). Assim, o medo da AIDS configurou-se claramente como um dos panos de fundo cognitivos das narrativas obtidas.

Segunda categoria de resultados: avaliação biográfica da parceira (“sua confiança aumenta, seu cuidado diminui”)
Os relatos permitiram inferir que os entrevistados procuram proceder a uma análise biográfica das mulheres com quem se relacionam, buscando reconhecer, dentre as potenciais parceiras, quais seriam as “que não estão nem aí” (Rufino) ou as que teriam “uma vida sexual muito movimentada” (Sandro). Para isso, avaliariam “todos os parâmetros daquela pessoa” (Sabino) que possam se constituir, para eles, em alertas indicadores da conveniência de sexo com preservativo. Conhecer (ao menos supostamente) essas histórias pregressas conferir-lhes-ia certa tranquilidade inicial no exercício de práticas sexuais e, “a partir daí” (Sabino), escolhas que consideram ponderadas acerca dos cuidados práticos:
“Você sabe também o proceder da pessoa, às vezes a gente já conhece uma que... pá, já são história da galera, ‘ah, essa garota aí faz bacanal e não usa proteção’. Aí, tu também, ‘vou, mas vou de camisinha’, tu não deixa de ir.” (Randal)

A questão de “conhecer” ou “não conhecer” certas particularidades biográficas esteve constantemente presente nas narrativas, parecendo tratar-se também de uma busca de indícios sobre qual o padrão atitudinal esperado da pessoa com quem se relaciona (por exemplo, a possibilidade de traição):

“Prevenir é saber com quem você vai ficar, é camisinha, é tudo (...) porque você não sabe quem é quem.” (Radamés)

A questão da “confiança” na potencial parceira sobressaiu-se tanto em razão da frequência com que este tipo de enunciado foi proferido quanto em função de sua marcante valoração em meio às outras estratégias do arsenal preventivo cotidianamente utilizado pelos participantes. Segundo se depreendeu dos relatos, procuram avaliar idiograficamente o quesito “confiabilidade” a partir de indícios biográficos e de elementos supostamente caracterizadores da personalidade da parceira pretendida. Relataram esforços para descobrir sinais indicativos de estabilidade comportamental e de capacidade de assumir compromissos, ocorrendo isto mesmo quando diantes de envolvimentos sexuais circunstanciais:

“Quando começava a sair com a pessoa e via que se dedicava, aí sim, eu transava sem camisinha.” [Samuel]

“Conheci ela, não tinha nenhuma doença, confio nela, sei que não me trai com outra pessoa, não pegaria doença. Então, não me preocupo.” [Serafim]

“Ele [um amigo] vai ter um filho agora. Ele fala abertamente ‘cara, eu transo sem camisinha porque eu confio na minha mulher, eu faço relação, eu tenho relação sexual com ela faz mais de cinco anos, vai fazer seis anos, porque eu transaria com camisinha com ela?’” (Randal)

De modo geral e preponderantemente, foram percebidas nas narraivas um anseio por relações afetivo-sexuais que se mostrassem compromissadas, estáveis e exclusivas, ao menos por algum período de tempo:

“A última vez a gente transou sem camisinha [foi] porque a gente tinha uma relação de três anos. (...) Tento confiar, sei que a gente não vai botar a mão no fogo por ninguém, a gente tem que confiar no nosso taco, eu confiei nela, mas não tive problema nenhum.” (Ramon)

Relações de confiança recíproca pareceram compor o ideal dos envolvimentos emocionais, sendo vistas como elaborações interpessoais de mais longo prazo e que, no dizer de um entrevistado, devem ser “constantemente construídas” (Sabino). A escolha do uso ou não uso do preservativo decorreria do resultado subjetivamente aferido desta “construção”, dentro do continuum de possibilidades existentes:

“Quanto maior a confiança no parceiro, menos cuidado você toma em relação à sua saúde, à medida que a sua confiança aumenta, seu cuidado diminui.” (Serafim)

Entretanto, embora confiar seja percebido como crucial, a efetividade do caráter absoluto dessa estratégia foi questionada pelos próprios participantes (“confiança, na verdade, não existe... é uma dedução, do tipo da pessoa, da sua personalidade” – Serafim) e, em vista desta relativização, tornar-se-iam necessários outros movimentos geradores da sensação de segurança. Assim, a decisão sobre o uso ou não uso do preservativo, em uma relação sexual específica, decorreria também de outros tipos de julgamentos sobre a parceira pretendida. Ao final desse processo avaliativo, tais parcerias se dividiriam basicamente em “fixas” e “não fixas”, nos termos utilizados pelos próprios entrevistados e conforme comentado a seguir.

Terceira categoria de resultados: dois tipos de parceira sexual, “fixa” e “não fixa”
Os enredos desenvolvidos foram predominantemente heterossexuais e não parecem ser percebidas pelos narradores limitações apriorísticas à efetivação de relações sexuais, exceto aquelas decorrentes das interações bipessoais cotidianas, como não desejar, não querer e o não aceitar ter relações com uma pessoa específica. Típicas limitações apriorísticas, comuns noutras culturas ou para outras gerações, mas inexistentes nas narrativas, seriam a falta de acesso a parceiras sexuais por imposições doutrinárias religiosas ou por questões morais entre as famílias. Igualmente não fariam parte dos enredos, a julgar pelos relatos obtidos, as relações sexuais com prostitutas em que, a priori, as questões de escolha e aceitação não seriam aplicáveis. A expectativa dos entrevistados, ao contrário, é de haver acesso a parceiras sexuais sem maiores empecilhos (“vai num lugar, conhece uma menina e se engraça” – Salomão; “tinha acabado de se conhecer, e lá é assim, o pessoal se conhece e na hora [já vai] se pegando, e foi no meio da rua mesmo” - Randal). 


Assim, à medida que parecem inexistir, para iniciar uma parceria afetivo-sexual, fortes barreiras culturais, morais ou religiosas, ou regras institucionais a serem rigidamente seguidas, como no casamento, impor-se-ia aos participantes a necessidade de outros tipos de balizas ordenadoras de qual tipo de interação sexual ocorrerá com essas parceiras que ainda lhes são muitas vezes estranhas, de fora de seus convívios sociais. Nestes momentos, variadas questões podem ser subitamente colocadas, exigindo uma tomada de decisão rápida e “acertada”, embora permeada de angústias:

“Ela não queria. Aí falei: ‘pô, a camisinha, aí...’ A gente nem tinha camisinha, mas [mesmo assim] eu falei. Aí, ela: ‘não, pô, sem camisinha mesmo’. Aí eu pensei bem, aí eu olhei, na hora, pô, na hora, né? Na hora agá eu errei essa coisa (...) Ela não queria, ela tava cheia de vergonha, eu acho que ela pensou que se eu parasse pra botar camisinha, o fato ia atrapalhar, como ela tava meio, tipo excitada, então aí eu acho que ela deu um... pensou que ia atrapalhar ela, aí ela não deixou eu pegar, e também eu não tinha camisinha. Foi isso, por isso que aconteceu do nada, bem no quarto dela.” (Rafael)

Diante de situações conflituosas e cruciais como essa, provavelmente comuns nos períodos de iniciação sexual, uma classificação entre parceiras “fixas” e “não fixas” parece servir para indicar com rapidez qual deve ser a prática sobre o uso do preservativo a ser seguida. O Quadro 1 condensa as características desta tipologia diádica, conforme as principais oposições enunciadas nas narrativas. 


Relações sexuais sem preservativo com parceiras “não fixas” ou “não conhecidas” (Sandro) foram relatadas como exceções raras. Ocorrendo, gerariam receios intensos de contaminação pelo HIV. O uso do preservativo teria sido a regra nesse tipo de relação sexual fortuita e não planejada, indicando que o comportamento de portar o preservativo estaria incorporado ao cotidiano dos participantes. 


Para uma parte dos entrevistados, no entanto, o contato com essas parceiras “não fixas” parece longe de ser o padrão desejado de interação sexual e faria somente parte do processo de busca por uma parceira “fixa”. Nessa trajetória o grau de fixidez ou proximidade com a parceira não é avaliado de maneira categórica (como seria “casada” ou “não casada”), mas sim dimensional. Em termos de tempo, a duração de uma relação “fixa” pode ser produto de anos de relacionamento ou de minutos:

“Então você beijou aquela primeira vez. Aquela pessoa, a partir dali, você deposita confiança que ela não vai beijar outra pessoa, pelo menos ao longo dos próximos dez minutos.” [Sabino]

Parcerias “fixas” comporiam, então, um conjunto extenso de possibilidades relacionais. Caracterizar-se-iam pela avaliação (pouco precisa) de haver certas regularidades e ordenamentos. Corresponderiam a relações estabelecidas depois de “rolar um sentimento”, de ser vivido um “ritual”, por vezes com uma “amiga”, ou preferencialmente com uma “pessoa certa” (Samir), com “a garota da minha vida” (Sebastião), com “minha mulher” (Rufino).
Neste tipo ideal de relacionamento, a necessidade do uso do preservativo é altamente relativizada e, quando utilizado, via de regra serviria somente a propósitos contraceptivos, mas não aos de prevenção de DST.

Quarta categoria de resultados: avaliação do estado de saúde da parceira (“uma olhada lá de perto... viu que não tem nada”)
A distinção entre um tipo e outro de parceiras sexuais exigiria, em alguns momentos, o recurso a uma espécie de semiologia que, embora não fundamentada clinicamente, parece aos entrevistados ser suficiente para discernir o estado de saúde ou doença. Valorizarm-se observações empíricas, sobretudo visuais, em possível contraposição a abstrações mais complexas (“...quando vê um problema de frente” – Rufino; “a AIDS é um vírus, você não consegue ver” – Radamés).
Algumas menções remetem ao uso de uma “semiotécnica” difícil de ser qualificada quanto ao que estaria sob exame. Precem ser considerados alguns atributos da potencial parceira, inclusive da dimensão psicológica, mas certamente pouco específicos, operacionálizáveis ou objetiváveis:

“Você vê uma pessoa assim e diz 'aquela já deve ter rodado, é rodadona’ (...) Você vê às vezes uma pessoa quietinha assim, mas eu falo 'essa aí é calma', é quase zero pau.” [Serafim]

“A gente já sabe, só de olhar, se a mulher já é piranha, pelo jeito dela ser.” (Ramon)

Um entrevistado resumiu o tipo de atributo avaliado como sendo o grau de cuidado consigo próprio que as mulheres teriam (“você vê que a pessoa tem uma certa falta de cuidado...” – Sérgio). Outros enunciados indicaram, também imprecisamente, que alguns valores estimados referem-se à estética corporal, que exerceriam influência no juízo que se faz quanto ao risco presente, associando-os à ideia de saúde ou de cuidado com a saúde (“você fica escolhendo pela cara... se a cara é bonitinha... se ela for feia, você usa camisinha” – Sálvio). Durante o próprio ato sexual, pode-se empreender uma avaliação semiológica a partir de uma empiria um pouco mais objetiva, embora igualmente não fundamentada:

“A primeira vai de camisinha, aí você vê que não tem nada de errado: mulher direita, não tem nada com cheiro ruim e tal... É sério, cara, não é brincadeira... Deu uma olhada lá de perto, viu que não tem nada acontecendo, tá tudo bem. Aí a segunda e a terceira, não precisa mais [de camisinha].” [Sálvio]

DISCUSSÃO
Consoante aos objetivos específicos estipulados, nesta discussão será destacada a função que certos elementos dos roteiros mentais (intrapsíquicos) têm em relação aos demais níveis de roteirização utilizados pelos participantes e que culminam, ou não, com o uso do preservativo.
Constantes significações simbólicas de medos e ansiedades estiveram presentes nos relatos feitos sobre os relacionamentos afetivo-sexuais. Essas angústias não se deveriam apenas às inseguranças, em dada medida universais, presentes nas aproximações eróticas interpessoais, em particular as primeiras etapas das inciações sexuais ou diante de novos parceiros. Igualmente não se restringiriam ao medo da gravidez indesejada, aparentemente comum aos enredos hegemonicamente heterossexuais de diferentes épocas e sociedades nos últimos dois séculos, e repetidos nas narrativas aqui analisadas. A esses medos e angústias históricos parecem somar-se hoje, como produto de três décadas de epidemia, as pressões representadas pelo medo do adoecimento por AIDS.
No entanto, embora intensas, tais pressões teriam influência apenas parcial sobre as práticas sexuais efetivamente exercitadas pois, tal como se verifica para os dois subgrupos  e como também constatado em outras recentes pesquisas3,4,7,8, o uso do preservativo pelos jovens continua a ser feito de forma não consistente. Infere-se, assim, que outras influências ainda mais fortes e determinantes estão presentes, resultando em duas grandes possibilidades de roterização interpessoal, adiante explicadas.

Riscos, medo e biomedicalização da sexualidade ...


Os entrevistados compõem uma geração instada a considerar, desde a infância, as perturbações provocadas pela infecção, sintomática ou não, pelo HIV. Isto parece ter influenciado seus planos de vida sexual e, depois de iniciados, seus roteiros intrapsíquicos para as práticas sexuais efetivamente realizadas (roteiros interpessoais). Assim, o medo da AIDS configurou-se claramente como um dos panos de fundo cognitivos das narrativas obtidas.

“Você sabe também o proceder da pessoa, às vezes a gente já conhece uma que... pá, já são história da galera, ‘ah, essa garota aí faz bacanal e não usa proteção’. Aí, tu também, ‘vou, mas vou de camisinha’, tu não deixa de ir.” (Randal)
A questão de “conhecer” ou “não conhecer” certas particularidades biográficas esteve constantemente presente nas narrativas, parecendo tratar-se também de uma busca de indícios sobre qual o padrão atitudinal esperado da pessoa com quem se relaciona (por exemplo, a possibilidade de traição):

“Prevenir é saber com quem você vai ficar, é camisinha, é tudo (...) porque você não sabe quem é quem.” (Radamés)

A questão da “confiança” na potencial parceira sobressaiu-se tanto em razão da frequência com que este tipo de enunciado foi proferido quanto em função de sua marcante valoração em meio às outras estratégias do arsenal preventivo cotidianamente utilizado pelos participantes. Segundo se depreendeu dos relatos, procuram avaliar idiograficamente o quesito “confiabilidade” a partir de indícios biográficos e de elementos supostamente caracterizadores da personalidade da parceira pretendida. Relataram esforços para descobrir sinais indicativos de estabilidade comportamental e de capacidade de assumir compromissos, ocorrendo isto mesmo quando diantes de envolvimentos sexuais circunstanciais:

“Quando começava a sair com a pessoa e via que se dedicava, aí sim, eu transava sem camisinha.” [Samuel]

“Conheci ela, não tinha nenhuma doença, confio nela, sei que não me trai com outra pessoa, não pegaria doença. Então, não me preocupo.” [Serafim]

“Ele [um amigo] vai ter um filho agora. Ele fala abertamente ‘cara, eu transo sem camisinha porque eu confio na minha mulher, eu faço relação, eu tenho relação sexual com ela faz mais de cinco anos, vai fazer seis anos, porque eu transaria com camisinha com ela?’” (Randal)

De modo geral e preponderantemente, foram percebidas nas narraivas um anseio por relações afetivo-sexuais que se mostrassem compromissadas, estáveis e exclusivas, ao menos por algum período de tempo:

“A última vez a gente transou sem camisinha [foi] porque a gente tinha uma relação de três anos. (...) Tento confiar, sei que a gente não vai botar a mão no fogo por ninguém, a gente tem que confiar no nosso taco, eu confiei nela, mas não tive problema nenhum.” (Ramon)

Relações de confiança recíproca pareceram compor o ideal dos envolvimentos emocionais, sendo vistas como elaborações interpessoais de mais longo prazo e que, no dizer de um entrevistado, devem ser “constantemente construídas” (Sabino). A escolha do uso ou não uso do preservativo decorreria do resultado subjetivamente aferido desta “construção”, dentro do continuum de possibilidades existentes:

“Quanto maior a confiança no parceiro, menos cuidado você toma em relação à sua saúde, à medida que a sua confiança aumenta, seu cuidado diminui.” (Serafim)

Entretanto, embora confiar seja percebido como crucial, a efetividade do caráter absoluto dessa estratégia foi questionada pelos próprios participantes (“confiança, na verdade, não existe... é uma dedução, do tipo da pessoa, da sua personalidade” – Serafim) e, em vista desta relativização, tornar-se-iam necessários outros movimentos geradores da sensação de segurança. Assim, a decisão sobre o uso ou não uso do preservativo, em uma relação sexual específica, decorreria também de outros tipos de julgamentos sobre a parceira pretendida. Ao final desse processo avaliativo, tais parcerias se dividiriam basicamente em “fixas” e “não fixas”, nos termos utilizados pelos próprios entrevistados e conforme comentado a seguir.

Terceira categoria de resultados: dois tipos de parceira sexual, “fixa” e “não fixa”
Os enredos desenvolvidos foram predominantemente heterossexuais e não parecem ser percebidas pelos narradores limitações apriorísticas à efetivação de relações sexuais, exceto aquelas decorrentes das interações bipessoais cotidianas, como não desejar, não querer e o não aceitar ter relações com uma pessoa específica. Típicas limitações apriorísticas, comuns noutras culturas ou para outras gerações, mas inexistentes nas narrativas, seriam a falta de acesso a parceiras sexuais por imposições doutrinárias religiosas ou por questões morais entre as famílias. Igualmente não fariam parte dos enredos, a julgar pelos relatos obtidos, as relações sexuais com prostitutas em que, a priori, as questões de escolha e aceitação não seriam aplicáveis. A expectativa dos entrevistados, ao contrário, é de haver acesso a parceiras sexuais sem maiores empecilhos (“vai num lugar, conhece uma menina e se engraça” – Salomão; “tinha acabado de se conhecer, e lá é assim, o pessoal se conhece e na hora [já vai] se pegando, e foi no meio da rua mesmo” - Randal).
Assim, à medida que parecem inexistir, para iniciar uma parceria afetivo-sexual, fortes barreiras culturais, morais ou religiosas, ou regras institucionais a serem rigidamente seguidas, como no casamento, impor-se-ia aos participantes a necessidade de outros tipos de balizas ordenadoras de qual tipo de interação sexual ocorrerá com essas parceiras que ainda lhes são muitas vezes estranhas, de fora de seus convívios sociais. Nestes momentos, variadas questões podem ser subitamente colocadas, exigindo uma tomada de decisão rápida e “acertada”, embora permeada de angústias:

“Ela não queria. Aí falei: ‘pô, a camisinha, aí...’ A gente nem tinha camisinha, mas [mesmo assim] eu falei. Aí, ela: ‘não, pô, sem camisinha mesmo’. Aí eu pensei bem, aí eu olhei, na hora, pô, na hora, né? Na hora agá eu errei essa coisa (...) Ela não queria, ela tava cheia de vergonha, eu acho que ela pensou que se eu parasse pra botar camisinha, o fato ia atrapalhar, como ela tava meio, tipo excitada, então aí eu acho que ela deu um... pensou que ia atrapalhar ela, aí ela não deixou eu pegar, e também eu não tinha camisinha. Foi isso, por isso que aconteceu do nada, bem no quarto dela.” (Rafael)

Diante de situações conflituosas e cruciais como essa, provavelmente comuns nos períodos de iniciação sexual, uma classificação entre parceiras “fixas” e “não fixas” parece servir para indicar com rapidez qual deve ser a prática sobre o uso do preservativo a ser seguida. O Quadro 1 condensa as características desta tipologia diádica, conforme as principais oposições enunciadas nas narrativas.
Relações sexuais sem preservativo com parceiras “não fixas” ou “não conhecidas” (Sandro) foram relatadas como exceções raras. Ocorrendo, gerariam receios intensos de contaminação pelo HIV. O uso do preservativo teria sido a regra nesse tipo de relação sexual fortuita e não planejada, indicando que o comportamento de portar o preservativo estaria incorporado ao cotidiano dos participantes.
Para uma parte dos entrevistados, no entanto, o contato com essas parceiras “não fixas” parece longe de ser o padrão desejado de interação sexual e faria somente parte do processo de busca por uma parceira “fixa”. Nessa trajetória o grau de fixidez ou proximidade com a parceira não é avaliado de maneira categórica (como seria “casada” ou “não casada”), mas sim dimensional. Em termos de tempo, a duração de uma relação “fixa” pode ser produto de anos de relacionamento ou de minutos:

“Então você beijou aquela primeira vez. Aquela pessoa, a partir dali, você deposita confiança que ela não vai beijar outra pessoa, pelo menos ao longo dos próximos dez minutos.” [Sabino]

Parcerias “fixas” comporiam, então, um conjunto extenso de possibilidades relacionais. Caracterizar-se-iam pela avaliação (pouco precisa) de haver certas regularidades e ordenamentos. Corresponderiam a relações estabelecidas depois de “rolar um sentimento”, de ser vivido um “ritual”, por vezes com uma “amiga”, ou preferencialmente com uma “pessoa certa” (Samir), com “a garota da minha vida” (Sebastião), com “minha mulher” (Rufino).
Neste tipo ideal de relacionamento, a necessidade do uso do preservativo é altamente relativizada e, quando utilizado, via de regra serviria somente a propósitos contraceptivos, mas não aos de prevenção de DST.

Quarta categoria de resultados: avaliação do estado de saúde da parceira (“uma olhada lá de perto... viu que não tem nada”)
A distinção entre um tipo e outro de parceiras sexuais exigiria, em alguns momentos, o recurso a uma espécie de semiologia que, embora não fundamentada clinicamente, parece aos entrevistados ser suficiente para discernir o estado de saúde ou doença. Valorizarm-se observações empíricas, sobretudo visuais, em possível contraposição a abstrações mais complexas (“...quando vê um problema de frente” – Rufino; “a AIDS é um vírus, você não consegue ver” – Radamés).
Algumas menções remetem ao uso de uma “semiotécnica” difícil de ser qualificada quanto ao que estaria sob exame. Precem ser considerados alguns atributos da potencial parceira, inclusive da dimensão psicológica, mas certamente pouco específicos, operacionálizáveis ou objetiváveis:

“Você vê uma pessoa assim e diz 'aquela já deve ter rodado, é rodadona’ (...) Você vê às vezes uma pessoa quietinha assim, mas eu falo 'essa aí é calma', é quase zero pau.” [Serafim]

“A gente já sabe, só de olhar, se a mulher já é piranha, pelo jeito dela ser.” (Ramon)

Um entrevistado resumiu o tipo de atributo avaliado como sendo o grau de cuidado consigo próprio que as mulheres teriam (“você vê que a pessoa tem uma certa falta de cuidado...” – Sérgio). Outros enunciados indicaram, também imprecisamente, que alguns valores estimados referem-se à estética corporal, que exerceriam influência no juízo que se faz quanto ao risco presente, associando-os à ideia de saúde ou de cuidado com a saúde (“você fica escolhendo pela cara... se a cara é bonitinha... se ela for feia, você usa camisinha” – Sálvio). Durante o próprio ato sexual, pode-se empreender uma avaliação semiológica a partir de uma empiria um pouco mais objetiva, embora igualmente não fundamentada:

“A primeira vai de camisinha, aí você vê que não tem nada de errado: mulher direita, não tem nada com cheiro ruim e tal... É sério, cara, não é brincadeira... Deu uma olhada lá de perto, viu que não tem nada acontecendo, tá tudo bem. Aí a segunda e a terceira, não precisa mais [de camisinha].” [Sálvio]

DISCUSSÃO
Consoante aos objetivos específicos estipulados, nesta discussão será destacada a função que certos elementos dos roteiros mentais (intrapsíquicos) têm em relação aos demais níveis de roteirização utilizados pelos participantes e que culminam, ou não, com o uso do preservativo.
Constantes significações simbólicas de medos e ansiedades estiveram presentes nos relatos feitos sobre os relacionamentos afetivo-sexuais. Essas angústias não se deveriam apenas às inseguranças, em dada medida universais, presentes nas aproximações eróticas interpessoais, em particular as primeiras etapas das inciações sexuais ou diante de novos parceiros. Igualmente não se restringiriam ao medo da gravidez indesejada, aparentemente comum aos enredos hegemonicamente heterossexuais de diferentes épocas e sociedades nos últimos dois séculos, e repetidos nas narrativas aqui analisadas. A esses medos e angústias históricos parecem somar-se hoje, como produto de três décadas de epidemia, as pressões representadas pelo medo do adoecimento por AIDS.
No entanto, embora intensas, tais pressões teriam influência apenas parcial sobre as práticas sexuais efetivamente exercitadas pois, tal como se verifica para os dois subgrupos  e como também constatado em outras recentes pesquisas3,4,7,8, o uso do preservativo pelos jovens continua a ser feito de forma não consistente. Infere-se, assim, que outras influências ainda mais fortes e determinantes estão presentes, resultando em duas grandes possibilidades de roterização interpessoal, adiante explicadas.

Riscos, medo e biomedicalização da sexualidade
Os entrevistados compõem uma geração instada a considerar, desde a infância, as perturbações provocadas pela infecção, sintomática ou não, pelo HIV. Isto parece ter influenciado seus planos de vida sexual e, depois de iniciados, seus roteiros intrapsíquicos para as práticas sexuais efetivamente realizadas (roteiros interpessoais). Assim, o medo da AIDS configurou-se claramente como um dos panos de fundo cognitivos das narrativas obtidas.

A questão de “conhecer” ou “não conhecer” certas particularidades biográficas esteve constantemente presente nas narrativas, parecendo tratar-se também de uma busca de indícios sobre qual o padrão atitudinal esperado da pessoa com quem se relaciona (por exemplo, a possibilidade de traição):
“Prevenir é saber com quem você vai ficar, é camisinha, é tudo (...) porque você não sabe quem é quem.” (Radamés)

A questão da “confiança” na potencial parceira sobressaiu-se tanto em razão da frequência com que este tipo de enunciado foi proferido quanto em função de sua marcante valoração em meio às outras estratégias do arsenal preventivo cotidianamente utilizado pelos participantes. Segundo se depreendeu dos relatos, procuram avaliar idiograficamente o quesito “confiabilidade” a partir de indícios biográficos e de elementos supostamente caracterizadores da personalidade da parceira pretendida. Relataram esforços para descobrir sinais indicativos de estabilidade comportamental e de capacidade de assumir compromissos, ocorrendo isto mesmo quando diantes de envolvimentos sexuais circunstanciais:

“Quando começava a sair com a pessoa e via que se dedicava, aí sim, eu transava sem camisinha.” [Samuel]

“Conheci ela, não tinha nenhuma doença, confio nela, sei que não me trai com outra pessoa, não pegaria doença. Então, não me preocupo.” [Serafim]

“Ele [um amigo] vai ter um filho agora. Ele fala abertamente ‘cara, eu transo sem camisinha porque eu confio na minha mulher, eu faço relação, eu tenho relação sexual com ela faz mais de cinco anos, vai fazer seis anos, porque eu transaria com camisinha com ela?’” (Randal)

De modo geral e preponderantemente, foram percebidas nas narraivas um anseio por relações afetivo-sexuais que se mostrassem compromissadas, estáveis e exclusivas, ao menos por algum período de tempo:

“A última vez a gente transou sem camisinha [foi] porque a gente tinha uma relação de três anos. (...) Tento confiar, sei que a gente não vai botar a mão no fogo por ninguém, a gente tem que confiar no nosso taco, eu confiei nela, mas não tive problema nenhum.” (Ramon)

Relações de confiança recíproca pareceram compor o ideal dos envolvimentos emocionais, sendo vistas como elaborações interpessoais de mais longo prazo e que, no dizer de um entrevistado, devem ser “constantemente construídas” (Sabino). A escolha do uso ou não uso do preservativo decorreria do resultado subjetivamente aferido desta “construção”, dentro do continuum de possibilidades existentes:

“Quanto maior a confiança no parceiro, menos cuidado você toma em relação à sua saúde, à medida que a sua confiança aumenta, seu cuidado diminui.” (Serafim)

Entretanto, embora confiar seja percebido como crucial, a efetividade do caráter absoluto dessa estratégia foi questionada pelos próprios participantes (“confiança, na verdade, não existe... é uma dedução, do tipo da pessoa, da sua personalidade” – Serafim) e, em vista desta relativização, tornar-se-iam necessários outros movimentos geradores da sensação de segurança. Assim, a decisão sobre o uso ou não uso do preservativo, em uma relação sexual específica, decorreria também de outros tipos de julgamentos sobre a parceira pretendida. Ao final desse processo avaliativo, tais parcerias se dividiriam basicamente em “fixas” e “não fixas”, nos termos utilizados pelos próprios entrevistados e conforme comentado a seguir.

Terceira categoria de resultados: dois tipos de parceira sexual, “fixa” e “não fixa”
Os enredos desenvolvidos foram predominantemente heterossexuais e não parecem ser percebidas pelos narradores limitações apriorísticas à efetivação de relações sexuais, exceto aquelas decorrentes das interações bipessoais cotidianas, como não desejar, não querer e o não aceitar ter relações com uma pessoa específica. Típicas limitações apriorísticas, comuns noutras culturas ou para outras gerações, mas inexistentes nas narrativas, seriam a falta de acesso a parceiras sexuais por imposições doutrinárias religiosas ou por questões morais entre as famílias. Igualmente não fariam parte dos enredos, a julgar pelos relatos obtidos, as relações sexuais com prostitutas em que, a priori, as questões de escolha e aceitação não seriam aplicáveis. A expectativa dos entrevistados, ao contrário, é de haver acesso a parceiras sexuais sem maiores empecilhos (“vai num lugar, conhece uma menina e se engraça” – Salomão; “tinha acabado de se conhecer, e lá é assim, o pessoal se conhece e na hora [já vai] se pegando, e foi no meio da rua mesmo” - Randal).
Assim, à medida que parecem inexistir, para iniciar uma parceria afetivo-sexual, fortes barreiras culturais, morais ou religiosas, ou regras institucionais a serem rigidamente seguidas, como no casamento, impor-se-ia aos participantes a necessidade de outros tipos de balizas ordenadoras de qual tipo de interação sexual ocorrerá com essas parceiras que ainda lhes são muitas vezes estranhas, de fora de seus convívios sociais. Nestes momentos, variadas questões podem ser subitamente colocadas, exigindo uma tomada de decisão rápida e “acertada”, embora permeada de angústias:

“Ela não queria. Aí falei: ‘pô, a camisinha, aí...’ A gente nem tinha camisinha, mas [mesmo assim] eu falei. Aí, ela: ‘não, pô, sem camisinha mesmo’. Aí eu pensei bem, aí eu olhei, na hora, pô, na hora, né? Na hora agá eu errei essa coisa (...) Ela não queria, ela tava cheia de vergonha, eu acho que ela pensou que se eu parasse pra botar camisinha, o fato ia atrapalhar, como ela tava meio, tipo excitada, então aí eu acho que ela deu um... pensou que ia atrapalhar ela, aí ela não deixou eu pegar, e também eu não tinha camisinha. Foi isso, por isso que aconteceu do nada, bem no quarto dela.” (Rafael)

Diante de situações conflituosas e cruciais como essa, provavelmente comuns nos períodos de iniciação sexual, uma classificação entre parceiras “fixas” e “não fixas” parece servir para indicar com rapidez qual deve ser a prática sobre o uso do preservativo a ser seguida. O Quadro 1 condensa as características desta tipologia diádica, conforme as principais oposições enunciadas nas narrativas.
Relações sexuais sem preservativo com parceiras “não fixas” ou “não conhecidas” (Sandro) foram relatadas como exceções raras. Ocorrendo, gerariam receios intensos de contaminação pelo HIV. O uso do preservativo teria sido a regra nesse tipo de relação sexual fortuita e não planejada, indicando que o comportamento de portar o preservativo estaria incorporado ao cotidiano dos participantes.
Para uma parte dos entrevistados, no entanto, o contato com essas parceiras “não fixas” parece longe de ser o padrão desejado de interação sexual e faria somente parte do processo de busca por uma parceira “fixa”. Nessa trajetória o grau de fixidez ou proximidade com a parceira não é avaliado de maneira categórica (como seria “casada” ou “não casada”), mas sim dimensional. Em termos de tempo, a duração de uma relação “fixa” pode ser produto de anos de relacionamento ou de minutos:

“Então você beijou aquela primeira vez. Aquela pessoa, a partir dali, você deposita confiança que ela não vai beijar outra pessoa, pelo menos ao longo dos próximos dez minutos.” [Sabino]

Parcerias “fixas” comporiam, então, um conjunto extenso de possibilidades relacionais. Caracterizar-se-iam pela avaliação (pouco precisa) de haver certas regularidades e ordenamentos. Corresponderiam a relações estabelecidas depois de “rolar um sentimento”, de ser vivido um “ritual”, por vezes com uma “amiga”, ou preferencialmente com uma “pessoa certa” (Samir), com “a garota da minha vida” (Sebastião), com “minha mulher” (Rufino).
Neste tipo ideal de relacionamento, a necessidade do uso do preservativo é altamente relativizada e, quando utilizado, via de regra serviria somente a propósitos contraceptivos, mas não aos de prevenção de DST.

Quarta categoria de resultados: avaliação do estado de saúde da parceira (“uma olhada lá de perto... viu que não tem nada”)
A distinção entre um tipo e outro de parceiras sexuais exigiria, em alguns momentos, o recurso a uma espécie de semiologia que, embora não fundamentada clinicamente, parece aos entrevistados ser suficiente para discernir o estado de saúde ou doença. Valorizarm-se observações empíricas, sobretudo visuais, em possível contraposição a abstrações mais complexas (“...quando vê um problema de frente” – Rufino; “a AIDS é um vírus, você não consegue ver” – Radamés).
Algumas menções remetem ao uso de uma “semiotécnica” difícil de ser qualificada quanto ao que estaria sob exame. Precem ser considerados alguns atributos da potencial parceira, inclusive da dimensão psicológica, mas certamente pouco específicos, operacionálizáveis ou objetiváveis:

“Você vê uma pessoa assim e diz 'aquela já deve ter rodado, é rodadona’ (...) Você vê às vezes uma pessoa quietinha assim, mas eu falo 'essa aí é calma', é quase zero pau.” [Serafim]

“A gente já sabe, só de olhar, se a mulher já é piranha, pelo jeito dela ser.” (Ramon)

Um entrevistado resumiu o tipo de atributo avaliado como sendo o grau de cuidado consigo próprio que as mulheres teriam (“você vê que a pessoa tem uma certa falta de cuidado...” – Sérgio). Outros enunciados indicaram, também imprecisamente, que alguns valores estimados referem-se à estética corporal, que exerceriam influência no juízo que se faz quanto ao risco presente, associando-os à ideia de saúde ou de cuidado com a saúde (“você fica escolhendo pela cara... se a cara é bonitinha... se ela for feia, você usa camisinha” – Sálvio). Durante o próprio ato sexual, pode-se empreender uma avaliação semiológica a partir de uma empiria um pouco mais objetiva, embora igualmente não fundamentada:

“A primeira vai de camisinha, aí você vê que não tem nada de errado: mulher direita, não tem nada com cheiro ruim e tal... É sério, cara, não é brincadeira... Deu uma olhada lá de perto, viu que não tem nada acontecendo, tá tudo bem. Aí a segunda e a terceira, não precisa mais [de camisinha].” [Sálvio]

DISCUSSÃO
Consoante aos objetivos específicos estipulados, nesta discussão será destacada a função que certos elementos dos roteiros mentais (intrapsíquicos) têm em relação aos demais níveis de roteirização utilizados pelos participantes e que culminam, ou não, com o uso do preservativo.
Constantes significações simbólicas de medos e ansiedades estiveram presentes nos relatos feitos sobre os relacionamentos afetivo-sexuais. Essas angústias não se deveriam apenas às inseguranças, em dada medida universais, presentes nas aproximações eróticas interpessoais, em particular as primeiras etapas das inciações sexuais ou diante de novos parceiros. Igualmente não se restringiriam ao medo da gravidez indesejada, aparentemente comum aos enredos hegemonicamente heterossexuais de diferentes épocas e sociedades nos últimos dois séculos, e repetidos nas narrativas aqui analisadas. A esses medos e angústias históricos parecem somar-se hoje, como produto de três décadas de epidemia, as pressões representadas pelo medo do adoecimento por AIDS.
No entanto, embora intensas, tais pressões teriam influência apenas parcial sobre as práticas sexuais efetivamente exercitadas pois, tal como se verifica para os dois subgrupos  e como também constatado em outras recentes pesquisas3,4,7,8, o uso do preservativo pelos jovens continua a ser feito de forma não consistente. Infere-se, assim, que outras influências ainda mais fortes e determinantes estão presentes, resultando em duas grandes possibilidades de roterização interpessoal, adiante explicadas.

Riscos, medo e biomedicalização da sexualidade
Os entrevistados compõem uma geração instada a considerar, desde a infância, as perturbações provocadas pela infecção, sintomática ou não, pelo HIV. Isto parece ter influenciado seus planos de vida sexual e, depois de iniciados, seus roteiros intrapsíquicos para as práticas sexuais efetivamente realizadas (roteiros interpessoais). Assim, o medo da AIDS configurou-se claramente como um dos panos de fundo cognitivos das narrativas obtidas.

“Prevenir é saber com quem você vai ficar, é camisinha, é tudo (...) porque você não sabe quem é quem.” (Radamés)
A questão da “confiança” na potencial parceira sobressaiu-se tanto em razão da frequência com que este tipo de enunciado foi proferido quanto em função de sua marcante valoração em meio às outras estratégias do arsenal preventivo cotidianamente utilizado pelos participantes. Segundo se depreendeu dos relatos, procuram avaliar idiograficamente o quesito “confiabilidade” a partir de indícios biográficos e de elementos supostamente caracterizadores da personalidade da parceira pretendida. Relataram esforços para descobrir sinais indicativos de estabilidade comportamental e de capacidade de assumir compromissos, ocorrendo isto mesmo quando diantes de envolvimentos sexuais circunstanciais:

“Quando começava a sair com a pessoa e via que se dedicava, aí sim, eu transava sem camisinha.” [Samuel]

“Conheci ela, não tinha nenhuma doença, confio nela, sei que não me trai com outra pessoa, não pegaria doença. Então, não me preocupo.” [Serafim]

“Ele [um amigo] vai ter um filho agora. Ele fala abertamente ‘cara, eu transo sem camisinha porque eu confio na minha mulher, eu faço relação, eu tenho relação sexual com ela faz mais de cinco anos, vai fazer seis anos, porque eu transaria com camisinha com ela?’” (Randal)

De modo geral e preponderantemente, foram percebidas nas narraivas um anseio por relações afetivo-sexuais que se mostrassem compromissadas, estáveis e exclusivas, ao menos por algum período de tempo:

“A última vez a gente transou sem camisinha [foi] porque a gente tinha uma relação de três anos. (...) Tento confiar, sei que a gente não vai botar a mão no fogo por ninguém, a gente tem que confiar no nosso taco, eu confiei nela, mas não tive problema nenhum.” (Ramon)

Relações de confiança recíproca pareceram compor o ideal dos envolvimentos emocionais, sendo vistas como elaborações interpessoais de mais longo prazo e que, no dizer de um entrevistado, devem ser “constantemente construídas” (Sabino). A escolha do uso ou não uso do preservativo decorreria do resultado subjetivamente aferido desta “construção”, dentro do continuum de possibilidades existentes:

“Quanto maior a confiança no parceiro, menos cuidado você toma em relação à sua saúde, à medida que a sua confiança aumenta, seu cuidado diminui.” (Serafim)

Entretanto, embora confiar seja percebido como crucial, a efetividade do caráter absoluto dessa estratégia foi questionada pelos próprios participantes (“confiança, na verdade, não existe... é uma dedução, do tipo da pessoa, da sua personalidade” – Serafim) e, em vista desta relativização, tornar-se-iam necessários outros movimentos geradores da sensação de segurança. Assim, a decisão sobre o uso ou não uso do preservativo, em uma relação sexual específica, decorreria também de outros tipos de julgamentos sobre a parceira pretendida. Ao final desse processo avaliativo, tais parcerias se dividiriam basicamente em “fixas” e “não fixas”, nos termos utilizados pelos próprios entrevistados e conforme comentado a seguir.

Terceira categoria de resultados: dois tipos de parceira sexual, “fixa” e “não fixa”
Os enredos desenvolvidos foram predominantemente heterossexuais e não parecem ser percebidas pelos narradores limitações apriorísticas à efetivação de relações sexuais, exceto aquelas decorrentes das interações bipessoais cotidianas, como não desejar, não querer e o não aceitar ter relações com uma pessoa específica. Típicas limitações apriorísticas, comuns noutras culturas ou para outras gerações, mas inexistentes nas narrativas, seriam a falta de acesso a parceiras sexuais por imposições doutrinárias religiosas ou por questões morais entre as famílias. Igualmente não fariam parte dos enredos, a julgar pelos relatos obtidos, as relações sexuais com prostitutas em que, a priori, as questões de escolha e aceitação não seriam aplicáveis. A expectativa dos entrevistados, ao contrário, é de haver acesso a parceiras sexuais sem maiores empecilhos (“vai num lugar, conhece uma menina e se engraça” – Salomão; “tinha acabado de se conhecer, e lá é assim, o pessoal se conhece e na hora [já vai] se pegando, e foi no meio da rua mesmo” - Randal).
Assim, à medida que parecem inexistir, para iniciar uma parceria afetivo-sexual, fortes barreiras culturais, morais ou religiosas, ou regras institucionais a serem rigidamente seguidas, como no casamento, impor-se-ia aos participantes a necessidade de outros tipos de balizas ordenadoras de qual tipo de interação sexual ocorrerá com essas parceiras que ainda lhes são muitas vezes estranhas, de fora de seus convívios sociais. Nestes momentos, variadas questões podem ser subitamente colocadas, exigindo uma tomada de decisão rápida e “acertada”, embora permeada de angústias:

“Ela não queria. Aí falei: ‘pô, a camisinha, aí...’ A gente nem tinha camisinha, mas [mesmo assim] eu falei. Aí, ela: ‘não, pô, sem camisinha mesmo’. Aí eu pensei bem, aí eu olhei, na hora, pô, na hora, né? Na hora agá eu errei essa coisa (...) Ela não queria, ela tava cheia de vergonha, eu acho que ela pensou que se eu parasse pra botar camisinha, o fato ia atrapalhar, como ela tava meio, tipo excitada, então aí eu acho que ela deu um... pensou que ia atrapalhar ela, aí ela não deixou eu pegar, e também eu não tinha camisinha. Foi isso, por isso que aconteceu do nada, bem no quarto dela.” (Rafael)

Diante de situações conflituosas e cruciais como essa, provavelmente comuns nos períodos de iniciação sexual, uma classificação entre parceiras “fixas” e “não fixas” parece servir para indicar com rapidez qual deve ser a prática sobre o uso do preservativo a ser seguida. O Quadro 1 condensa as características desta tipologia diádica, conforme as principais oposições enunciadas nas narrativas.
Relações sexuais sem preservativo com parceiras “não fixas” ou “não conhecidas” (Sandro) foram relatadas como exceções raras. Ocorrendo, gerariam receios intensos de contaminação pelo HIV. O uso do preservativo teria sido a regra nesse tipo de relação sexual fortuita e não planejada, indicando que o comportamento de portar o preservativo estaria incorporado ao cotidiano dos participantes.
Para uma parte dos entrevistados, no entanto, o contato com essas parceiras “não fixas” parece longe de ser o padrão desejado de interação sexual e faria somente parte do processo de busca por uma parceira “fixa”. Nessa trajetória o grau de fixidez ou proximidade com a parceira não é avaliado de maneira categórica (como seria “casada” ou “não casada”), mas sim dimensional. Em termos de tempo, a duração de uma relação “fixa” pode ser produto de anos de relacionamento ou de minutos:

“Então você beijou aquela primeira vez. Aquela pessoa, a partir dali, você deposita confiança que ela não vai beijar outra pessoa, pelo menos ao longo dos próximos dez minutos.” [Sabino]

Parcerias “fixas” comporiam, então, um conjunto extenso de possibilidades relacionais. Caracterizar-se-iam pela avaliação (pouco precisa) de haver certas regularidades e ordenamentos. Corresponderiam a relações estabelecidas depois de “rolar um sentimento”, de ser vivido um “ritual”, por vezes com uma “amiga”, ou preferencialmente com uma “pessoa certa” (Samir), com “a garota da minha vida” (Sebastião), com “minha mulher” (Rufino).
Neste tipo ideal de relacionamento, a necessidade do uso do preservativo é altamente relativizada e, quando utilizado, via de regra serviria somente a propósitos contraceptivos, mas não aos de prevenção de DST.

Quarta categoria de resultados: avaliação do estado de saúde da parceira (“uma olhada lá de perto... viu que não tem nada”)
A distinção entre um tipo e outro de parceiras sexuais exigiria, em alguns momentos, o recurso a uma espécie de semiologia que, embora não fundamentada clinicamente, parece aos entrevistados ser suficiente para discernir o estado de saúde ou doença. Valorizarm-se observações empíricas, sobretudo visuais, em possível contraposição a abstrações mais complexas (“...quando vê um problema de frente” – Rufino; “a AIDS é um vírus, você não consegue ver” – Radamés).
Algumas menções remetem ao uso de uma “semiotécnica” difícil de ser qualificada quanto ao que estaria sob exame. Precem ser considerados alguns atributos da potencial parceira, inclusive da dimensão psicológica, mas certamente pouco específicos, operacionálizáveis ou objetiváveis:

“Você vê uma pessoa assim e diz 'aquela já deve ter rodado, é rodadona’ (...) Você vê às vezes uma pessoa quietinha assim, mas eu falo 'essa aí é calma', é quase zero pau.” [Serafim]

“A gente já sabe, só de olhar, se a mulher já é piranha, pelo jeito dela ser.” (Ramon)

Um entrevistado resumiu o tipo de atributo avaliado como sendo o grau de cuidado consigo próprio que as mulheres teriam (“você vê que a pessoa tem uma certa falta de cuidado...” – Sérgio). Outros enunciados indicaram, também imprecisamente, que alguns valores estimados referem-se à estética corporal, que exerceriam influência no juízo que se faz quanto ao risco presente, associando-os à ideia de saúde ou de cuidado com a saúde (“você fica escolhendo pela cara... se a cara é bonitinha... se ela for feia, você usa camisinha” – Sálvio). Durante o próprio ato sexual, pode-se empreender uma avaliação semiológica a partir de uma empiria um pouco mais objetiva, embora igualmente não fundamentada:

“A primeira vai de camisinha, aí você vê que não tem nada de errado: mulher direita, não tem nada com cheiro ruim e tal... É sério, cara, não é brincadeira... Deu uma olhada lá de perto, viu que não tem nada acontecendo, tá tudo bem. Aí a segunda e a terceira, não precisa mais [de camisinha].” [Sálvio]

DISCUSSÃO
Consoante aos objetivos específicos estipulados, nesta discussão será destacada a função que certos elementos dos roteiros mentais (intrapsíquicos) têm em relação aos demais níveis de roteirização utilizados pelos participantes e que culminam, ou não, com o uso do preservativo.
Constantes significações simbólicas de medos e ansiedades estiveram presentes nos relatos feitos sobre os relacionamentos afetivo-sexuais. Essas angústias não se deveriam apenas às inseguranças, em dada medida universais, presentes nas aproximações eróticas interpessoais, em particular as primeiras etapas das inciações sexuais ou diante de novos parceiros. Igualmente não se restringiriam ao medo da gravidez indesejada, aparentemente comum aos enredos hegemonicamente heterossexuais de diferentes épocas e sociedades nos últimos dois séculos, e repetidos nas narrativas aqui analisadas. A esses medos e angústias históricos parecem somar-se hoje, como produto de três décadas de epidemia, as pressões representadas pelo medo do adoecimento por AIDS.
No entanto, embora intensas, tais pressões teriam influência apenas parcial sobre as práticas sexuais efetivamente exercitadas pois, tal como se verifica para os dois subgrupos  e como também constatado em outras recentes pesquisas3,4,7,8, o uso do preservativo pelos jovens continua a ser feito de forma não consistente. Infere-se, assim, que outras influências ainda mais fortes e determinantes estão presentes, resultando em duas grandes possibilidades de roterização interpessoal, adiante explicadas.

Riscos, medo e biomedicalização da sexualidade
Os entrevistados compõem uma geração instada a considerar, desde a infância, as perturbações provocadas pela infecção, sintomática ou não, pelo HIV. Isto parece ter influenciado seus planos de vida sexual e, depois de iniciados, seus roteiros intrapsíquicos para as práticas sexuais efetivamente realizadas (roteiros interpessoais). Assim, o medo da AIDS configurou-se claramente como um dos panos de fundo cognitivos das narrativas obtidas.

A questão da “confiança” na potencial parceira sobressaiu-se tanto em razão da frequência com que este tipo de enunciado foi proferido quanto em função de sua marcante valoração em meio às outras estratégias do arsenal preventivo cotidianamente utilizado pelos participantes. Segundo se depreendeu dos relatos, procuram avaliar idiograficamente o quesito “confiabilidade” a partir de indícios biográficos e de elementos supostamente caracterizadores da personalidade da parceira pretendida. Relataram esforços para descobrir sinais indicativos de estabilidade comportamental e de capacidade de assumir compromissos, ocorrendo isto mesmo quando diantes de envolvimentos sexuais circunstanciais:
“Quando começava a sair com a pessoa e via que se dedicava, aí sim, eu transava sem camisinha.” [Samuel]

“Conheci ela, não tinha nenhuma doença, confio nela, sei que não me trai com outra pessoa, não pegaria doença. Então, não me preocupo.” [Serafim]

“Ele [um amigo] vai ter um filho agora. Ele fala abertamente ‘cara, eu transo sem camisinha porque eu confio na minha mulher, eu faço relação, eu tenho relação sexual com ela faz mais de cinco anos, vai fazer seis anos, porque eu transaria com camisinha com ela?’” (Randal)

De modo geral e preponderantemente, foram percebidas nas narraivas um anseio por relações afetivo-sexuais que se mostrassem compromissadas, estáveis e exclusivas, ao menos por algum período de tempo:

“A última vez a gente transou sem camisinha [foi] porque a gente tinha uma relação de três anos. (...) Tento confiar, sei que a gente não vai botar a mão no fogo por ninguém, a gente tem que confiar no nosso taco, eu confiei nela, mas não tive problema nenhum.” (Ramon)

Relações de confiança recíproca pareceram compor o ideal dos envolvimentos emocionais, sendo vistas como elaborações interpessoais de mais longo prazo e que, no dizer de um entrevistado, devem ser “constantemente construídas” (Sabino). A escolha do uso ou não uso do preservativo decorreria do resultado subjetivamente aferido desta “construção”, dentro do continuum de possibilidades existentes:

“Quanto maior a confiança no parceiro, menos cuidado você toma em relação à sua saúde, à medida que a sua confiança aumenta, seu cuidado diminui.” (Serafim)

Entretanto, embora confiar seja percebido como crucial, a efetividade do caráter absoluto dessa estratégia foi questionada pelos próprios participantes (“confiança, na verdade, não existe... é uma dedução, do tipo da pessoa, da sua personalidade” – Serafim) e, em vista desta relativização, tornar-se-iam necessários outros movimentos geradores da sensação de segurança. Assim, a decisão sobre o uso ou não uso do preservativo, em uma relação sexual específica, decorreria também de outros tipos de julgamentos sobre a parceira pretendida. Ao final desse processo avaliativo, tais parcerias se dividiriam basicamente em “fixas” e “não fixas”, nos termos utilizados pelos próprios entrevistados e conforme comentado a seguir.

Terceira categoria de resultados: dois tipos de parceira sexual, “fixa” e “não fixa”
Os enredos desenvolvidos foram predominantemente heterossexuais e não parecem ser percebidas pelos narradores limitações apriorísticas à efetivação de relações sexuais, exceto aquelas decorrentes das interações bipessoais cotidianas, como não desejar, não querer e o não aceitar ter relações com uma pessoa específica. Típicas limitações apriorísticas, comuns noutras culturas ou para outras gerações, mas inexistentes nas narrativas, seriam a falta de acesso a parceiras sexuais por imposições doutrinárias religiosas ou por questões morais entre as famílias. Igualmente não fariam parte dos enredos, a julgar pelos relatos obtidos, as relações sexuais com prostitutas em que, a priori, as questões de escolha e aceitação não seriam aplicáveis. A expectativa dos entrevistados, ao contrário, é de haver acesso a parceiras sexuais sem maiores empecilhos (“vai num lugar, conhece uma menina e se engraça” – Salomão; “tinha acabado de se conhecer, e lá é assim, o pessoal se conhece e na hora [já vai] se pegando, e foi no meio da rua mesmo” - Randal).
Assim, à medida que parecem inexistir, para iniciar uma parceria afetivo-sexual, fortes barreiras culturais, morais ou religiosas, ou regras institucionais a serem rigidamente seguidas, como no casamento, impor-se-ia aos participantes a necessidade de outros tipos de balizas ordenadoras de qual tipo de interação sexual ocorrerá com essas parceiras que ainda lhes são muitas vezes estranhas, de fora de seus convívios sociais. Nestes momentos, variadas questões podem ser subitamente colocadas, exigindo uma tomada de decisão rápida e “acertada”, embora permeada de angústias:

“Ela não queria. Aí falei: ‘pô, a camisinha, aí...’ A gente nem tinha camisinha, mas [mesmo assim] eu falei. Aí, ela: ‘não, pô, sem camisinha mesmo’. Aí eu pensei bem, aí eu olhei, na hora, pô, na hora, né? Na hora agá eu errei essa coisa (...) Ela não queria, ela tava cheia de vergonha, eu acho que ela pensou que se eu parasse pra botar camisinha, o fato ia atrapalhar, como ela tava meio, tipo excitada, então aí eu acho que ela deu um... pensou que ia atrapalhar ela, aí ela não deixou eu pegar, e também eu não tinha camisinha. Foi isso, por isso que aconteceu do nada, bem no quarto dela.” (Rafael)

Diante de situações conflituosas e cruciais como essa, provavelmente comuns nos períodos de iniciação sexual, uma classificação entre parceiras “fixas” e “não fixas” parece servir para indicar com rapidez qual deve ser a prática sobre o uso do preservativo a ser seguida. O Quadro 1 condensa as características desta tipologia diádica, conforme as principais oposições enunciadas nas narrativas.
Relações sexuais sem preservativo com parceiras “não fixas” ou “não conhecidas” (Sandro) foram relatadas como exceções raras. Ocorrendo, gerariam receios intensos de contaminação pelo HIV. O uso do preservativo teria sido a regra nesse tipo de relação sexual fortuita e não planejada, indicando que o comportamento de portar o preservativo estaria incorporado ao cotidiano dos participantes.
Para uma parte dos entrevistados, no entanto, o contato com essas parceiras “não fixas” parece longe de ser o padrão desejado de interação sexual e faria somente parte do processo de busca por uma parceira “fixa”. Nessa trajetória o grau de fixidez ou proximidade com a parceira não é avaliado de maneira categórica (como seria “casada” ou “não casada”), mas sim dimensional. Em termos de tempo, a duração de uma relação “fixa” pode ser produto de anos de relacionamento ou de minutos:

“Então você beijou aquela primeira vez. Aquela pessoa, a partir dali, você deposita confiança que ela não vai beijar outra pessoa, pelo menos ao longo dos próximos dez minutos.” [Sabino]

Parcerias “fixas” comporiam, então, um conjunto extenso de possibilidades relacionais. Caracterizar-se-iam pela avaliação (pouco precisa) de haver certas regularidades e ordenamentos. Corresponderiam a relações estabelecidas depois de “rolar um sentimento”, de ser vivido um “ritual”, por vezes com uma “amiga”, ou preferencialmente com uma “pessoa certa” (Samir), com “a garota da minha vida” (Sebastião), com “minha mulher” (Rufino).
Neste tipo ideal de relacionamento, a necessidade do uso do preservativo é altamente relativizada e, quando utilizado, via de regra serviria somente a propósitos contraceptivos, mas não aos de prevenção de DST.

Quarta categoria de resultados: avaliação do estado de saúde da parceira (“uma olhada lá de perto... viu que não tem nada”)
A distinção entre um tipo e outro de parceiras sexuais exigiria, em alguns momentos, o recurso a uma espécie de semiologia que, embora não fundamentada clinicamente, parece aos entrevistados ser suficiente para discernir o estado de saúde ou doença. Valorizarm-se observações empíricas, sobretudo visuais, em possível contraposição a abstrações mais complexas (“...quando vê um problema de frente” – Rufino; “a AIDS é um vírus, você não consegue ver” – Radamés).
Algumas menções remetem ao uso de uma “semiotécnica” difícil de ser qualificada quanto ao que estaria sob exame. Precem ser considerados alguns atributos da potencial parceira, inclusive da dimensão psicológica, mas certamente pouco específicos, operacionálizáveis ou objetiváveis:

“Você vê uma pessoa assim e diz 'aquela já deve ter rodado, é rodadona’ (...) Você vê às vezes uma pessoa quietinha assim, mas eu falo 'essa aí é calma', é quase zero pau.” [Serafim]

“A gente já sabe, só de olhar, se a mulher já é piranha, pelo jeito dela ser.” (Ramon)

Um entrevistado resumiu o tipo de atributo avaliado como sendo o grau de cuidado consigo próprio que as mulheres teriam (“você vê que a pessoa tem uma certa falta de cuidado...” – Sérgio). Outros enunciados indicaram, também imprecisamente, que alguns valores estimados referem-se à estética corporal, que exerceriam influência no juízo que se faz quanto ao risco presente, associando-os à ideia de saúde ou de cuidado com a saúde (“você fica escolhendo pela cara... se a cara é bonitinha... se ela for feia, você usa camisinha” – Sálvio). Durante o próprio ato sexual, pode-se empreender uma avaliação semiológica a partir de uma empiria um pouco mais objetiva, embora igualmente não fundamentada:

“A primeira vai de camisinha, aí você vê que não tem nada de errado: mulher direita, não tem nada com cheiro ruim e tal... É sério, cara, não é brincadeira... Deu uma olhada lá de perto, viu que não tem nada acontecendo, tá tudo bem. Aí a segunda e a terceira, não precisa mais [de camisinha].” [Sálvio]

DISCUSSÃO
Consoante aos objetivos específicos estipulados, nesta discussão será destacada a função que certos elementos dos roteiros mentais (intrapsíquicos) têm em relação aos demais níveis de roteirização utilizados pelos participantes e que culminam, ou não, com o uso do preservativo.
Constantes significações simbólicas de medos e ansiedades estiveram presentes nos relatos feitos sobre os relacionamentos afetivo-sexuais. Essas angústias não se deveriam apenas às inseguranças, em dada medida universais, presentes nas aproximações eróticas interpessoais, em particular as primeiras etapas das inciações sexuais ou diante de novos parceiros. Igualmente não se restringiriam ao medo da gravidez indesejada, aparentemente comum aos enredos hegemonicamente heterossexuais de diferentes épocas e sociedades nos últimos dois séculos, e repetidos nas narrativas aqui analisadas. A esses medos e angústias históricos parecem somar-se hoje, como produto de três décadas de epidemia, as pressões representadas pelo medo do adoecimento por AIDS.
No entanto, embora intensas, tais pressões teriam influência apenas parcial sobre as práticas sexuais efetivamente exercitadas pois, tal como se verifica para os dois subgrupos  e como também constatado em outras recentes pesquisas3,4,7,8, o uso do preservativo pelos jovens continua a ser feito de forma não consistente. Infere-se, assim, que outras influências ainda mais fortes e determinantes estão presentes, resultando em duas grandes possibilidades de roterização interpessoal, adiante explicadas.

Riscos, medo e biomedicalização da sexualidade
Os entrevistados compõem uma geração instada a considerar, desde a infância, as perturbações provocadas pela infecção, sintomática ou não, pelo HIV. Isto parece ter influenciado seus planos de vida sexual e, depois de iniciados, seus roteiros intrapsíquicos para as práticas sexuais efetivamente realizadas (roteiros interpessoais). Assim, o medo da AIDS configurou-se claramente como um dos panos de fundo cognitivos das narrativas obtidas.

“Quando começava a sair com a pessoa e via que se dedicava, aí sim, eu transava sem camisinha.” [Samuel]
“Conheci ela, não tinha nenhuma doença, confio nela, sei que não me trai com outra pessoa, não pegaria doença. Então, não me preocupo.” [Serafim]

“Ele [um amigo] vai ter um filho agora. Ele fala abertamente ‘cara, eu transo sem camisinha porque eu confio na minha mulher, eu faço relação, eu tenho relação sexual com ela faz mais de cinco anos, vai fazer seis anos, porque eu transaria com camisinha com ela?’” (Randal)

De modo geral e preponderantemente, foram percebidas nas narraivas um anseio por relações afetivo-sexuais que se mostrassem compromissadas, estáveis e exclusivas, ao menos por algum período de tempo:

“A última vez a gente transou sem camisinha [foi] porque a gente tinha uma relação de três anos. (...) Tento confiar, sei que a gente não vai botar a mão no fogo por ninguém, a gente tem que confiar no nosso taco, eu confiei nela, mas não tive problema nenhum.” (Ramon)

Relações de confiança recíproca pareceram compor o ideal dos envolvimentos emocionais, sendo vistas como elaborações interpessoais de mais longo prazo e que, no dizer de um entrevistado, devem ser “constantemente construídas” (Sabino). A escolha do uso ou não uso do preservativo decorreria do resultado subjetivamente aferido desta “construção”, dentro do continuum de possibilidades existentes:

“Quanto maior a confiança no parceiro, menos cuidado você toma em relação à sua saúde, à medida que a sua confiança aumenta, seu cuidado diminui.” (Serafim)

Entretanto, embora confiar seja percebido como crucial, a efetividade do caráter absoluto dessa estratégia foi questionada pelos próprios participantes (“confiança, na verdade, não existe... é uma dedução, do tipo da pessoa, da sua personalidade” – Serafim) e, em vista desta relativização, tornar-se-iam necessários outros movimentos geradores da sensação de segurança. Assim, a decisão sobre o uso ou não uso do preservativo, em uma relação sexual específica, decorreria também de outros tipos de julgamentos sobre a parceira pretendida. Ao final desse processo avaliativo, tais parcerias se dividiriam basicamente em “fixas” e “não fixas”, nos termos utilizados pelos próprios entrevistados e conforme comentado a seguir.

Terceira categoria de resultados: dois tipos de parceira sexual, “fixa” e “não fixa”
Os enredos desenvolvidos foram predominantemente heterossexuais e não parecem ser percebidas pelos narradores limitações apriorísticas à efetivação de relações sexuais, exceto aquelas decorrentes das interações bipessoais cotidianas, como não desejar, não querer e o não aceitar ter relações com uma pessoa específica. Típicas limitações apriorísticas, comuns noutras culturas ou para outras gerações, mas inexistentes nas narrativas, seriam a falta de acesso a parceiras sexuais por imposições doutrinárias religiosas ou por questões morais entre as famílias. Igualmente não fariam parte dos enredos, a julgar pelos relatos obtidos, as relações sexuais com prostitutas em que, a priori, as questões de escolha e aceitação não seriam aplicáveis. A expectativa dos entrevistados, ao contrário, é de haver acesso a parceiras sexuais sem maiores empecilhos (“vai num lugar, conhece uma menina e se engraça” – Salomão; “tinha acabado de se conhecer, e lá é assim, o pessoal se conhece e na hora [já vai] se pegando, e foi no meio da rua mesmo” - Randal).
Assim, à medida que parecem inexistir, para iniciar uma parceria afetivo-sexual, fortes barreiras culturais, morais ou religiosas, ou regras institucionais a serem rigidamente seguidas, como no casamento, impor-se-ia aos participantes a necessidade de outros tipos de balizas ordenadoras de qual tipo de interação sexual ocorrerá com essas parceiras que ainda lhes são muitas vezes estranhas, de fora de seus convívios sociais. Nestes momentos, variadas questões podem ser subitamente colocadas, exigindo uma tomada de decisão rápida e “acertada”, embora permeada de angústias:

“Ela não queria. Aí falei: ‘pô, a camisinha, aí...’ A gente nem tinha camisinha, mas [mesmo assim] eu falei. Aí, ela: ‘não, pô, sem camisinha mesmo’. Aí eu pensei bem, aí eu olhei, na hora, pô, na hora, né? Na hora agá eu errei essa coisa (...) Ela não queria, ela tava cheia de vergonha, eu acho que ela pensou que se eu parasse pra botar camisinha, o fato ia atrapalhar, como ela tava meio, tipo excitada, então aí eu acho que ela deu um... pensou que ia atrapalhar ela, aí ela não deixou eu pegar, e também eu não tinha camisinha. Foi isso, por isso que aconteceu do nada, bem no quarto dela.” (Rafael)

Diante de situações conflituosas e cruciais como essa, provavelmente comuns nos períodos de iniciação sexual, uma classificação entre parceiras “fixas” e “não fixas” parece servir para indicar com rapidez qual deve ser a prática sobre o uso do preservativo a ser seguida. O Quadro 1 condensa as características desta tipologia diádica, conforme as principais oposições enunciadas nas narrativas.
Relações sexuais sem preservativo com parceiras “não fixas” ou “não conhecidas” (Sandro) foram relatadas como exceções raras. Ocorrendo, gerariam receios intensos de contaminação pelo HIV. O uso do preservativo teria sido a regra nesse tipo de relação sexual fortuita e não planejada, indicando que o comportamento de portar o preservativo estaria incorporado ao cotidiano dos participantes.
Para uma parte dos entrevistados, no entanto, o contato com essas parceiras “não fixas” parece longe de ser o padrão desejado de interação sexual e faria somente parte do processo de busca por uma parceira “fixa”. Nessa trajetória o grau de fixidez ou proximidade com a parceira não é avaliado de maneira categórica (como seria “casada” ou “não casada”), mas sim dimensional. Em termos de tempo, a duração de uma relação “fixa” pode ser produto de anos de relacionamento ou de minutos:

“Então você beijou aquela primeira vez. Aquela pessoa, a partir dali, você deposita confiança que ela não vai beijar outra pessoa, pelo menos ao longo dos próximos dez minutos.” [Sabino]

Parcerias “fixas” comporiam, então, um conjunto extenso de possibilidades relacionais. Caracterizar-se-iam pela avaliação (pouco precisa) de haver certas regularidades e ordenamentos. Corresponderiam a relações estabelecidas depois de “rolar um sentimento”, de ser vivido um “ritual”, por vezes com uma “amiga”, ou preferencialmente com uma “pessoa certa” (Samir), com “a garota da minha vida” (Sebastião), com “minha mulher” (Rufino).
Neste tipo ideal de relacionamento, a necessidade do uso do preservativo é altamente relativizada e, quando utilizado, via de regra serviria somente a propósitos contraceptivos, mas não aos de prevenção de DST.

Quarta categoria de resultados: avaliação do estado de saúde da parceira (“uma olhada lá de perto... viu que não tem nada”)
A distinção entre um tipo e outro de parceiras sexuais exigiria, em alguns momentos, o recurso a uma espécie de semiologia que, embora não fundamentada clinicamente, parece aos entrevistados ser suficiente para discernir o estado de saúde ou doença. Valorizarm-se observações empíricas, sobretudo visuais, em possível contraposição a abstrações mais complexas (“...quando vê um problema de frente” – Rufino; “a AIDS é um vírus, você não consegue ver” – Radamés).
Algumas menções remetem ao uso de uma “semiotécnica” difícil de ser qualificada quanto ao que estaria sob exame. Precem ser considerados alguns atributos da potencial parceira, inclusive da dimensão psicológica, mas certamente pouco específicos, operacionálizáveis ou objetiváveis:

“Você vê uma pessoa assim e diz 'aquela já deve ter rodado, é rodadona’ (...) Você vê às vezes uma pessoa quietinha assim, mas eu falo 'essa aí é calma', é quase zero pau.” [Serafim]

“A gente já sabe, só de olhar, se a mulher já é piranha, pelo jeito dela ser.” (Ramon)

Um entrevistado resumiu o tipo de atributo avaliado como sendo o grau de cuidado consigo próprio que as mulheres teriam (“você vê que a pessoa tem uma certa falta de cuidado...” – Sérgio). Outros enunciados indicaram, também imprecisamente, que alguns valores estimados referem-se à estética corporal, que exerceriam influência no juízo que se faz quanto ao risco presente, associando-os à ideia de saúde ou de cuidado com a saúde (“você fica escolhendo pela cara... se a cara é bonitinha... se ela for feia, você usa camisinha” – Sálvio). Durante o próprio ato sexual, pode-se empreender uma avaliação semiológica a partir de uma empiria um pouco mais objetiva, embora igualmente não fundamentada:

“A primeira vai de camisinha, aí você vê que não tem nada de errado: mulher direita, não tem nada com cheiro ruim e tal... É sério, cara, não é brincadeira... Deu uma olhada lá de perto, viu que não tem nada acontecendo, tá tudo bem. Aí a segunda e a terceira, não precisa mais [de camisinha].” [Sálvio]

DISCUSSÃO
Consoante aos objetivos específicos estipulados, nesta discussão será destacada a função que certos elementos dos roteiros mentais (intrapsíquicos) têm em relação aos demais níveis de roteirização utilizados pelos participantes e que culminam, ou não, com o uso do preservativo.
Constantes significações simbólicas de medos e ansiedades estiveram presentes nos relatos feitos sobre os relacionamentos afetivo-sexuais. Essas angústias não se deveriam apenas às inseguranças, em dada medida universais, presentes nas aproximações eróticas interpessoais, em particular as primeiras etapas das inciações sexuais ou diante de novos parceiros. Igualmente não se restringiriam ao medo da gravidez indesejada, aparentemente comum aos enredos hegemonicamente heterossexuais de diferentes épocas e sociedades nos últimos dois séculos, e repetidos nas narrativas aqui analisadas. A esses medos e angústias históricos parecem somar-se hoje, como produto de três décadas de epidemia, as pressões representadas pelo medo do adoecimento por AIDS.
No entanto, embora intensas, tais pressões teriam influência apenas parcial sobre as práticas sexuais efetivamente exercitadas pois, tal como se verifica para os dois subgrupos  e como também constatado em outras recentes pesquisas3,4,7,8, o uso do preservativo pelos jovens continua a ser feito de forma não consistente. Infere-se, assim, que outras influências ainda mais fortes e determinantes estão presentes, resultando em duas grandes possibilidades de roterização interpessoal, adiante explicadas.

Riscos, medo e biomedicalização da sexualidade
Os entrevistados compõem uma geração instada a considerar, desde a infância, as perturbações provocadas pela infecção, sintomática ou não, pelo HIV. Isto parece ter influenciado seus planos de vida sexual e, depois de iniciados, seus roteiros intrapsíquicos para as práticas sexuais efetivamente realizadas (roteiros interpessoais). Assim, o medo da AIDS configurou-se claramente como um dos panos de fundo cognitivos das narrativas obtidas.

“Conheci ela, não tinha nenhuma doença, confio nela, sei que não me trai com outra pessoa, não pegaria doença. Então, não me preocupo.” [Serafim]
“Ele [um amigo] vai ter um filho agora. Ele fala abertamente ‘cara, eu transo sem camisinha porque eu confio na minha mulher, eu faço relação, eu tenho relação sexual com ela faz mais de cinco anos, vai fazer seis anos, porque eu transaria com camisinha com ela?’” (Randal)

De modo geral e preponderantemente, foram percebidas nas narraivas um anseio por relações afetivo-sexuais que se mostrassem compromissadas, estáveis e exclusivas, ao menos por algum período de tempo:

“A última vez a gente transou sem camisinha [foi] porque a gente tinha uma relação de três anos. (...) Tento confiar, sei que a gente não vai botar a mão no fogo por ninguém, a gente tem que confiar no nosso taco, eu confiei nela, mas não tive problema nenhum.” (Ramon)

Relações de confiança recíproca pareceram compor o ideal dos envolvimentos emocionais, sendo vistas como elaborações interpessoais de mais longo prazo e que, no dizer de um entrevistado, devem ser “constantemente construídas” (Sabino). A escolha do uso ou não uso do preservativo decorreria do resultado subjetivamente aferido desta “construção”, dentro do continuum de possibilidades existentes:

“Quanto maior a confiança no parceiro, menos cuidado você toma em relação à sua saúde, à medida que a sua confiança aumenta, seu cuidado diminui.” (Serafim)

Entretanto, embora confiar seja percebido como crucial, a efetividade do caráter absoluto dessa estratégia foi questionada pelos próprios participantes (“confiança, na verdade, não existe... é uma dedução, do tipo da pessoa, da sua personalidade” – Serafim) e, em vista desta relativização, tornar-se-iam necessários outros movimentos geradores da sensação de segurança. Assim, a decisão sobre o uso ou não uso do preservativo, em uma relação sexual específica, decorreria também de outros tipos de julgamentos sobre a parceira pretendida. Ao final desse processo avaliativo, tais parcerias se dividiriam basicamente em “fixas” e “não fixas”, nos termos utilizados pelos próprios entrevistados e conforme comentado a seguir.

Terceira categoria de resultados: dois tipos de parceira sexual, “fixa” e “não fixa”
Os enredos desenvolvidos foram predominantemente heterossexuais e não parecem ser percebidas pelos narradores limitações apriorísticas à efetivação de relações sexuais, exceto aquelas decorrentes das interações bipessoais cotidianas, como não desejar, não querer e o não aceitar ter relações com uma pessoa específica. Típicas limitações apriorísticas, comuns noutras culturas ou para outras gerações, mas inexistentes nas narrativas, seriam a falta de acesso a parceiras sexuais por imposições doutrinárias religiosas ou por questões morais entre as famílias. Igualmente não fariam parte dos enredos, a julgar pelos relatos obtidos, as relações sexuais com prostitutas em que, a priori, as questões de escolha e aceitação não seriam aplicáveis. A expectativa dos entrevistados, ao contrário, é de haver acesso a parceiras sexuais sem maiores empecilhos (“vai num lugar, conhece uma menina e se engraça” – Salomão; “tinha acabado de se conhecer, e lá é assim, o pessoal se conhece e na hora [já vai] se pegando, e foi no meio da rua mesmo” - Randal).
Assim, à medida que parecem inexistir, para iniciar uma parceria afetivo-sexual, fortes barreiras culturais, morais ou religiosas, ou regras institucionais a serem rigidamente seguidas, como no casamento, impor-se-ia aos participantes a necessidade de outros tipos de balizas ordenadoras de qual tipo de interação sexual ocorrerá com essas parceiras que ainda lhes são muitas vezes estranhas, de fora de seus convívios sociais. Nestes momentos, variadas questões podem ser subitamente colocadas, exigindo uma tomada de decisão rápida e “acertada”, embora permeada de angústias:

“Ela não queria. Aí falei: ‘pô, a camisinha, aí...’ A gente nem tinha camisinha, mas [mesmo assim] eu falei. Aí, ela: ‘não, pô, sem camisinha mesmo’. Aí eu pensei bem, aí eu olhei, na hora, pô, na hora, né? Na hora agá eu errei essa coisa (...) Ela não queria, ela tava cheia de vergonha, eu acho que ela pensou que se eu parasse pra botar camisinha, o fato ia atrapalhar, como ela tava meio, tipo excitada, então aí eu acho que ela deu um... pensou que ia atrapalhar ela, aí ela não deixou eu pegar, e também eu não tinha camisinha. Foi isso, por isso que aconteceu do nada, bem no quarto dela.” (Rafael)

Diante de situações conflituosas e cruciais como essa, provavelmente comuns nos períodos de iniciação sexual, uma classificação entre parceiras “fixas” e “não fixas” parece servir para indicar com rapidez qual deve ser a prática sobre o uso do preservativo a ser seguida. O Quadro 1 condensa as características desta tipologia diádica, conforme as principais oposições enunciadas nas narrativas.
Relações sexuais sem preservativo com parceiras “não fixas” ou “não conhecidas” (Sandro) foram relatadas como exceções raras. Ocorrendo, gerariam receios intensos de contaminação pelo HIV. O uso do preservativo teria sido a regra nesse tipo de relação sexual fortuita e não planejada, indicando que o comportamento de portar o preservativo estaria incorporado ao cotidiano dos participantes.
Para uma parte dos entrevistados, no entanto, o contato com essas parceiras “não fixas” parece longe de ser o padrão desejado de interação sexual e faria somente parte do processo de busca por uma parceira “fixa”. Nessa trajetória o grau de fixidez ou proximidade com a parceira não é avaliado de maneira categórica (como seria “casada” ou “não casada”), mas sim dimensional. Em termos de tempo, a duração de uma relação “fixa” pode ser produto de anos de relacionamento ou de minutos:

“Então você beijou aquela primeira vez. Aquela pessoa, a partir dali, você deposita confiança que ela não vai beijar outra pessoa, pelo menos ao longo dos próximos dez minutos.” [Sabino]

Parcerias “fixas” comporiam, então, um conjunto extenso de possibilidades relacionais. Caracterizar-se-iam pela avaliação (pouco precisa) de haver certas regularidades e ordenamentos. Corresponderiam a relações estabelecidas depois de “rolar um sentimento”, de ser vivido um “ritual”, por vezes com uma “amiga”, ou preferencialmente com uma “pessoa certa” (Samir), com “a garota da minha vida” (Sebastião), com “minha mulher” (Rufino).
Neste tipo ideal de relacionamento, a necessidade do uso do preservativo é altamente relativizada e, quando utilizado, via de regra serviria somente a propósitos contraceptivos, mas não aos de prevenção de DST.

Quarta categoria de resultados: avaliação do estado de saúde da parceira (“uma olhada lá de perto... viu que não tem nada”)
A distinção entre um tipo e outro de parceiras sexuais exigiria, em alguns momentos, o recurso a uma espécie de semiologia que, embora não fundamentada clinicamente, parece aos entrevistados ser suficiente para discernir o estado de saúde ou doença. Valorizarm-se observações empíricas, sobretudo visuais, em possível contraposição a abstrações mais complexas (“...quando vê um problema de frente” – Rufino; “a AIDS é um vírus, você não consegue ver” – Radamés).
Algumas menções remetem ao uso de uma “semiotécnica” difícil de ser qualificada quanto ao que estaria sob exame. Precem ser considerados alguns atributos da potencial parceira, inclusive da dimensão psicológica, mas certamente pouco específicos, operacionálizáveis ou objetiváveis:

“Você vê uma pessoa assim e diz 'aquela já deve ter rodado, é rodadona’ (...) Você vê às vezes uma pessoa quietinha assim, mas eu falo 'essa aí é calma', é quase zero pau.” [Serafim]

“A gente já sabe, só de olhar, se a mulher já é piranha, pelo jeito dela ser.” (Ramon)

Um entrevistado resumiu o tipo de atributo avaliado como sendo o grau de cuidado consigo próprio que as mulheres teriam (“você vê que a pessoa tem uma certa falta de cuidado...” – Sérgio). Outros enunciados indicaram, também imprecisamente, que alguns valores estimados referem-se à estética corporal, que exerceriam influência no juízo que se faz quanto ao risco presente, associando-os à ideia de saúde ou de cuidado com a saúde (“você fica escolhendo pela cara... se a cara é bonitinha... se ela for feia, você usa camisinha” – Sálvio). Durante o próprio ato sexual, pode-se empreender uma avaliação semiológica a partir de uma empiria um pouco mais objetiva, embora igualmente não fundamentada:

“A primeira vai de camisinha, aí você vê que não tem nada de errado: mulher direita, não tem nada com cheiro ruim e tal... É sério, cara, não é brincadeira... Deu uma olhada lá de perto, viu que não tem nada acontecendo, tá tudo bem. Aí a segunda e a terceira, não precisa mais [de camisinha].” [Sálvio]

DISCUSSÃO
Consoante aos objetivos específicos estipulados, nesta discussão será destacada a função que certos elementos dos roteiros mentais (intrapsíquicos) têm em relação aos demais níveis de roteirização utilizados pelos participantes e que culminam, ou não, com o uso do preservativo.
Constantes significações simbólicas de medos e ansiedades estiveram presentes nos relatos feitos sobre os relacionamentos afetivo-sexuais. Essas angústias não se deveriam apenas às inseguranças, em dada medida universais, presentes nas aproximações eróticas interpessoais, em particular as primeiras etapas das inciações sexuais ou diante de novos parceiros. Igualmente não se restringiriam ao medo da gravidez indesejada, aparentemente comum aos enredos hegemonicamente heterossexuais de diferentes épocas e sociedades nos últimos dois séculos, e repetidos nas narrativas aqui analisadas. A esses medos e angústias históricos parecem somar-se hoje, como produto de três décadas de epidemia, as pressões representadas pelo medo do adoecimento por AIDS.
No entanto, embora intensas, tais pressões teriam influência apenas parcial sobre as práticas sexuais efetivamente exercitadas pois, tal como se verifica para os dois subgrupos  e como também constatado em outras recentes pesquisas3,4,7,8, o uso do preservativo pelos jovens continua a ser feito de forma não consistente. Infere-se, assim, que outras influências ainda mais fortes e determinantes estão presentes, resultando em duas grandes possibilidades de roterização interpessoal, adiante explicadas.

Riscos, medo e biomedicalização da sexualidade
Os entrevistados compõem uma geração instada a considerar, desde a infância, as perturbações provocadas pela infecção, sintomática ou não, pelo HIV. Isto parece ter influenciado seus planos de vida sexual e, depois de iniciados, seus roteiros intrapsíquicos para as práticas sexuais efetivamente realizadas (roteiros interpessoais). Assim, o medo da AIDS configurou-se claramente como um dos panos de fundo cognitivos das narrativas obtidas.

“Ele [um amigo] vai ter um filho agora. Ele fala abertamente ‘cara, eu transo sem camisinha porque eu confio na minha mulher, eu faço relação, eu tenho relação sexual com ela faz mais de cinco anos, vai fazer seis anos, porque eu transaria com camisinha com ela?’” (Randal)
De modo geral e preponderantemente, foram percebidas nas narraivas um anseio por relações afetivo-sexuais que se mostrassem compromissadas, estáveis e exclusivas, ao menos por algum período de tempo:

“A última vez a gente transou sem camisinha [foi] porque a gente tinha uma relação de três anos. (...) Tento confiar, sei que a gente não vai botar a mão no fogo por ninguém, a gente tem que confiar no nosso taco, eu confiei nela, mas não tive problema nenhum.” (Ramon)

Relações de confiança recíproca pareceram compor o ideal dos envolvimentos emocionais, sendo vistas como elaborações interpessoais de mais longo prazo e que, no dizer de um entrevistado, devem ser “constantemente construídas” (Sabino). A escolha do uso ou não uso do preservativo decorreria do resultado subjetivamente aferido desta “construção”, dentro do continuum de possibilidades existentes:

“Quanto maior a confiança no parceiro, menos cuidado você toma em relação à sua saúde, à medida que a sua confiança aumenta, seu cuidado diminui.” (Serafim)

Entretanto, embora confiar seja percebido como crucial, a efetividade do caráter absoluto dessa estratégia foi questionada pelos próprios participantes (“confiança, na verdade, não existe... é uma dedução, do tipo da pessoa, da sua personalidade” – Serafim) e, em vista desta relativização, tornar-se-iam necessários outros movimentos geradores da sensação de segurança. Assim, a decisão sobre o uso ou não uso do preservativo, em uma relação sexual específica, decorreria também de outros tipos de julgamentos sobre a parceira pretendida. Ao final desse processo avaliativo, tais parcerias se dividiriam basicamente em “fixas” e “não fixas”, nos termos utilizados pelos próprios entrevistados e conforme comentado a seguir.

Terceira categoria de resultados: dois tipos de parceira sexual, “fixa” e “não fixa”
Os enredos desenvolvidos foram predominantemente heterossexuais e não parecem ser percebidas pelos narradores limitações apriorísticas à efetivação de relações sexuais, exceto aquelas decorrentes das interações bipessoais cotidianas, como não desejar, não querer e o não aceitar ter relações com uma pessoa específica. Típicas limitações apriorísticas, comuns noutras culturas ou para outras gerações, mas inexistentes nas narrativas, seriam a falta de acesso a parceiras sexuais por imposições doutrinárias religiosas ou por questões morais entre as famílias. Igualmente não fariam parte dos enredos, a julgar pelos relatos obtidos, as relações sexuais com prostitutas em que, a priori, as questões de escolha e aceitação não seriam aplicáveis. A expectativa dos entrevistados, ao contrário, é de haver acesso a parceiras sexuais sem maiores empecilhos (“vai num lugar, conhece uma menina e se engraça” – Salomão; “tinha acabado de se conhecer, e lá é assim, o pessoal se conhece e na hora [já vai] se pegando, e foi no meio da rua mesmo” - Randal).
Assim, à medida que parecem inexistir, para iniciar uma parceria afetivo-sexual, fortes barreiras culturais, morais ou religiosas, ou regras institucionais a serem rigidamente seguidas, como no casamento, impor-se-ia aos participantes a necessidade de outros tipos de balizas ordenadoras de qual tipo de interação sexual ocorrerá com essas parceiras que ainda lhes são muitas vezes estranhas, de fora de seus convívios sociais. Nestes momentos, variadas questões podem ser subitamente colocadas, exigindo uma tomada de decisão rápida e “acertada”, embora permeada de angústias:

“Ela não queria. Aí falei: ‘pô, a camisinha, aí...’ A gente nem tinha camisinha, mas [mesmo assim] eu falei. Aí, ela: ‘não, pô, sem camisinha mesmo’. Aí eu pensei bem, aí eu olhei, na hora, pô, na hora, né? Na hora agá eu errei essa coisa (...) Ela não queria, ela tava cheia de vergonha, eu acho que ela pensou que se eu parasse pra botar camisinha, o fato ia atrapalhar, como ela tava meio, tipo excitada, então aí eu acho que ela deu um... pensou que ia atrapalhar ela, aí ela não deixou eu pegar, e também eu não tinha camisinha. Foi isso, por isso que aconteceu do nada, bem no quarto dela.” (Rafael)

Diante de situações conflituosas e cruciais como essa, provavelmente comuns nos períodos de iniciação sexual, uma classificação entre parceiras “fixas” e “não fixas” parece servir para indicar com rapidez qual deve ser a prática sobre o uso do preservativo a ser seguida. O Quadro 1 condensa as características desta tipologia diádica, conforme as principais oposições enunciadas nas narrativas.
Relações sexuais sem preservativo com parceiras “não fixas” ou “não conhecidas” (Sandro) foram relatadas como exceções raras. Ocorrendo, gerariam receios intensos de contaminação pelo HIV. O uso do preservativo teria sido a regra nesse tipo de relação sexual fortuita e não planejada, indicando que o comportamento de portar o preservativo estaria incorporado ao cotidiano dos participantes.
Para uma parte dos entrevistados, no entanto, o contato com essas parceiras “não fixas” parece longe de ser o padrão desejado de interação sexual e faria somente parte do processo de busca por uma parceira “fixa”. Nessa trajetória o grau de fixidez ou proximidade com a parceira não é avaliado de maneira categórica (como seria “casada” ou “não casada”), mas sim dimensional. Em termos de tempo, a duração de uma relação “fixa” pode ser produto de anos de relacionamento ou de minutos:

“Então você beijou aquela primeira vez. Aquela pessoa, a partir dali, você deposita confiança que ela não vai beijar outra pessoa, pelo menos ao longo dos próximos dez minutos.” [Sabino]

Parcerias “fixas” comporiam, então, um conjunto extenso de possibilidades relacionais. Caracterizar-se-iam pela avaliação (pouco precisa) de haver certas regularidades e ordenamentos. Corresponderiam a relações estabelecidas depois de “rolar um sentimento”, de ser vivido um “ritual”, por vezes com uma “amiga”, ou preferencialmente com uma “pessoa certa” (Samir), com “a garota da minha vida” (Sebastião), com “minha mulher” (Rufino).
Neste tipo ideal de relacionamento, a necessidade do uso do preservativo é altamente relativizada e, quando utilizado, via de regra serviria somente a propósitos contraceptivos, mas não aos de prevenção de DST.

Quarta categoria de resultados: avaliação do estado de saúde da parceira (“uma olhada lá de perto... viu que não tem nada”)
A distinção entre um tipo e outro de parceiras sexuais exigiria, em alguns momentos, o recurso a uma espécie de semiologia que, embora não fundamentada clinicamente, parece aos entrevistados ser suficiente para discernir o estado de saúde ou doença. Valorizarm-se observações empíricas, sobretudo visuais, em possível contraposição a abstrações mais complexas (“...quando vê um problema de frente” – Rufino; “a AIDS é um vírus, você não consegue ver” – Radamés).
Algumas menções remetem ao uso de uma “semiotécnica” difícil de ser qualificada quanto ao que estaria sob exame. Precem ser considerados alguns atributos da potencial parceira, inclusive da dimensão psicológica, mas certamente pouco específicos, operacionálizáveis ou objetiváveis:

“Você vê uma pessoa assim e diz 'aquela já deve ter rodado, é rodadona’ (...) Você vê às vezes uma pessoa quietinha assim, mas eu falo 'essa aí é calma', é quase zero pau.” [Serafim]

“A gente já sabe, só de olhar, se a mulher já é piranha, pelo jeito dela ser.” (Ramon)

Um entrevistado resumiu o tipo de atributo avaliado como sendo o grau de cuidado consigo próprio que as mulheres teriam (“você vê que a pessoa tem uma certa falta de cuidado...” – Sérgio). Outros enunciados indicaram, também imprecisamente, que alguns valores estimados referem-se à estética corporal, que exerceriam influência no juízo que se faz quanto ao risco presente, associando-os à ideia de saúde ou de cuidado com a saúde (“você fica escolhendo pela cara... se a cara é bonitinha... se ela for feia, você usa camisinha” – Sálvio). Durante o próprio ato sexual, pode-se empreender uma avaliação semiológica a partir de uma empiria um pouco mais objetiva, embora igualmente não fundamentada:

“A primeira vai de camisinha, aí você vê que não tem nada de errado: mulher direita, não tem nada com cheiro ruim e tal... É sério, cara, não é brincadeira... Deu uma olhada lá de perto, viu que não tem nada acontecendo, tá tudo bem. Aí a segunda e a terceira, não precisa mais [de camisinha].” [Sálvio]

DISCUSSÃO
Consoante aos objetivos específicos estipulados, nesta discussão será destacada a função que certos elementos dos roteiros mentais (intrapsíquicos) têm em relação aos demais níveis de roteirização utilizados pelos participantes e que culminam, ou não, com o uso do preservativo.
Constantes significações simbólicas de medos e ansiedades estiveram presentes nos relatos feitos sobre os relacionamentos afetivo-sexuais. Essas angústias não se deveriam apenas às inseguranças, em dada medida universais, presentes nas aproximações eróticas interpessoais, em particular as primeiras etapas das inciações sexuais ou diante de novos parceiros. Igualmente não se restringiriam ao medo da gravidez indesejada, aparentemente comum aos enredos hegemonicamente heterossexuais de diferentes épocas e sociedades nos últimos dois séculos, e repetidos nas narrativas aqui analisadas. A esses medos e angústias históricos parecem somar-se hoje, como produto de três décadas de epidemia, as pressões representadas pelo medo do adoecimento por AIDS.
No entanto, embora intensas, tais pressões teriam influência apenas parcial sobre as práticas sexuais efetivamente exercitadas pois, tal como se verifica para os dois subgrupos  e como também constatado em outras recentes pesquisas3,4,7,8, o uso do preservativo pelos jovens continua a ser feito de forma não consistente. Infere-se, assim, que outras influências ainda mais fortes e determinantes estão presentes, resultando em duas grandes possibilidades de roterização interpessoal, adiante explicadas.

Riscos, medo e biomedicalização da sexualidade
Os entrevistados compõem uma geração instada a considerar, desde a infância, as perturbações provocadas pela infecção, sintomática ou não, pelo HIV. Isto parece ter influenciado seus planos de vida sexual e, depois de iniciados, seus roteiros intrapsíquicos para as práticas sexuais efetivamente realizadas (roteiros interpessoais). Assim, o medo da AIDS configurou-se claramente como um dos panos de fundo cognitivos das narrativas obtidas.

De modo geral e preponderantemente, foram percebidas nas narraivas um anseio por relações afetivo-sexuais que se mostrassem compromissadas, estáveis e exclusivas, ao menos por algum período de tempo:
“A última vez a gente transou sem camisinha [foi] porque a gente tinha uma relação de três anos. (...) Tento confiar, sei que a gente não vai botar a mão no fogo por ninguém, a gente tem que confiar no nosso taco, eu confiei nela, mas não tive problema nenhum.” (Ramon)

Relações de confiança recíproca pareceram compor o ideal dos envolvimentos emocionais, sendo vistas como elaborações interpessoais de mais longo prazo e que, no dizer de um entrevistado, devem ser “constantemente construídas” (Sabino). A escolha do uso ou não uso do preservativo decorreria do resultado subjetivamente aferido desta “construção”, dentro do continuum de possibilidades existentes:

“Quanto maior a confiança no parceiro, menos cuidado você toma em relação à sua saúde, à medida que a sua confiança aumenta, seu cuidado diminui.” (Serafim)

Entretanto, embora confiar seja percebido como crucial, a efetividade do caráter absoluto dessa estratégia foi questionada pelos próprios participantes (“confiança, na verdade, não existe... é uma dedução, do tipo da pessoa, da sua personalidade” – Serafim) e, em vista desta relativização, tornar-se-iam necessários outros movimentos geradores da sensação de segurança. Assim, a decisão sobre o uso ou não uso do preservativo, em uma relação sexual específica, decorreria também de outros tipos de julgamentos sobre a parceira pretendida. Ao final desse processo avaliativo, tais parcerias se dividiriam basicamente em “fixas” e “não fixas”, nos termos utilizados pelos próprios entrevistados e conforme comentado a seguir.

Terceira categoria de resultados: dois tipos de parceira sexual, “fixa” e “não fixa”
Os enredos desenvolvidos foram predominantemente heterossexuais e não parecem ser percebidas pelos narradores limitações apriorísticas à efetivação de relações sexuais, exceto aquelas decorrentes das interações bipessoais cotidianas, como não desejar, não querer e o não aceitar ter relações com uma pessoa específica. Típicas limitações apriorísticas, comuns noutras culturas ou para outras gerações, mas inexistentes nas narrativas, seriam a falta de acesso a parceiras sexuais por imposições doutrinárias religiosas ou por questões morais entre as famílias. Igualmente não fariam parte dos enredos, a julgar pelos relatos obtidos, as relações sexuais com prostitutas em que, a priori, as questões de escolha e aceitação não seriam aplicáveis. A expectativa dos entrevistados, ao contrário, é de haver acesso a parceiras sexuais sem maiores empecilhos (“vai num lugar, conhece uma menina e se engraça” – Salomão; “tinha acabado de se conhecer, e lá é assim, o pessoal se conhece e na hora [já vai] se pegando, e foi no meio da rua mesmo” - Randal).
Assim, à medida que parecem inexistir, para iniciar uma parceria afetivo-sexual, fortes barreiras culturais, morais ou religiosas, ou regras institucionais a serem rigidamente seguidas, como no casamento, impor-se-ia aos participantes a necessidade de outros tipos de balizas ordenadoras de qual tipo de interação sexual ocorrerá com essas parceiras que ainda lhes são muitas vezes estranhas, de fora de seus convívios sociais. Nestes momentos, variadas questões podem ser subitamente colocadas, exigindo uma tomada de decisão rápida e “acertada”, embora permeada de angústias:

“Ela não queria. Aí falei: ‘pô, a camisinha, aí...’ A gente nem tinha camisinha, mas [mesmo assim] eu falei. Aí, ela: ‘não, pô, sem camisinha mesmo’. Aí eu pensei bem, aí eu olhei, na hora, pô, na hora, né? Na hora agá eu errei essa coisa (...) Ela não queria, ela tava cheia de vergonha, eu acho que ela pensou que se eu parasse pra botar camisinha, o fato ia atrapalhar, como ela tava meio, tipo excitada, então aí eu acho que ela deu um... pensou que ia atrapalhar ela, aí ela não deixou eu pegar, e também eu não tinha camisinha. Foi isso, por isso que aconteceu do nada, bem no quarto dela.” (Rafael)

Diante de situações conflituosas e cruciais como essa, provavelmente comuns nos períodos de iniciação sexual, uma classificação entre parceiras “fixas” e “não fixas” parece servir para indicar com rapidez qual deve ser a prática sobre o uso do preservativo a ser seguida. O Quadro 1 condensa as características desta tipologia diádica, conforme as principais oposições enunciadas nas narrativas.
Relações sexuais sem preservativo com parceiras “não fixas” ou “não conhecidas” (Sandro) foram relatadas como exceções raras. Ocorrendo, gerariam receios intensos de contaminação pelo HIV. O uso do preservativo teria sido a regra nesse tipo de relação sexual fortuita e não planejada, indicando que o comportamento de portar o preservativo estaria incorporado ao cotidiano dos participantes.
Para uma parte dos entrevistados, no entanto, o contato com essas parceiras “não fixas” parece longe de ser o padrão desejado de interação sexual e faria somente parte do processo de busca por uma parceira “fixa”. Nessa trajetória o grau de fixidez ou proximidade com a parceira não é avaliado de maneira categórica (como seria “casada” ou “não casada”), mas sim dimensional. Em termos de tempo, a duração de uma relação “fixa” pode ser produto de anos de relacionamento ou de minutos:

“Então você beijou aquela primeira vez. Aquela pessoa, a partir dali, você deposita confiança que ela não vai beijar outra pessoa, pelo menos ao longo dos próximos dez minutos.” [Sabino]

Parcerias “fixas” comporiam, então, um conjunto extenso de possibilidades relacionais. Caracterizar-se-iam pela avaliação (pouco precisa) de haver certas regularidades e ordenamentos. Corresponderiam a relações estabelecidas depois de “rolar um sentimento”, de ser vivido um “ritual”, por vezes com uma “amiga”, ou preferencialmente com uma “pessoa certa” (Samir), com “a garota da minha vida” (Sebastião), com “minha mulher” (Rufino).
Neste tipo ideal de relacionamento, a necessidade do uso do preservativo é altamente relativizada e, quando utilizado, via de regra serviria somente a propósitos contraceptivos, mas não aos de prevenção de DST.

Quarta categoria de resultados: avaliação do estado de saúde da parceira (“uma olhada lá de perto... viu que não tem nada”)
A distinção entre um tipo e outro de parceiras sexuais exigiria, em alguns momentos, o recurso a uma espécie de semiologia que, embora não fundamentada clinicamente, parece aos entrevistados ser suficiente para discernir o estado de saúde ou doença. Valorizarm-se observações empíricas, sobretudo visuais, em possível contraposição a abstrações mais complexas (“...quando vê um problema de frente” – Rufino; “a AIDS é um vírus, você não consegue ver” – Radamés).
Algumas menções remetem ao uso de uma “semiotécnica” difícil de ser qualificada quanto ao que estaria sob exame. Precem ser considerados alguns atributos da potencial parceira, inclusive da dimensão psicológica, mas certamente pouco específicos, operacionálizáveis ou objetiváveis:

“Você vê uma pessoa assim e diz 'aquela já deve ter rodado, é rodadona’ (...) Você vê às vezes uma pessoa quietinha assim, mas eu falo 'essa aí é calma', é quase zero pau.” [Serafim]

“A gente já sabe, só de olhar, se a mulher já é piranha, pelo jeito dela ser.” (Ramon)

Um entrevistado resumiu o tipo de atributo avaliado como sendo o grau de cuidado consigo próprio que as mulheres teriam (“você vê que a pessoa tem uma certa falta de cuidado...” – Sérgio). Outros enunciados indicaram, também imprecisamente, que alguns valores estimados referem-se à estética corporal, que exerceriam influência no juízo que se faz quanto ao risco presente, associando-os à ideia de saúde ou de cuidado com a saúde (“você fica escolhendo pela cara... se a cara é bonitinha... se ela for feia, você usa camisinha” – Sálvio). Durante o próprio ato sexual, pode-se empreender uma avaliação semiológica a partir de uma empiria um pouco mais objetiva, embora igualmente não fundamentada:

“A primeira vai de camisinha, aí você vê que não tem nada de errado: mulher direita, não tem nada com cheiro ruim e tal... É sério, cara, não é brincadeira... Deu uma olhada lá de perto, viu que não tem nada acontecendo, tá tudo bem. Aí a segunda e a terceira, não precisa mais [de camisinha].” [Sálvio]

DISCUSSÃO
Consoante aos objetivos específicos estipulados, nesta discussão será destacada a função que certos elementos dos roteiros mentais (intrapsíquicos) têm em relação aos demais níveis de roteirização utilizados pelos participantes e que culminam, ou não, com o uso do preservativo.
Constantes significações simbólicas de medos e ansiedades estiveram presentes nos relatos feitos sobre os relacionamentos afetivo-sexuais. Essas angústias não se deveriam apenas às inseguranças, em dada medida universais, presentes nas aproximações eróticas interpessoais, em particular as primeiras etapas das inciações sexuais ou diante de novos parceiros. Igualmente não se restringiriam ao medo da gravidez indesejada, aparentemente comum aos enredos hegemonicamente heterossexuais de diferentes épocas e sociedades nos últimos dois séculos, e repetidos nas narrativas aqui analisadas. A esses medos e angústias históricos parecem somar-se hoje, como produto de três décadas de epidemia, as pressões representadas pelo medo do adoecimento por AIDS.
No entanto, embora intensas, tais pressões teriam influência apenas parcial sobre as práticas sexuais efetivamente exercitadas pois, tal como se verifica para os dois subgrupos  e como também constatado em outras recentes pesquisas3,4,7,8, o uso do preservativo pelos jovens continua a ser feito de forma não consistente. Infere-se, assim, que outras influências ainda mais fortes e determinantes estão presentes, resultando em duas grandes possibilidades de roterização interpessoal, adiante explicadas.

Riscos, medo e biomedicalização da sexualidade
Os entrevistados compõem uma geração instada a considerar, desde a infância, as perturbações provocadas pela infecção, sintomática ou não, pelo HIV. Isto parece ter influenciado seus planos de vida sexual e, depois de iniciados, seus roteiros intrapsíquicos para as práticas sexuais efetivamente realizadas (roteiros interpessoais). Assim, o medo da AIDS configurou-se claramente como um dos panos de fundo cognitivos das narrativas obtidas.

“A última vez a gente transou sem camisinha [foi] porque a gente tinha uma relação de três anos. (...) Tento confiar, sei que a gente não vai botar a mão no fogo por ninguém, a gente tem que confiar no nosso taco, eu confiei nela, mas não tive problema nenhum.” (Ramon)
Relações de confiança recíproca pareceram compor o ideal dos envolvimentos emocionais, sendo vistas como elaborações interpessoais de mais longo prazo e que, no dizer de um entrevistado, devem ser “constantemente construídas” (Sabino). A escolha do uso ou não uso do preservativo decorreria do resultado subjetivamente aferido desta “construção”, dentro do continuum de possibilidades existentes:

“Quanto maior a confiança no parceiro, menos cuidado você toma em relação à sua saúde, à medida que a sua confiança aumenta, seu cuidado diminui.” (Serafim)

Entretanto, embora confiar seja percebido como crucial, a efetividade do caráter absoluto dessa estratégia foi questionada pelos próprios participantes (“confiança, na verdade, não existe... é uma dedução, do tipo da pessoa, da sua personalidade” – Serafim) e, em vista desta relativização, tornar-se-iam necessários outros movimentos geradores da sensação de segurança. Assim, a decisão sobre o uso ou não uso do preservativo, em uma relação sexual específica, decorreria também de outros tipos de julgamentos sobre a parceira pretendida. Ao final desse processo avaliativo, tais parcerias se dividiriam basicamente em “fixas” e “não fixas”, nos termos utilizados pelos próprios entrevistados e conforme comentado a seguir.

Terceira categoria de resultados: dois tipos de parceira sexual, “fixa” e “não fixa”
Os enredos desenvolvidos foram predominantemente heterossexuais e não parecem ser percebidas pelos narradores limitações apriorísticas à efetivação de relações sexuais, exceto aquelas decorrentes das interações bipessoais cotidianas, como não desejar, não querer e o não aceitar ter relações com uma pessoa específica. Típicas limitações apriorísticas, comuns noutras culturas ou para outras gerações, mas inexistentes nas narrativas, seriam a falta de acesso a parceiras sexuais por imposições doutrinárias religiosas ou por questões morais entre as famílias. Igualmente não fariam parte dos enredos, a julgar pelos relatos obtidos, as relações sexuais com prostitutas em que, a priori, as questões de escolha e aceitação não seriam aplicáveis. A expectativa dos entrevistados, ao contrário, é de haver acesso a parceiras sexuais sem maiores empecilhos (“vai num lugar, conhece uma menina e se engraça” – Salomão; “tinha acabado de se conhecer, e lá é assim, o pessoal se conhece e na hora [já vai] se pegando, e foi no meio da rua mesmo” - Randal).
Assim, à medida que parecem inexistir, para iniciar uma parceria afetivo-sexual, fortes barreiras culturais, morais ou religiosas, ou regras institucionais a serem rigidamente seguidas, como no casamento, impor-se-ia aos participantes a necessidade de outros tipos de balizas ordenadoras de qual tipo de interação sexual ocorrerá com essas parceiras que ainda lhes são muitas vezes estranhas, de fora de seus convívios sociais. Nestes momentos, variadas questões podem ser subitamente colocadas, exigindo uma tomada de decisão rápida e “acertada”, embora permeada de angústias:

“Ela não queria. Aí falei: ‘pô, a camisinha, aí...’ A gente nem tinha camisinha, mas [mesmo assim] eu falei. Aí, ela: ‘não, pô, sem camisinha mesmo’. Aí eu pensei bem, aí eu olhei, na hora, pô, na hora, né? Na hora agá eu errei essa coisa (...) Ela não queria, ela tava cheia de vergonha, eu acho que ela pensou que se eu parasse pra botar camisinha, o fato ia atrapalhar, como ela tava meio, tipo excitada, então aí eu acho que ela deu um... pensou que ia atrapalhar ela, aí ela não deixou eu pegar, e também eu não tinha camisinha. Foi isso, por isso que aconteceu do nada, bem no quarto dela.” (Rafael)

Diante de situações conflituosas e cruciais como essa, provavelmente comuns nos períodos de iniciação sexual, uma classificação entre parceiras “fixas” e “não fixas” parece servir para indicar com rapidez qual deve ser a prática sobre o uso do preservativo a ser seguida. O Quadro 1 condensa as características desta tipologia diádica, conforme as principais oposições enunciadas nas narrativas.
Relações sexuais sem preservativo com parceiras “não fixas” ou “não conhecidas” (Sandro) foram relatadas como exceções raras. Ocorrendo, gerariam receios intensos de contaminação pelo HIV. O uso do preservativo teria sido a regra nesse tipo de relação sexual fortuita e não planejada, indicando que o comportamento de portar o preservativo estaria incorporado ao cotidiano dos participantes.
Para uma parte dos entrevistados, no entanto, o contato com essas parceiras “não fixas” parece longe de ser o padrão desejado de interação sexual e faria somente parte do processo de busca por uma parceira “fixa”. Nessa trajetória o grau de fixidez ou proximidade com a parceira não é avaliado de maneira categórica (como seria “casada” ou “não casada”), mas sim dimensional. Em termos de tempo, a duração de uma relação “fixa” pode ser produto de anos de relacionamento ou de minutos:

“Então você beijou aquela primeira vez. Aquela pessoa, a partir dali, você deposita confiança que ela não vai beijar outra pessoa, pelo menos ao longo dos próximos dez minutos.” [Sabino]

Parcerias “fixas” comporiam, então, um conjunto extenso de possibilidades relacionais. Caracterizar-se-iam pela avaliação (pouco precisa) de haver certas regularidades e ordenamentos. Corresponderiam a relações estabelecidas depois de “rolar um sentimento”, de ser vivido um “ritual”, por vezes com uma “amiga”, ou preferencialmente com uma “pessoa certa” (Samir), com “a garota da minha vida” (Sebastião), com “minha mulher” (Rufino).
Neste tipo ideal de relacionamento, a necessidade do uso do preservativo é altamente relativizada e, quando utilizado, via de regra serviria somente a propósitos contraceptivos, mas não aos de prevenção de DST.

Quarta categoria de resultados: avaliação do estado de saúde da parceira (“uma olhada lá de perto... viu que não tem nada”)
A distinção entre um tipo e outro de parceiras sexuais exigiria, em alguns momentos, o recurso a uma espécie de semiologia que, embora não fundamentada clinicamente, parece aos entrevistados ser suficiente para discernir o estado de saúde ou doença. Valorizarm-se observações empíricas, sobretudo visuais, em possível contraposição a abstrações mais complexas (“...quando vê um problema de frente” – Rufino; “a AIDS é um vírus, você não consegue ver” – Radamés).
Algumas menções remetem ao uso de uma “semiotécnica” difícil de ser qualificada quanto ao que estaria sob exame. Precem ser considerados alguns atributos da potencial parceira, inclusive da dimensão psicológica, mas certamente pouco específicos, operacionálizáveis ou objetiváveis:

“Você vê uma pessoa assim e diz 'aquela já deve ter rodado, é rodadona’ (...) Você vê às vezes uma pessoa quietinha assim, mas eu falo 'essa aí é calma', é quase zero pau.” [Serafim]

“A gente já sabe, só de olhar, se a mulher já é piranha, pelo jeito dela ser.” (Ramon)

Um entrevistado resumiu o tipo de atributo avaliado como sendo o grau de cuidado consigo próprio que as mulheres teriam (“você vê que a pessoa tem uma certa falta de cuidado...” – Sérgio). Outros enunciados indicaram, também imprecisamente, que alguns valores estimados referem-se à estética corporal, que exerceriam influência no juízo que se faz quanto ao risco presente, associando-os à ideia de saúde ou de cuidado com a saúde (“você fica escolhendo pela cara... se a cara é bonitinha... se ela for feia, você usa camisinha” – Sálvio). Durante o próprio ato sexual, pode-se empreender uma avaliação semiológica a partir de uma empiria um pouco mais objetiva, embora igualmente não fundamentada:

“A primeira vai de camisinha, aí você vê que não tem nada de errado: mulher direita, não tem nada com cheiro ruim e tal... É sério, cara, não é brincadeira... Deu uma olhada lá de perto, viu que não tem nada acontecendo, tá tudo bem. Aí a segunda e a terceira, não precisa mais [de camisinha].” [Sálvio]

DISCUSSÃO
Consoante aos objetivos específicos estipulados, nesta discussão será destacada a função que certos elementos dos roteiros mentais (intrapsíquicos) têm em relação aos demais níveis de roteirização utilizados pelos participantes e que culminam, ou não, com o uso do preservativo.
Constantes significações simbólicas de medos e ansiedades estiveram presentes nos relatos feitos sobre os relacionamentos afetivo-sexuais. Essas angústias não se deveriam apenas às inseguranças, em dada medida universais, presentes nas aproximações eróticas interpessoais, em particular as primeiras etapas das inciações sexuais ou diante de novos parceiros. Igualmente não se restringiriam ao medo da gravidez indesejada, aparentemente comum aos enredos hegemonicamente heterossexuais de diferentes épocas e sociedades nos últimos dois séculos, e repetidos nas narrativas aqui analisadas. A esses medos e angústias históricos parecem somar-se hoje, como produto de três décadas de epidemia, as pressões representadas pelo medo do adoecimento por AIDS.
No entanto, embora intensas, tais pressões teriam influência apenas parcial sobre as práticas sexuais efetivamente exercitadas pois, tal como se verifica para os dois subgrupos  e como também constatado em outras recentes pesquisas3,4,7,8, o uso do preservativo pelos jovens continua a ser feito de forma não consistente. Infere-se, assim, que outras influências ainda mais fortes e determinantes estão presentes, resultando em duas grandes possibilidades de roterização interpessoal, adiante explicadas.

Riscos, medo e biomedicalização da sexualidade
Os entrevistados compõem uma geração instada a considerar, desde a infância, as perturbações provocadas pela infecção, sintomática ou não, pelo HIV. Isto parece ter influenciado seus planos de vida sexual e, depois de iniciados, seus roteiros intrapsíquicos para as práticas sexuais efetivamente realizadas (roteiros interpessoais). Assim, o medo da AIDS configurou-se claramente como um dos panos de fundo cognitivos das narrativas obtidas.

Relações de confiança recíproca pareceram compor o ideal dos envolvimentos emocionais, sendo vistas como elaborações interpessoais de mais longo prazo e que, no dizer de um entrevistado, devem ser “constantemente construídas” (Sabino). A escolha do uso ou não uso do preservativo decorreria do resultado subjetivamente aferido desta “construção”, dentro do continuum de possibilidades existentes:
“Quanto maior a confiança no parceiro, menos cuidado você toma em relação à sua saúde, à medida que a sua confiança aumenta, seu cuidado diminui.” (Serafim)

Entretanto, embora confiar seja percebido como crucial, a efetividade do caráter absoluto dessa estratégia foi questionada pelos próprios participantes (“confiança, na verdade, não existe... é uma dedução, do tipo da pessoa, da sua personalidade” – Serafim) e, em vista desta relativização, tornar-se-iam necessários outros movimentos geradores da sensação de segurança. Assim, a decisão sobre o uso ou não uso do preservativo, em uma relação sexual específica, decorreria também de outros tipos de julgamentos sobre a parceira pretendida. Ao final desse processo avaliativo, tais parcerias se dividiriam basicamente em “fixas” e “não fixas”, nos termos utilizados pelos próprios entrevistados e conforme comentado a seguir.

Terceira categoria de resultados: dois tipos de parceira sexual, “fixa” e “não fixa”
Os enredos desenvolvidos foram predominantemente heterossexuais e não parecem ser percebidas pelos narradores limitações apriorísticas à efetivação de relações sexuais, exceto aquelas decorrentes das interações bipessoais cotidianas, como não desejar, não querer e o não aceitar ter relações com uma pessoa específica. Típicas limitações apriorísticas, comuns noutras culturas ou para outras gerações, mas inexistentes nas narrativas, seriam a falta de acesso a parceiras sexuais por imposições doutrinárias religiosas ou por questões morais entre as famílias. Igualmente não fariam parte dos enredos, a julgar pelos relatos obtidos, as relações sexuais com prostitutas em que, a priori, as questões de escolha e aceitação não seriam aplicáveis. A expectativa dos entrevistados, ao contrário, é de haver acesso a parceiras sexuais sem maiores empecilhos (“vai num lugar, conhece uma menina e se engraça” – Salomão; “tinha acabado de se conhecer, e lá é assim, o pessoal se conhece e na hora [já vai] se pegando, e foi no meio da rua mesmo” - Randal).
Assim, à medida que parecem inexistir, para iniciar uma parceria afetivo-sexual, fortes barreiras culturais, morais ou religiosas, ou regras institucionais a serem rigidamente seguidas, como no casamento, impor-se-ia aos participantes a necessidade de outros tipos de balizas ordenadoras de qual tipo de interação sexual ocorrerá com essas parceiras que ainda lhes são muitas vezes estranhas, de fora de seus convívios sociais. Nestes momentos, variadas questões podem ser subitamente colocadas, exigindo uma tomada de decisão rápida e “acertada”, embora permeada de angústias:

“Ela não queria. Aí falei: ‘pô, a camisinha, aí...’ A gente nem tinha camisinha, mas [mesmo assim] eu falei. Aí, ela: ‘não, pô, sem camisinha mesmo’. Aí eu pensei bem, aí eu olhei, na hora, pô, na hora, né? Na hora agá eu errei essa coisa (...) Ela não queria, ela tava cheia de vergonha, eu acho que ela pensou que se eu parasse pra botar camisinha, o fato ia atrapalhar, como ela tava meio, tipo excitada, então aí eu acho que ela deu um... pensou que ia atrapalhar ela, aí ela não deixou eu pegar, e também eu não tinha camisinha. Foi isso, por isso que aconteceu do nada, bem no quarto dela.” (Rafael)

Diante de situações conflituosas e cruciais como essa, provavelmente comuns nos períodos de iniciação sexual, uma classificação entre parceiras “fixas” e “não fixas” parece servir para indicar com rapidez qual deve ser a prática sobre o uso do preservativo a ser seguida. O Quadro 1 condensa as características desta tipologia diádica, conforme as principais oposições enunciadas nas narrativas.
Relações sexuais sem preservativo com parceiras “não fixas” ou “não conhecidas” (Sandro) foram relatadas como exceções raras. Ocorrendo, gerariam receios intensos de contaminação pelo HIV. O uso do preservativo teria sido a regra nesse tipo de relação sexual fortuita e não planejada, indicando que o comportamento de portar o preservativo estaria incorporado ao cotidiano dos participantes.
Para uma parte dos entrevistados, no entanto, o contato com essas parceiras “não fixas” parece longe de ser o padrão desejado de interação sexual e faria somente parte do processo de busca por uma parceira “fixa”. Nessa trajetória o grau de fixidez ou proximidade com a parceira não é avaliado de maneira categórica (como seria “casada” ou “não casada”), mas sim dimensional. Em termos de tempo, a duração de uma relação “fixa” pode ser produto de anos de relacionamento ou de minutos:

“Então você beijou aquela primeira vez. Aquela pessoa, a partir dali, você deposita confiança que ela não vai beijar outra pessoa, pelo menos ao longo dos próximos dez minutos.” [Sabino]

Parcerias “fixas” comporiam, então, um conjunto extenso de possibilidades relacionais. Caracterizar-se-iam pela avaliação (pouco precisa) de haver certas regularidades e ordenamentos. Corresponderiam a relações estabelecidas depois de “rolar um sentimento”, de ser vivido um “ritual”, por vezes com uma “amiga”, ou preferencialmente com uma “pessoa certa” (Samir), com “a garota da minha vida” (Sebastião), com “minha mulher” (Rufino).
Neste tipo ideal de relacionamento, a necessidade do uso do preservativo é altamente relativizada e, quando utilizado, via de regra serviria somente a propósitos contraceptivos, mas não aos de prevenção de DST.

Quarta categoria de resultados: avaliação do estado de saúde da parceira (“uma olhada lá de perto... viu que não tem nada”)
A distinção entre um tipo e outro de parceiras sexuais exigiria, em alguns momentos, o recurso a uma espécie de semiologia que, embora não fundamentada clinicamente, parece aos entrevistados ser suficiente para discernir o estado de saúde ou doença. Valorizarm-se observações empíricas, sobretudo visuais, em possível contraposição a abstrações mais complexas (“...quando vê um problema de frente” – Rufino; “a AIDS é um vírus, você não consegue ver” – Radamés).
Algumas menções remetem ao uso de uma “semiotécnica” difícil de ser qualificada quanto ao que estaria sob exame. Precem ser considerados alguns atributos da potencial parceira, inclusive da dimensão psicológica, mas certamente pouco específicos, operacionálizáveis ou objetiváveis:

“Você vê uma pessoa assim e diz 'aquela já deve ter rodado, é rodadona’ (...) Você vê às vezes uma pessoa quietinha assim, mas eu falo 'essa aí é calma', é quase zero pau.” [Serafim]

“A gente já sabe, só de olhar, se a mulher já é piranha, pelo jeito dela ser.” (Ramon)

Um entrevistado resumiu o tipo de atributo avaliado como sendo o grau de cuidado consigo próprio que as mulheres teriam (“você vê que a pessoa tem uma certa falta de cuidado...” – Sérgio). Outros enunciados indicaram, também imprecisamente, que alguns valores estimados referem-se à estética corporal, que exerceriam influência no juízo que se faz quanto ao risco presente, associando-os à ideia de saúde ou de cuidado com a saúde (“você fica escolhendo pela cara... se a cara é bonitinha... se ela for feia, você usa camisinha” – Sálvio). Durante o próprio ato sexual, pode-se empreender uma avaliação semiológica a partir de uma empiria um pouco mais objetiva, embora igualmente não fundamentada:

“A primeira vai de camisinha, aí você vê que não tem nada de errado: mulher direita, não tem nada com cheiro ruim e tal... É sério, cara, não é brincadeira... Deu uma olhada lá de perto, viu que não tem nada acontecendo, tá tudo bem. Aí a segunda e a terceira, não precisa mais [de camisinha].” [Sálvio]

DISCUSSÃO
Consoante aos objetivos específicos estipulados, nesta discussão será destacada a função que certos elementos dos roteiros mentais (intrapsíquicos) têm em relação aos demais níveis de roteirização utilizados pelos participantes e que culminam, ou não, com o uso do preservativo.
Constantes significações simbólicas de medos e ansiedades estiveram presentes nos relatos feitos sobre os relacionamentos afetivo-sexuais. Essas angústias não se deveriam apenas às inseguranças, em dada medida universais, presentes nas aproximações eróticas interpessoais, em particular as primeiras etapas das inciações sexuais ou diante de novos parceiros. Igualmente não se restringiriam ao medo da gravidez indesejada, aparentemente comum aos enredos hegemonicamente heterossexuais de diferentes épocas e sociedades nos últimos dois séculos, e repetidos nas narrativas aqui analisadas. A esses medos e angústias históricos parecem somar-se hoje, como produto de três décadas de epidemia, as pressões representadas pelo medo do adoecimento por AIDS.
No entanto, embora intensas, tais pressões teriam influência apenas parcial sobre as práticas sexuais efetivamente exercitadas pois, tal como se verifica para os dois subgrupos  e como também constatado em outras recentes pesquisas3,4,7,8, o uso do preservativo pelos jovens continua a ser feito de forma não consistente. Infere-se, assim, que outras influências ainda mais fortes e determinantes estão presentes, resultando em duas grandes possibilidades de roterização interpessoal, adiante explicadas.

Riscos, medo e biomedicalização da sexualidade
Os entrevistados compõem uma geração instada a considerar, desde a infância, as perturbações provocadas pela infecção, sintomática ou não, pelo HIV. Isto parece ter influenciado seus planos de vida sexual e, depois de iniciados, seus roteiros intrapsíquicos para as práticas sexuais efetivamente realizadas (roteiros interpessoais). Assim, o medo da AIDS configurou-se claramente como um dos panos de fundo cognitivos das narrativas obtidas.

“Quanto maior a confiança no parceiro, menos cuidado você toma em relação à sua saúde, à medida que a sua confiança aumenta, seu cuidado diminui.” (Serafim)
Entretanto, embora confiar seja percebido como crucial, a efetividade do caráter absoluto dessa estratégia foi questionada pelos próprios participantes (“confiança, na verdade, não existe... é uma dedução, do tipo da pessoa, da sua personalidade” – Serafim) e, em vista desta relativização, tornar-se-iam necessários outros movimentos geradores da sensação de segurança. Assim, a decisão sobre o uso ou não uso do preservativo, em uma relação sexual específica, decorreria também de outros tipos de julgamentos sobre a parceira pretendida. Ao final desse processo avaliativo, tais parcerias se dividiriam basicamente em “fixas” e “não fixas”, nos termos utilizados pelos próprios entrevistados e conforme comentado a seguir.

Terceira categoria de resultados: dois tipos de parceira sexual, “fixa” e “não fixa”
Os enredos desenvolvidos foram predominantemente heterossexuais e não parecem ser percebidas pelos narradores limitações apriorísticas à efetivação de relações sexuais, exceto aquelas decorrentes das interações bipessoais cotidianas, como não desejar, não querer e o não aceitar ter relações com uma pessoa específica. Típicas limitações apriorísticas, comuns noutras culturas ou para outras gerações, mas inexistentes nas narrativas, seriam a falta de acesso a parceiras sexuais por imposições doutrinárias religiosas ou por questões morais entre as famílias. Igualmente não fariam parte dos enredos, a julgar pelos relatos obtidos, as relações sexuais com prostitutas em que, a priori, as questões de escolha e aceitação não seriam aplicáveis. A expectativa dos entrevistados, ao contrário, é de haver acesso a parceiras sexuais sem maiores empecilhos (“vai num lugar, conhece uma menina e se engraça” – Salomão; “tinha acabado de se conhecer, e lá é assim, o pessoal se conhece e na hora [já vai] se pegando, e foi no meio da rua mesmo” - Randal).
Assim, à medida que parecem inexistir, para iniciar uma parceria afetivo-sexual, fortes barreiras culturais, morais ou religiosas, ou regras institucionais a serem rigidamente seguidas, como no casamento, impor-se-ia aos participantes a necessidade de outros tipos de balizas ordenadoras de qual tipo de interação sexual ocorrerá com essas parceiras que ainda lhes são muitas vezes estranhas, de fora de seus convívios sociais. Nestes momentos, variadas questões podem ser subitamente colocadas, exigindo uma tomada de decisão rápida e “acertada”, embora permeada de angústias:

“Ela não queria. Aí falei: ‘pô, a camisinha, aí...’ A gente nem tinha camisinha, mas [mesmo assim] eu falei. Aí, ela: ‘não, pô, sem camisinha mesmo’. Aí eu pensei bem, aí eu olhei, na hora, pô, na hora, né? Na hora agá eu errei essa coisa (...) Ela não queria, ela tava cheia de vergonha, eu acho que ela pensou que se eu parasse pra botar camisinha, o fato ia atrapalhar, como ela tava meio, tipo excitada, então aí eu acho que ela deu um... pensou que ia atrapalhar ela, aí ela não deixou eu pegar, e também eu não tinha camisinha. Foi isso, por isso que aconteceu do nada, bem no quarto dela.” (Rafael)

Diante de situações conflituosas e cruciais como essa, provavelmente comuns nos períodos de iniciação sexual, uma classificação entre parceiras “fixas” e “não fixas” parece servir para indicar com rapidez qual deve ser a prática sobre o uso do preservativo a ser seguida. O Quadro 1 condensa as características desta tipologia diádica, conforme as principais oposições enunciadas nas narrativas.
Relações sexuais sem preservativo com parceiras “não fixas” ou “não conhecidas” (Sandro) foram relatadas como exceções raras. Ocorrendo, gerariam receios intensos de contaminação pelo HIV. O uso do preservativo teria sido a regra nesse tipo de relação sexual fortuita e não planejada, indicando que o comportamento de portar o preservativo estaria incorporado ao cotidiano dos participantes.
Para uma parte dos entrevistados, no entanto, o contato com essas parceiras “não fixas” parece longe de ser o padrão desejado de interação sexual e faria somente parte do processo de busca por uma parceira “fixa”. Nessa trajetória o grau de fixidez ou proximidade com a parceira não é avaliado de maneira categórica (como seria “casada” ou “não casada”), mas sim dimensional. Em termos de tempo, a duração de uma relação “fixa” pode ser produto de anos de relacionamento ou de minutos:

“Então você beijou aquela primeira vez. Aquela pessoa, a partir dali, você deposita confiança que ela não vai beijar outra pessoa, pelo menos ao longo dos próximos dez minutos.” [Sabino]

Parcerias “fixas” comporiam, então, um conjunto extenso de possibilidades relacionais. Caracterizar-se-iam pela avaliação (pouco precisa) de haver certas regularidades e ordenamentos. Corresponderiam a relações estabelecidas depois de “rolar um sentimento”, de ser vivido um “ritual”, por vezes com uma “amiga”, ou preferencialmente com uma “pessoa certa” (Samir), com “a garota da minha vida” (Sebastião), com “minha mulher” (Rufino).
Neste tipo ideal de relacionamento, a necessidade do uso do preservativo é altamente relativizada e, quando utilizado, via de regra serviria somente a propósitos contraceptivos, mas não aos de prevenção de DST.

Quarta categoria de resultados: avaliação do estado de saúde da parceira (“uma olhada lá de perto... viu que não tem nada”)
A distinção entre um tipo e outro de parceiras sexuais exigiria, em alguns momentos, o recurso a uma espécie de semiologia que, embora não fundamentada clinicamente, parece aos entrevistados ser suficiente para discernir o estado de saúde ou doença. Valorizarm-se observações empíricas, sobretudo visuais, em possível contraposição a abstrações mais complexas (“...quando vê um problema de frente” – Rufino; “a AIDS é um vírus, você não consegue ver” – Radamés).
Algumas menções remetem ao uso de uma “semiotécnica” difícil de ser qualificada quanto ao que estaria sob exame. Precem ser considerados alguns atributos da potencial parceira, inclusive da dimensão psicológica, mas certamente pouco específicos, operacionálizáveis ou objetiváveis:

“Você vê uma pessoa assim e diz 'aquela já deve ter rodado, é rodadona’ (...) Você vê às vezes uma pessoa quietinha assim, mas eu falo 'essa aí é calma', é quase zero pau.” [Serafim]

“A gente já sabe, só de olhar, se a mulher já é piranha, pelo jeito dela ser.” (Ramon)

Um entrevistado resumiu o tipo de atributo avaliado como sendo o grau de cuidado consigo próprio que as mulheres teriam (“você vê que a pessoa tem uma certa falta de cuidado...” – Sérgio). Outros enunciados indicaram, também imprecisamente, que alguns valores estimados referem-se à estética corporal, que exerceriam influência no juízo que se faz quanto ao risco presente, associando-os à ideia de saúde ou de cuidado com a saúde (“você fica escolhendo pela cara... se a cara é bonitinha... se ela for feia, você usa camisinha” – Sálvio). Durante o próprio ato sexual, pode-se empreender uma avaliação semiológica a partir de uma empiria um pouco mais objetiva, embora igualmente não fundamentada:

“A primeira vai de camisinha, aí você vê que não tem nada de errado: mulher direita, não tem nada com cheiro ruim e tal... É sério, cara, não é brincadeira... Deu uma olhada lá de perto, viu que não tem nada acontecendo, tá tudo bem. Aí a segunda e a terceira, não precisa mais [de camisinha].” [Sálvio]

DISCUSSÃO
Consoante aos objetivos específicos estipulados, nesta discussão será destacada a função que certos elementos dos roteiros mentais (intrapsíquicos) têm em relação aos demais níveis de roteirização utilizados pelos participantes e que culminam, ou não, com o uso do preservativo.
Constantes significações simbólicas de medos e ansiedades estiveram presentes nos relatos feitos sobre os relacionamentos afetivo-sexuais. Essas angústias não se deveriam apenas às inseguranças, em dada medida universais, presentes nas aproximações eróticas interpessoais, em particular as primeiras etapas das inciações sexuais ou diante de novos parceiros. Igualmente não se restringiriam ao medo da gravidez indesejada, aparentemente comum aos enredos hegemonicamente heterossexuais de diferentes épocas e sociedades nos últimos dois séculos, e repetidos nas narrativas aqui analisadas. A esses medos e angústias históricos parecem somar-se hoje, como produto de três décadas de epidemia, as pressões representadas pelo medo do adoecimento por AIDS.
No entanto, embora intensas, tais pressões teriam influência apenas parcial sobre as práticas sexuais efetivamente exercitadas pois, tal como se verifica para os dois subgrupos  e como também constatado em outras recentes pesquisas3,4,7,8, o uso do preservativo pelos jovens continua a ser feito de forma não consistente. Infere-se, assim, que outras influências ainda mais fortes e determinantes estão presentes, resultando em duas grandes possibilidades de roterização interpessoal, adiante explicadas.

Riscos, medo e biomedicalização da sexualidade
Os entrevistados compõem uma geração instada a considerar, desde a infância, as perturbações provocadas pela infecção, sintomática ou não, pelo HIV. Isto parece ter influenciado seus planos de vida sexual e, depois de iniciados, seus roteiros intrapsíquicos para as práticas sexuais efetivamente realizadas (roteiros interpessoais). Assim, o medo da AIDS configurou-se claramente como um dos panos de fundo cognitivos das narrativas obtidas.

Entretanto, embora confiar seja percebido como crucial, a efetividade do caráter absoluto dessa estratégia foi questionada pelos próprios participantes (“confiança, na verdade, não existe... é uma dedução, do tipo da pessoa, da sua personalidade” – Serafim) e, em vista desta relativização, tornar-se-iam necessários outros movimentos geradores da sensação de segurança. Assim, a decisão sobre o uso ou não uso do preservativo, em uma relação sexual específica, decorreria também de outros tipos de julgamentos sobre a parceira pretendida. Ao final desse processo avaliativo, tais parcerias se dividiriam basicamente em “fixas” e “não fixas”, nos termos utilizados pelos próprios entrevistados e conforme comentado a seguir.
Terceira categoria de resultados: dois tipos de parceira sexual, “fixa” e “não fixa”
Os enredos desenvolvidos foram predominantemente heterossexuais e não parecem ser percebidas pelos narradores limitações apriorísticas à efetivação de relações sexuais, exceto aquelas decorrentes das interações bipessoais cotidianas, como não desejar, não querer e o não aceitar ter relações com uma pessoa específica. Típicas limitações apriorísticas, comuns noutras culturas ou para outras gerações, mas inexistentes nas narrativas, seriam a falta de acesso a parceiras sexuais por imposições doutrinárias religiosas ou por questões morais entre as famílias. Igualmente não fariam parte dos enredos, a julgar pelos relatos obtidos, as relações sexuais com prostitutas em que, a priori, as questões de escolha e aceitação não seriam aplicáveis. A expectativa dos entrevistados, ao contrário, é de haver acesso a parceiras sexuais sem maiores empecilhos (“vai num lugar, conhece uma menina e se engraça” – Salomão; “tinha acabado de se conhecer, e lá é assim, o pessoal se conhece e na hora [já vai] se pegando, e foi no meio da rua mesmo” - Randal).
Assim, à medida que parecem inexistir, para iniciar uma parceria afetivo-sexual, fortes barreiras culturais, morais ou religiosas, ou regras institucionais a serem rigidamente seguidas, como no casamento, impor-se-ia aos participantes a necessidade de outros tipos de balizas ordenadoras de qual tipo de interação sexual ocorrerá com essas parceiras que ainda lhes são muitas vezes estranhas, de fora de seus convívios sociais. Nestes momentos, variadas questões podem ser subitamente colocadas, exigindo uma tomada de decisão rápida e “acertada”, embora permeada de angústias:

“Ela não queria. Aí falei: ‘pô, a camisinha, aí...’ A gente nem tinha camisinha, mas [mesmo assim] eu falei. Aí, ela: ‘não, pô, sem camisinha mesmo’. Aí eu pensei bem, aí eu olhei, na hora, pô, na hora, né? Na hora agá eu errei essa coisa (...) Ela não queria, ela tava cheia de vergonha, eu acho que ela pensou que se eu parasse pra botar camisinha, o fato ia atrapalhar, como ela tava meio, tipo excitada, então aí eu acho que ela deu um... pensou que ia atrapalhar ela, aí ela não deixou eu pegar, e também eu não tinha camisinha. Foi isso, por isso que aconteceu do nada, bem no quarto dela.” (Rafael)

Diante de situações conflituosas e cruciais como essa, provavelmente comuns nos períodos de iniciação sexual, uma classificação entre parceiras “fixas” e “não fixas” parece servir para indicar com rapidez qual deve ser a prática sobre o uso do preservativo a ser seguida. O Quadro 1 condensa as características desta tipologia diádica, conforme as principais oposições enunciadas nas narrativas.
Relações sexuais sem preservativo com parceiras “não fixas” ou “não conhecidas” (Sandro) foram relatadas como exceções raras. Ocorrendo, gerariam receios intensos de contaminação pelo HIV. O uso do preservativo teria sido a regra nesse tipo de relação sexual fortuita e não planejada, indicando que o comportamento de portar o preservativo estaria incorporado ao cotidiano dos participantes.
Para uma parte dos entrevistados, no entanto, o contato com essas parceiras “não fixas” parece longe de ser o padrão desejado de interação sexual e faria somente parte do processo de busca por uma parceira “fixa”. Nessa trajetória o grau de fixidez ou proximidade com a parceira não é avaliado de maneira categórica (como seria “casada” ou “não casada”), mas sim dimensional. Em termos de tempo, a duração de uma relação “fixa” pode ser produto de anos de relacionamento ou de minutos:

“Então você beijou aquela primeira vez. Aquela pessoa, a partir dali, você deposita confiança que ela não vai beijar outra pessoa, pelo menos ao longo dos próximos dez minutos.” [Sabino]

Parcerias “fixas” comporiam, então, um conjunto extenso de possibilidades relacionais. Caracterizar-se-iam pela avaliação (pouco precisa) de haver certas regularidades e ordenamentos. Corresponderiam a relações estabelecidas depois de “rolar um sentimento”, de ser vivido um “ritual”, por vezes com uma “amiga”, ou preferencialmente com uma “pessoa certa” (Samir), com “a garota da minha vida” (Sebastião), com “minha mulher” (Rufino).
Neste tipo ideal de relacionamento, a necessidade do uso do preservativo é altamente relativizada e, quando utilizado, via de regra serviria somente a propósitos contraceptivos, mas não aos de prevenção de DST.

Quarta categoria de resultados: avaliação do estado de saúde da parceira (“uma olhada lá de perto... viu que não tem nada”)
A distinção entre um tipo e outro de parceiras sexuais exigiria, em alguns momentos, o recurso a uma espécie de semiologia que, embora não fundamentada clinicamente, parece aos entrevistados ser suficiente para discernir o estado de saúde ou doença. Valorizarm-se observações empíricas, sobretudo visuais, em possível contraposição a abstrações mais complexas (“...quando vê um problema de frente” – Rufino; “a AIDS é um vírus, você não consegue ver” – Radamés).
Algumas menções remetem ao uso de uma “semiotécnica” difícil de ser qualificada quanto ao que estaria sob exame. Precem ser considerados alguns atributos da potencial parceira, inclusive da dimensão psicológica, mas certamente pouco específicos, operacionálizáveis ou objetiváveis:

“Você vê uma pessoa assim e diz 'aquela já deve ter rodado, é rodadona’ (...) Você vê às vezes uma pessoa quietinha assim, mas eu falo 'essa aí é calma', é quase zero pau.” [Serafim]

“A gente já sabe, só de olhar, se a mulher já é piranha, pelo jeito dela ser.” (Ramon)

Um entrevistado resumiu o tipo de atributo avaliado como sendo o grau de cuidado consigo próprio que as mulheres teriam (“você vê que a pessoa tem uma certa falta de cuidado...” – Sérgio). Outros enunciados indicaram, também imprecisamente, que alguns valores estimados referem-se à estética corporal, que exerceriam influência no juízo que se faz quanto ao risco presente, associando-os à ideia de saúde ou de cuidado com a saúde (“você fica escolhendo pela cara... se a cara é bonitinha... se ela for feia, você usa camisinha” – Sálvio). Durante o próprio ato sexual, pode-se empreender uma avaliação semiológica a partir de uma empiria um pouco mais objetiva, embora igualmente não fundamentada:

“A primeira vai de camisinha, aí você vê que não tem nada de errado: mulher direita, não tem nada com cheiro ruim e tal... É sério, cara, não é brincadeira... Deu uma olhada lá de perto, viu que não tem nada acontecendo, tá tudo bem. Aí a segunda e a terceira, não precisa mais [de camisinha].” [Sálvio]


DISCUSSÃO
Consoante aos objetivos específicos estipulados, nesta discussão será destacada a função que certos elementos dos roteiros mentais (intrapsíquicos) têm em relação aos demais níveis de roteirização utilizados pelos participantes e que culminam, ou não, com o uso do preservativo. 


Constantes significações simbólicas de medos e ansiedades estiveram presentes nos relatos feitos sobre os relacionamentos afetivo-sexuais. Essas angústias não se deveriam apenas às inseguranças, em dada medida universais, presentes nas aproximações eróticas interpessoais, em particular as primeiras etapas das inciações sexuais ou diante de novos parceiros. Igualmente não se restringiriam ao medo da gravidez indesejada, aparentemente comum aos enredos hegemonicamente heterossexuais de diferentes épocas e sociedades nos últimos dois séculos, e repetidos nas narrativas aqui analisadas. A esses medos e angústias históricos parecem somar-se hoje, como produto de três décadas de epidemia, as pressões representadas pelo medo do adoecimento por AIDS.
No entanto, embora intensas, tais pressões teriam influência apenas parcial sobre as práticas sexuais efetivamente exercitadas pois, tal como se verifica para os dois subgrupos  e como também constatado em outras recentes pesquisas3,4,7,8, o uso do preservativo pelos jovens continua a ser feito de forma não consistente. Infere-se, assim, que outras influências ainda mais fortes e determinantes estão presentes, resultando em duas grandes possibilidades de roterização interpessoal, adiante explicadas.

Riscos, medo e biomedicalização da sexualidade
Os entrevistados compõem uma geração instada a considerar, desde a infância, as perturbações provocadas pela infecção, sintomática ou não, pelo HIV. Isto parece ter influenciado seus planos de vida sexual e, depois de iniciados, seus roteiros intrapsíquicos para as práticas sexuais efetivamente realizadas (roteiros interpessoais). Assim, o medo da AIDS configurou-se claramente como um dos panos de fundo cognitivos das narrativas obtidas. 



DISCUSSÃO
Consoante aos objetivos específicos estipulados, nesta discussão será destacada a função que certos elementos dos roteiros mentais (intrapsíquicos) têm em relação aos demais níveis de roteirização utilizados pelos participantes e que culminam, ou não, com o uso do preservativo. 

Constantes significações simbólicas de medos e ansiedades estiveram presentes nos relatos feitos sobre os relacionamentos afetivo-sexuais. Essas angústias não se deveriam apenas às inseguranças, em dada medida universais, presentes nas aproximações eróticas interpessoais, em particular as primeiras etapas das inciações sexuais ou diante de novos parceiros. Igualmente não se restringiriam ao medo da gravidez indesejada, aparentemente comum aos enredos hegemonicamente heterossexuais de diferentes épocas e sociedades nos últimos dois séculos, e repetidos nas narrativas aqui analisadas. A esses medos e angústias históricos parecem somar-se hoje, como produto de três décadas de epidemia, as pressões representadas pelo medo do adoecimento por AIDS.
No entanto, embora intensas, tais pressões teriam influência apenas parcial sobre as práticas sexuais efetivamente exercitadas pois, tal como se verifica para os dois subgrupos  e como também constatado em outras recentes pesquisas3,4,7,8, o uso do preservativo pelos jovens continua a ser feito de forma não consistente. Infere-se, assim, que outras influências ainda mais fortes e determinantes estão presentes, resultando em duas grandes possibilidades de roterização interpessoal, adiante explicadas.

Riscos, medo e biomedicalização da sexualidade
Os entrevistados compõem uma geração instada a considerar, desde a infância, as perturbações provocadas pela infecção, sintomática ou não, pelo HIV. Isto parece ter influenciado seus planos de vida sexual e, depois de iniciados, seus roteiros intrapsíquicos para as práticas sexuais efetivamente realizadas (roteiros interpessoais). Assim, o medo da AIDS configurou-se claramente como um dos panos de fundo cognitivos das narrativas obtidas.

Riscos, medo e biomedicalização da sexualidad.

Os entrevistados compõem uma geração instada a considerar, desde a infância, as perturbações provocadas pela infecção, sintomática ou não, pelo HIV. Isto parece ter influenciado seus planos de vida sexual e, depois de iniciados, seus roteiros intrapsíquicos para as práticas sexuais efetivamente realizadas (roteiros interpessoais). Assim, o medo da AIDS configurou-se claramente como um dos panos de fundo cognitivos das narrativas obtidas. 

Na instância de roteirização intrapsíquica, que compreende os planejamentos para ações futuras e os guias mentais para condutas no presente13, a ideia de “sexualidade” caminha paralelamente, para os entrevistados, à ideia de “doença”. Quando ouvem e falam em “saúde sexual”, enfatizam preponderantemente a ideia de práticas biomédicas avaliativas (como os exames sorológicos), embora a incorporação de abstrações científicas sobre “contaminação” e “doenças” lhes seja aparentemente difícil. O entendimento de mecanismos e processos biopatológicos e epidemiológicos, tais como teorizados pelas ciências da saúde, fogem certamente do alcance do senso comum e os riscos de contaminação pelo HIV e de desenvolvimento da AIDS parecem configurar-se, para os participantes, como um risco moderno, no sentido de necessitar de olhos especializados da cultura científica para ser compreendido de forma abrangente.

Saúde sexual é, então, vista por alguns participantes como cingida por exames e por outros aspectos de uma atenção eminentemente biomédica, entre eles o cuidado especializado com determinados aparelhos corporais. A já tradicional relação longitudinal das mulheres com o processo de cuidado ginecológico com seus aparelhos genitais foi vista como parte de um modelo ideal de cuidados à saúde. Algo correspondente pode passar a ser almejado também pelos entrevistados, na forma do recurso a especialistas focais, tendo o médico urologista sido mencionado, em particular pelos entrevistados com nível superior de escolaridade. Houve, no entanto, referências à ideia desses cuidados, não efetivado por nenhum deles, tendo os participantes “S” expressado sentirem-se em falta com isso.
A tomar pelos relatos, ser examinado é visto como habitual para as mulheres, mas não para os homens que, antes, tenderiam a examinar o corpo feminino, inclusive com a finalidade de detectar problemas. Parece assim ocorrer uma incorporação aos roteiros sexuais de aspectos de uma episteme tipicamente médica, sendo chamativas as menções dos participantes ao exercício de uma semiologia do estado de saúde da parceira. Como descrito nos Resultados, relatou-se mesmo um simulacro de exame ginecológico durante a relação sexual (“deu uma olhada lá de perto... viu que não tem nada acontecendo...” - Sálvio). 

Ainda quanto à incorporação da episteme médica, a postura semiológica empreendida parece estender-se a um tipo de avaliação psicopatológica, em que se procura conjecturar, a partir do exame das biografias das mulheres pretendidas e de seus comportamentos diretamente observáveis, se há elementos suficientes em suas personalidades que permitam supor estabilidade e confiança. Isto, basicamente, para inferir as chances de traição futura ou de “uma vida sexual muito movimentada” no passado (Sandro). 

Embora tenha também havido menções de serem riscos para suas parceiras, isto foi pouco enfatizado, talvez em função das dificuldades de se colocarem na posição de infectantes, algo possivelmente denunciador, em seus imaginários, de infrações a um habitus heteronormativo. A necessidade de vigiar e controlar o corpo e a personalidade das mulheres, aparentemente engendrada pela premissa “trágica” de malignidade feminina10 (p.44), estaria se valendo de uma medicalização da sexualidade: a medicina oficial e seus instrumentos biotecnológicos forneceriam os parâmetros de uma sexualidade saudável, participando da vida cotidiana dos entrevistados. Exemplos disso seriam a apologia à periodicidade de exames sorológicos e a tentativa de incorporação da episteme médica, independentemente da nulidade da eficácia da semiotécnica utilizada, atéorica e atada a uma empiria imediata. 

Postula-se, assim, ocorrer uma dissonância entre o que se considera adequado, a priori, fazer para evitar riscos (isto é, agir conforme as informações que se têm, independentemente do nível de abstração atingido sobre elas) e o que se pode fazer (a colocação em prática desses planos de ação, confusamente fundamentados), gerando intensos conflitos que influenciam os roteiros sexuais interpessoais efetivamente realizados com as parceiras pretendidas. O medo da doença e da morte e a apreensão diante dos riscos de contaminação que não podem ser previstos com exatidão, promoveriam uma profunda adaptação das práticas instituídas nesses roteiros sexuais interpessoais.
Concomitância de dois roteiros sexuais, de acordo com o "tipo" de parceira
Como mencionado, os participantes valorizaram a questão da confiança em suas parceiras e, para isso, na tentativa de diminuir os riscos, avaliam suas biografias e seus corpos. O termo confiança e palavras correlatas foram utilizados ubiquamente e tal desejo de confiar parece parte de um pano de fundo emocional (roteiro intrapsíquico) com que se procura iniciar um relacionamento “fixo”.


Há indícios no corpus de que se mantém a tendência, que parece tradicional da masculinidade nas últimas várias gerações, de diferenciar as mulheres segundo uma tipologia diádica (Quadro 1), de acordo com a pretensão de fixidez que se tenha em relação a elas, mesmo que seja um regime pensado somente para as mulheres ou uma monogamia em série para ambos os sexos. Trata-se da diferenciação entre mulheres virtuosas, casadouras e decentes (não expostas a outros homens) em contraposição às pecaminosas, não destinadas ao casamento e vadias (expostas a outros homens que são, possivelmente, também eles próprios, considerados infectantes). Embora permanceçam em alguns relatos, parece haver uma atenuação dos julgamentos morais imiscuidos a esses adjetivos (v. Quadro 1), o que pode representar a adoção, na dimensão dos roteiros intrapsíquicos, das premissas de igualdade civil entre os sexos. Entretanto, perseveram as pretensões de instituir relações compromissadas com as mulheres que seriam produtos de escolhas “certas” e que, em gerações anteriores, poderiam ser aquelas consideradas “para casamento”. Persevera igualmente a localização das não destinadas ao casamento como fora do ambiente doméstico (“da rua”, “da pista”), ou seja, mulheres cujos corpos se expõem a outros homens. Pela estabilidade com que é expressa, tal tipologia parece útil à compreensão dos comportamentos sexuais masculinos, já sendo utilizada em vários estudos brasileiros. Villarinho et al25, por exemplo, contrapuseram as parcerias “fixas” (esposa, companheira ou namorada) àquelas “casuais” e às “frequentes” (porém não “fixas”). 


No sentido do almejo de uma união matrimonial, o enredo hegemônico presente nas narrativas é não apenas heterossexual e heteronormativo, mas caracteriza-se também pelo almejo de um amor romântico24 que, embora separado da ideia de um casamento formal no futuro, valoriza fortemente a ideia de um relacionamento íntimo monogâmico e duradouro.

COMENTÁRIOS FINAIS

Concomitância de dois roteiros sexuais, de acordo com o "tipo" de parceira
Como mencionado, os participantes valorizaram a questão da confiança em suas parceiras e, para isso, na tentativa de diminuir os riscos, avaliam suas biografias e seus corpos. O termo confiança e palavras correlatas foram utilizados ubiquamente e tal desejo de confiar parece parte de um pano de fundo emocional (roteiro intrapsíquico) com que se procura iniciar um relacionamento “fixo”. 

Há indícios no corpus de que se mantém a tendência, que parece tradicional da masculinidade nas últimas várias gerações, de diferenciar as mulheres segundo uma tipologia diádica (Quadro 1), de acordo com a pretensão de fixidez que se tenha em relação a elas, mesmo que seja um regime pensado somente para as mulheres ou uma monogamia em série para ambos os sexos. Trata-se da diferenciação entre mulheres virtuosas, casadouras e decentes (não expostas a outros homens) em contraposição às pecaminosas, não destinadas ao casamento e vadias (expostas a outros homens que são, possivelmente, também eles próprios, considerados infectantes). Embora permanceçam em alguns relatos, parece haver uma atenuação dos julgamentos morais imiscuidos a esses adjetivos (v. Quadro 1), o que pode representar a adoção, na dimensão dos roteiros intrapsíquicos, das premissas de igualdade civil entre os sexos. Entretanto, perseveram as pretensões de instituir relações compromissadas com as mulheres que seriam produtos de escolhas “certas” e que, em gerações anteriores, poderiam ser aquelas consideradas “para casamento”. Persevera igualmente a localização das não destinadas ao casamento como fora do ambiente doméstico (“da rua”, “da pista”), ou seja, mulheres cujos corpos se expõem a outros homens. Pela estabilidade com que é expressa, tal tipologia parece útil à compreensão dos comportamentos sexuais masculinos, já sendo utilizada em vários estudos brasileiros. Villarinho et al25, por exemplo, contrapuseram as parcerias “fixas” (esposa, companheira ou namorada) àquelas “casuais” e às “frequentes” (porém não “fixas”).
No sentido do almejo de uma união matrimonial, o enredo hegemônico presente nas narrativas é não apenas heterossexual e heteronormativo, mas caracteriza-se também pelo almejo de um amor romântico24 que, embora separado da ideia de um casamento formal no futuro, valoriza fortemente a ideia de um relacionamento íntimo monogâmico e duradouro.


COMENTÁRIOS FINAIS
Pelo menos desde o final da década  as taxas de incidência de casos notificados de AIDS nas sucessivas coortes de jovens brasileiros mantêm-se inquietantemente estáveis, ao redor de cerca de 15 a 20 por cem mil habitantes, na faixa etária entre os 20 e 24 anos. A questão continua, portanto, a configurar-se como como um problema para a saúde pública brasileira, a despeito de avanços constatados nos conhecimentos, atitudes e práticas preventivas desses jovens.
A hipótese de que a complexa dinâmica psicocultural vivida pelos atores sociais contribui decisivamente para as condutas sexuais (quanto ao uso não consistente do preservativo) parece ratificada, no que pese o forte enraizamento no universo cognitivo dos participantes da racionalidade veiculada pelas ações em educação sexual. Pôde-se verificar um descompasso entre os chamados roteiros sexuais intrapsíquicos em relação aos roteiros sexuais culturais, dimensão esta considerada mais próxima à do habitus masculino. Por exemplo, a “necessidade do urologista” comentada pelos participantes (ou seja, a ideia do homem como objeto específico de atenção médica, uma novidade recente em termos cognitivos) se contrapõe ao habitus masculino vigilante sobre a “malignidade” feminina – nos termos de Pierre Bourdieu –, correspondendo à permanência cultural de uma tradição presente há pelo menos dois séculos e que coloca a mulher como objeto de atenção. Assim, a adoção pelos entrevistados das premissas de igualdade civil entre os sexos ocorre paralelamente à manutenção de uma tipologia diádica que desqualifica parcela significativa das mulheres. Do mesmo modo, a adoção da ideia de legitimidade da episteme médica voltada para os homens contrasta com a prática desta mesma episteme no próprio exercício da sexualidade, com tendência ao controle semiológico da saúde das mulheres. Tais contrapontos parecem atestar que mudanças nos roteiros intrapsíquicos e interpessoais não correspondem de imediato a mudanças profundas nos roteiros culturais, mais inertes.
As três instâncias de roteirização sexual postuladas por John Gagnon parecem passar por adaptações à situação aterrorizante, em termos psicoculturais, representada pela epidemia de AIDS. Medos constantes relacionados à infecção e à doença permeariam o processo de iniciação sexual dos entrevistados, que nasceram durante a emergência da epidemia e viveram suas primeiras experiências sexuais sob as influências de campanhas preventivas. Tratar-se-ia de uma roteirização intrapsíquica reativa a este medo, que influenciaria sobretudo os modos de compreensão dos agentes sociais sobre suas práticas sexuais e de auto-cuidado, mas nem sempre influenciando as práticas realmente efetivadas, passíveis de mudanças somente, talvez, no decurso de gerações. Os elementos cognitivos de tal roteirização reativa não pareceram diferenciar-se substancialmente nos dois grupos de jovens entrevistados, sendo as diferenças de frequências dos roteiros interpessoais efetivados pelos dois grupos (retratados, quanto ao uso do preservativo, talvez devidas apenas às diferenças de oportunidades de relações sexuais; com parceiras não fixas, sendo mais frequente entre os jovens do grupo II, de mais baixa escolaridade.
Como em qualquer pesquisa qualitativa, as interpretações feitas no presente texto podem ser consideradas válidas internamente à amostra de sujeitos abordada, à medida que se procurou pautá-las empiricamente. A validade externa dessas interpretações poderá ser auferida ao longo do tempo, no diálogo que se seguirá com a comunidade científica e com o próprio universo populacional estudado.

DIAGNÓSTICO
Neste contexto, o problema dos resíduos domésticos vem se agravando nas áreas carentes.
A dificuldade das companhias de limpeza urbana em recolher o lixo, devido ao traçado irregular dos armamentos, dimensões incompatíveis com os equipamentos convencionais e a topografia irregular da região são razões para que o serviço de limpeza retire apenas cerca de 30% do lixo produzido nas favelas, apesar de diversas tentativas e do esforço em se desenvolver tecnologias alternativas para viabilizar a solução do problema do lixo nas favelas.2,5.
A situação em que se encontram as populações tem como conseqüências:
— poluição visual do ambiente;
— acúmulo de lixo em grandes bolsões, causando a desestabilização de terrenos e estruturas existentes;
— contaminação do solo e das águas;
— entupimento de canais e redes de esgoto e de drenagem;
— obstrução do leito de rios causada por lançamento de lixo pelas populações de favelas situadas a suas margens, causando, em épocas de chuvas, a inundação da favela;
— proliferação de insetos, roedores e microorganismos patogênicos.4
Como ilustração, basta o exemplo da leptospirose, que, segundo pesquisa desenvolvida pela Fundação Oswaldo Cruz, infecta 60% dos ratos adultos capturados no Parque Carlos Chagas, uma favela do Rio de Janeiro.
Várias tentativas têm sido feitas em busca de soluções para o problema.2,5.
De um lado, há as soluções espontâneas por parte das comunidades que se organizam em associações. Algumas tentativas bastante interessantes, apesar do desconhecimento técnico, escassez de recursos e descaso de grupos da própria coletividade. De outro lado, diversas entidades trabalham na pesquisa de soluções não-convencionais para a solução do problema.
A Fundação Oswaldo Cruz, através da Escola Nacional de Saúde Pública, cuja filosofia de ação para o problema é de um "Planejamento Global de Favela por Favela", no qual melhorias de saneamento devem ser inseridas, realiza estudos para a solução do problema do lixo em particular.

SOLUÇÕES ESTUDADAS POR DIVERSAS INSTITUIÇÕES QUE TRABALHAM COM FAVELAS NO RIO DE JANEIRO
— Sistema de coleta interna, organizado pela Associação de Moradores e apoio do Serviço Municipal de Limpeza, para retirada de "bolsões de lixo" acumulado nas favelas. Este sistema é feito através de mutirão, com utilização de equipamentos simples de propriedade dos próprios moradores, tais como: pás, vassouras, padiolas, carrinhos de mão, etc. O sucesso deste tipo de solução depende da campanha educativa e promocional que antecede ao evento e também da disponibilidade do Serviço de Limpeza em retirar regularmente o lixo coletado da comunidade. Em resumo, esta solução é válida se após a retirada dos "bolsões de lixo" entrar em funcionamento um sistema regular de coleta que impeça um novo acúmulo de lixo.
— Colocação de caçambas do tipo "Dempter" nas ruas em que seja possível o trânsito do equipamento transportador.
Alguns problemas são verificados neste tipo de solução: — A distância do domicílio ao local da caçamba muitas vezes desestimula os moradores a levarem o lixo à caçamba, dando um destino impróprio ao mesmo; — A pequena capacidade ou a não retirada da caçamba pela companhia de limpeza na freqüência necessária faz com que o lixo transborde, sujando a rua e atraindo animais para seu interior.
— Execução de silos de lixo fixos representam o mesmo problema do caso anterior, agravado quando não se tem dispositivo de retirada automática do lixo.
— Rampas do tipo calha para descida do lixo até pontos de transferência usadas em favelas de terrenos íngremes. Requerem operação permanente.
— Veículos motorizados de dimensões menores, não convencionais, que têm um raio de ação maior, atingindo um número superior de ruas com coleta domiciliar, periódica. Resultados ainda não conclusivos.
— Utilização de incineradores nas comunidades: solução abandonada devido ao seu elevado custo de implantação e falta de recursos para manter o equipamento em funcionamento, causador de incêndios por operação indevida e de poluição atmosférica devida aos gases provenientes da queima de lixo.
— Deposição da matéria orgânica do lixo em biodigestores. Estudo ainda não conclusivo, mas certamente depende da solução do transporte.

Obesidade e pobreza: o aparente paradoxo.
Nas últimas décadas, a população brasileira experimentou intensas transformações em suas condições de nutrição, especialmente com o incremento da obesidade. De acordo com a Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição, realizada em 1989, 32,0% dos adultos apresentaram excesso de peso. No entanto, a distribuição do problema não é homogênea. A maior prevalência ocorre em mulheres pobres da Região Sudeste do país. A compreensão desse aparente paradoxo impõe a busca de abordagens capazes de superar interpretações simplistas sobre as práticas alimentares. Assim, o objetivo desse estudo é compreender a obesidade combinada à pobreza, focalizando além dos determinantes econômicos, constrangimentos de natureza cultural e simbólica. Nesta perspectiva, o estudo analisou o cotidiano de vida de mulheres pobres e obesas, usuárias de um Centro Municipal de Saúde e moradoras da Favela da Rocinha, Rio de Janeiro. Os resultados revelaram a complexidade da relação entre obesidade e pobreza. Os aspectos culturais e materiais de vida, assim como as diferentes concepções de alimentação e de corpo demonstraram ser elementos fundamentais para a análise das múltiplas faces da obesidade no Brasil.

Pobreza; Obesidade; Estado Nutricional; Hábitos Alimentares

A obesidade é uma doença crônica definida como o acúmulo excessivo de tecido adiposo num nível que compromete a saúde dos indivíduos 1. Embora sua etiologia não esteja totalmente esclarecida, existe um certo consenso na literatura de que ela é causada pela interação de fatores genéticos, metabólicos, endócrinos, nutricionais, psicossociais e culturais que conferem a essa enfermidade uma natureza multifatorial 7. Operacionalmente, é diagnosticada pelo parâmetro estipulado pela OMS 1 ­ o IMC, obtido por intermédio do cálculo da relação entre peso corpóreo [kg] e estatura [m2] dos indivíduos. Com tal parâmetro são considerados obesos os indivíduos cujo IMC encontra-se num valor igual ou superior a 30kg/m2.
Pode-se dizer que a obesidade é um atributo físico, percebido, interpretado e influenciado pelo sistema social. Valores sócio-culturais relacionados à obesidade podem, por conseguinte, variar de uma sociedade para outra, nos diferentes contextos históricos. Neste sentido, a corpulência que no passado esteve associada à idéia de saúde no imaginário coletivo hoje tem seu significado transformado 3,8. Segundo Baudrillard 9 (p. 139), nas sociedades modernas têm vigorado, atualmente, uma "nova ética em relação ao corpo: o culto narcisista, dietético, higiênico e terapêutico". O corpo desejado hoje é o funcional por vincular-se a símbolos de beleza, realização pessoal e erotismo. No entanto, padrões definidos para a obesidade assumem contornos distintos em cada sociedade e também entre diferentes grupos sociais. Em algumas sociedades a obesidade feminina tem sido caracterizada como símbolo de beleza e maternidade 8. Mulheres jovens africanas desenvolvem a obesidade com o intuito de incrementar seus atributos físicos e melhorar suas relações conjugais 3. A percepção da obesidade em homens e mulheres também pode ser distinta: como alguns estudiosos têm observado a obesidade pode estar associada às idéias de "sucesso econômico, força política e condição social" 8 (p. 355). Os líderes políticos na tribo Novo Guinca são homens obesos. Em Bemba, África do Sul, o excesso de gordura nos homens representa além de sucesso econômico, força espiritual. Estereótipos são criados e recriados em torno das relações entre corpo, força e liderança.

De acordo com Mauss  "o corpo é o primeiro e o mais natural instrumento do homem" e, cada sociedade impõe ao homem uma expectativa em torno do corpo. Para Foucault 11, em qualquer sociedade o corpo é um lócus de poder. Neste sentido, os corpos podem ser submissos ­ "corpos dóceis" ­ sujeitos a coerções e domínios ou também a experiências de confronto e resistência. Nesta direção, Boltanski  afirma que a preocupação que os sujeitos depositam sobre o corpo "cresce quando eles se elevam na hierarquia social". Para o autor, os cuidados estéticos tendem a predominar entre as classes sociais privilegiadas em que se verifica o maior consumo de produtos de tratamento para o corpo e a prática de um estilo de vida mais saudável. Essas ações podem ser explicadas pela relação mais reflexiva com o corpo por parte desses segmentos, em função do melhor nível educacional e intelectual. Além disso, para Sobal 3, a condição material do grupo permite a adesão a um estilo de vida saudável. À medida que tais segmentos normalmente assumem ocupações de prestígio e usufruem de maior autonomia, existiria, portanto, uma tendência maior à incorporação de tais comportamentos. Inversamente, nas classes populares a atenção prestada ao corpo pode ser menos freqüente. Particularmente neste grupo, o uso do corpo pode compreender uma visão mais utilitária, fruto da importância da força física nas ocupações desempenhadas . Contudo, vale ressaltar que atualmente o corpo magro e atlético tem sido valorizado e imposto pela mídia e pela moda com impacto importante, sobretudo nas classes média e alta. Mas também atinge as classes populares em que se verifica a admiração por modelos e atrizes de televisão que apresentam esses estereótipos de corpo. Interessante notar que contrariamente existe por parte das camadas socialmente abastadas a veiculação do corpo "gordo" a pessoas que realizam funções mais modestas como as cozinheiras, revelando que os estereótipos estão presentes, demarcando muitas vezes a condição social.
A perspectiva da construção social do corpo tem servido de fundamento para diferentes trabalhos sócio-antropológicos. Nesses estudos as desigualdades no acesso aos alimentos podem conduzir os grupos menos favorecidos a diferentes arranjos de sobrevivência. As estratégias de consumo alimentar estariam, assim, caracterizadas pela seleção de gêneros baratos e de alta densidade calórica como as gorduras e os açúcares através dos quais os pobres conseguem as calorias de que necessitam para sobreviver. Fundamentalmente, tais condutas apresentam-se como recurso importante para combater a fome ­ ameaça permanente no cotidiano diário das classes populares 16.
Segundo Aguirré, condutas de subconsumo alimentar têm afetado particularmente as mulheres pobres como conseqüência da "auto-exclusão de comida em favor das crianças e do marido"
. Foi o que constatou a autora em estudo com mulheres pobres e obesas argentinas. O papel social assumido pelas mulheres enquanto donas de casa no controle e na distribuição da comida no lar favorecia a negligência do seu próprio consumo. Dessa forma, Aguirré observou que as mulheres obesas argentinas obtinham a sensação de plenitude e combatiam a fome através do consumo de pães e infusões açucaradas. Para a autora, este padrão de alimentação associado à desvalorização social do corpo sofrida por essas mulheres tem contribuído para a prevalência de obesidade no grupo. Para maior aprofundamento sobre esta questão ver Gross 17. Nesta mesma direção, os trabalhos de Silva 18 e Tonial 19 com mulheres obesas de baixa renda no Brasil revelaram um padrão de consumo alimentar insuficiente sob o ponto de vista nutricional. Segundo as autoras, as precárias condições de vida dessas mulheres impunham a seleção de itens altamente calóricos e de baixo valor nutritivo.

Universo do estudo: o Centro Municipal de Saúde da Gávea e a Favela da Rocinha
O CMS da Gávea localiza-se na zona sul do Município do Rio de Janeiro e possui uma população adstrita de cerca de 210 mil habitantes. Abrange os bairros de Ipanema, Lagoa, Jardim Botânico, Gávea e São Conrado. E as comunidades da Rocinha, do Vidigal, Vila Canoas, Parque da Vila da Cidade, Chácara do Céu e Horto. As mulheres investigadas eram usuárias do CMS da Gávea e moradoras da Favela da Rocinha. A Rocinha situa-se no morro Dois Irmãos e foi outorgada bairro no ano de 1993. Apresenta uma enorme diversidade sócio-econômica, demográfica e cultural, sendo considerada a maior favela da América Latina. Os dados acerca de seu contingente populacional, ainda que controversos, revelam a permanente expansão da favela. A associação de moradores do bairro afirma que a população atualmente é composta por 200 mil habitantes com taxas anuais de crescimento de 3,07%. O perfil sócio-demográfico da Rocinha revela que sua população é predominantemente de adultos jovens com um contingente maior de indivíduos do sexo feminino. No que se refere à renda, constatou-se uma faixa de rendimentos entre um e cinco salários mínimos mensais. O perfil dos moradores revela, ainda, que a maior parte é imigrante, oriunda de estados da Região Nordeste do país 20.

Histórias de vida, histórias de luta: metodologia e o universo social da pesquisa
Este estudo buscou uma aproximação com o vocabulário sobre a alimentação, o corpo, a vida, o trabalho e a obesidade das mulheres da Rocinha por intermédio de instrumental qualitativo. A pesquisa qualitativa assume como tarefa central o entendimento da realidade humana vivida socialmente 21. Neste tipo de metodologia a preocupação central não é a quantificação, mas a compreensão intrínseca de seu objeto de análise em que é priorizado um amplo universo de valores, percepções, hábitos e atitudes dos sujeitos 22.
O trabalho de campo totalizou 12 entrevistas. Os critérios para a seleção do grupo incluíram: o diagnóstico da obesidade com base no parâmetro do IMC e a caracterização da condição de vulnerabilidade social pelo levantamento de informações sobre condições de vida e pobreza. Neste último critério, fizemos uso de uma cesta de indicadores tal com propõe a literatura 23,24. Esta incluiu dados sobre renda, nível educacional, situação do domicílio, estrutura familiar, acesso a bens e serviços, condições de trabalho e lazer, entre outras informações. O instrumento para a coleta de dados seguiu um roteiro previamente estabelecido compreendendo quatro eixos investigativos. O primeiro constou de informações acerca da rotina alimentar das entrevistadas incluindo a aquisição dos gêneros, preparo, consumo, preferências e aversões alimentares. No segundo eixo, foram obtidos dados sobre a rotina diária de atividade física: meios de locomoção, tipo de atividade ocupacional, realização de atividade esportiva de lazer e horas assistindo à televisão. O terceiro eixo investigativo resgatou informações sobre a trajetória de vida das mulheres. Por último, foram obtidos dados sobre as percepções das mulheres quanto ao seu corpo, alimentação, condições de vida e trabalho. Oportuno destacar que nesta investigação foram cumpridos os princípios éticos contidos na Declaração de Helsinki.

Dentre as 12 mulheres entrevistadas, sete apresentaram obesidade classe I e cinco obesidade classe II com riscos de co-morbidade moderado e grave, respectivamente 1. No que diz respeito à faixa etária do nosso universo de pesquisa as mulheres apresentaram idades que variaram entre 34 a 60 anos. Na análise dos indicadores, combinaram-se dados, o que teve por objetivo discriminar mulheres submetidas a condições de vulnerabilidade social. Neste sentido, observou-se que no que se refere à cor, as mulheres entrevistadas eram em sua maioria pretas ou pardas. Esta característica está intimamente relacionada à pobreza no Brasil 25. A baixa escolaridade também é uma característica dos pobres no país 25. Neste aspecto, as mulheres da Rocinha apresentaram baixo nível educacional: menos de três anos de estudo. O perfil relaciona-se também a menores oportunidades de conquistar postos de trabalho de maior qualificação e melhor condição salarial. Assim, as mulheres se encontravam inseridas em ocupações de trabalho de menor prestígio exercendo atividades de diarista, doméstica, costureira, manicure, artesã, entre outras. Verificou-se que a vulnerabilidade à pobreza era agravada pela falta de uma rede de proteção social. As mulheres não apresentavam vínculos trabalhistas, desempenhando suas atividades sem carteira assinada. Além disso, o grupo não participava de nenhum tipo de programa governamental. A adesão a projetos como cheque-cidadão, bolsa alimentação e vale-refeição não foi verificada. A desqualificação das ocupações exercidas por essas mulheres se reflete em baixos rendimentos: a média salarial encontrada foi de um a dois salários mínimos mensais. Quanto aos arranjos familiares, podemos caracterizá-los como múltiplos, e a maior parte das informantes foi considerada chefe do domicílio. De acordo com Rocha : "famílias chefiadas por mulheres são mais vulneráveis à pobreza", no Brasil.

Na obtenção de informações acerca da trajetória de vida das mulheres foi possível verificar que a maioria das entrevistadas era imigrante, proveniente do Nordeste do país. Essas mulheres revelaram ter vivenciado um passado sofrido, de luta pela sobrevivência em meio à miséria e ao árduo trabalho do roçado. De acordo com elas, era do roçado que provinha a alimentação de toda a família. Na roça, plantavam a "mandioca", o "milho", o "feijão", o "inhame", a "abóbora", a "batata", gêneros comumente empregados em solos como os do Nordeste semi-árido. E deles obtinham uma variedade de preparações tais como: a "farinha", a "tapioca", o "beiju" e a "pamonha". Também realizavam pequenas criações de "fundo de quintal", especialmente a criação da "galinha" e do "porco".
A árdua vida na terra natal é transformada em um cotidiano igualmente difícil com a vinda para o Rio de Janeiro. As mulheres realizavam dupla jornada de trabalho que incluía os afazeres domésticos, os cuidados com os filhos e as ocupações do trabalho informal. E, ainda, a rotina de subir e descer as ladeiras da favela, as tensões desencadeadas pela falta de recursos, pelo convívio com a criminalidade e a violência urbana. Esta realidade foi expressa freqüentemente em declarações do tipo: "é muita luta!". Nos relatos das mulheres da Favela da Rocinha, raramente foram citados momentos de descanso e lazer. O hábito de assistir à televisão não se fez presente na rotina dessas mulheres: "não dá tempo nem de ver televisão. Com três filhos, se eu parar pra ver televisão as coisas acumulam"; "eu quase não vejo televisão". As atividades físicas de lazer demonstraram ser raras. Somente duas entrevistadas revelaram o hábito de fazer "caminhadas" com alguma regularidade.

Percepções acerca da alimentação e do corpo obeso
A rotina de alimentação das mulheres pobres e obesas da Rocinha foi analisada dentro da perspectiva qualitativa objetivando colher informações acerca dos critérios para a seleção dos alimentos. Neste sentido, verificou-se que a aquisição e o preparo dos gêneros são atividades realizadas pelas próprias mulheres. São elas que gerenciam a alimentação da família. A compra dos alimentos é feita em hipermercados localizados em bairros adjacentes à Rocinha ou na própria favela. O pagamento da alimentação adquirida é feito à vista, sempre em dinheiro revelando a exclusão do grupo da dinâmica do mercado de crédito.

Dentro dos critérios para o consumo alimentar no grupo, constatou-se a estreita relação existente entre alimentação e condições sócio-econômicas. O critério de seleção dos alimentos pelas mulheres da Rocinha é pautado, muitas vezes, pelo valor monetário dos gêneros. O preço dos itens define em algumas situações a seleção dos alimentos: "eu vou pelo preço"; "o que tiver mais barato eu compro". Condições adversas de vida fazem da aquisição dos alimentos uma prática extremamente penosa para o grupo: "às vezes, falta e não tem como comprar"; "sempre falta alguma coisa". Para as mulheres é a pobreza que justifica a alimentação que conseguem realizar "pobre tem que comer o que o dinheiro dá"; "tem que comer o que tem". O regime alimentar das entrevistadas revelou ser monótono, com poucas variações do cardápio, composto basicamente por três refeições diárias: café da manhã, almoço e jantar. No entanto, a centralidade do regime recai sobre a refeição do almoço. As demais refeições nem sempre são habituais. O almoço compreende o trinômio "arroz, feijão e carne", sendo a carne impreterivelmente o frango. O frango assume lugar de destaque no grupo, particularmente o frango assado. Não foi constatado o consumo de peixe e carne bovina pelas entrevistadas. Freqüentemente revelaram adicionar a "farinha" e o "macarrão" à alimentação do almoço. O consumo de legumes poucas vezes foi citado pelas entrevistadas, com exceção da "batata" e da "abóbora". Também não foi verificado o consumo de verduras e frutas na rotina alimentar das mulheres: "legumes eu não ligo muito"; "às vezes eu como uma fruta, mas é raro"; "verdura é muito difícil". A exclusão desses gêneros na dieta das mulheres relaciona-se, quase sempre, ao alto custo dos itens. Dessa forma, revelam o desejo em adquirir esses alimentos: "a gente tem vontade de comer, mas não pode; o dinheiro não dá"; "a gente vê essas coisas e não pode comprar". Os alimentos do almoço parecem revelar uma maior aproximação com a cultura alimentar nordestina na predileção por itens como os grãos, os tubérculos e os farináceos, conforme as mulheres se referiram quando falaram de sua alimentação na terra natal.

Informações sobre preferências no consumo de alimentos revelaram o lugar privilegiado para os doces, sobretudo, o "doce de banana", o "bolo de milho" e a "goiabada". O uso do açúcar no cotidiano do grupo mostrou-se freqüente, normalmente combinado ao café. Embora houvesse certo constrangimento em revelar seu consumo: "quase não como"; "é muito pouco". Esse comportamento também foi verificado nos relatos sobre o consumo de frituras, muitas vezes mediante frases ambíguas: "eu não devo, mas como". Todavia, o gosto pelas preparações fritas foi freqüente entre as mulheres: "batata-frita", "polenta", "frango frito" e "carne de porco frita" foram os alimentos mais citados. Tais relatos denunciaram o conhecimento das relações entre a ingestão de açúcares e gorduras e a freqüência da obesidade. Outros itens apontados como alimentos preferidos foram as carnes mais ricas em gordura como a "carne de porco", a "feijoada" e a "carne seca".

A alimentação idealizada pelo grupo incluía as "frutas", o "queijo", o "iogurte", o "peixe" e a "carne vermelha". Gêneros mais caros cujo acesso é difícil. A reduzida margem para a escolha da alimentação da família impõe o consumo de alimentos de digestão mais demorada que promovem maior saciedade. O regime "básico" refere-se à combinação "feijão e arroz" que representa "a comida que a gente precisa"; que "alimenta a gente"; que "enche a barriga" pela qual "não se passa fome". Entretanto, a desigualdade no acesso à alimentação adequada não parece ser o único motivo para a seleção desses itens no cotidiano das mulheres. Frente à diversidade de alimentos, os critérios de seleção dos itens parecem se aproximar do padrão de consumo alimentar do roçado. Dessa forma, a memória alimentar se revela no universo de alimentação das mulheres da Rocinha: "eu fui criada na roça comendo isso" e "eu fui acostumada assim" foram as principais justificativas relacionadas à seleção desses alimentos pelas entrevistadas. A manutenção de um padrão alimentar muito próximo do realizado na terra natal com a centralidade no arroz e feijão, na farinha e nos legumes cultivados no semi-árido tais como a batata e a abóbora nos leva a acreditar na presença de aspectos culturais interferindo na seleção da alimentação cotidiana do grupo.
O alimento para as mulheres pobres e obesas da Rocinha está associado à idéia de sobrevivência e manutenção da vida humana: "é tudo que a pessoa necessita pra viver". A comida, por sua vez, assume um sentido ambíguo. Pode estar relacionada à comida classificada como "normal" ou ao "básico", referindo-se ao "arroz e feijão". Mas também pode relacionar-se ao excesso, a "gulodice". Contudo, é a comida "normal" que compõe a refeição. Refeição para as mulheres é o "almoço" em que aparece a comida que sustenta e satisfaz.


Valores acerca dos alimentos processados incluindo os enlatados assumem para as mulheres da Rocinha conotação negativa e são caracterizados como prejudiciais à saúde. Considerados alimentos "não naturais" relacionam-se ao emprego de substâncias desconhecidas pelas mulheres que vivenciaram as experiências de plantar, colher e processar seus próprios alimentos no roçado. A comida da roça "não tinha remédio", era "tudo natural, tudo fresco". Dessa maneira, os gêneros enlatados são rejeitados pelas mulheres: "enlatado eu acho horrível"; "eu não gosto muito de enlatado (...) eu acho que não faz bem". Assim como, alguns alimentos industrializados: "essas coisas industrializadas eu não compro, você não sabe onde foi feito"; "refrigerante eu não gosto porque eu acho que não faz bem". Contrariamente, o alimento "diet", embora industrializado, é relacionado pelas mulheres à saúde, o que revela ambigüidades e contradições no entendimento desses alimentos. Dessa forma, ele representa o alimento isento de açúcar e gordura, alimento "leve" utilizado "pra emagrecer". Por essa razão é desejado pelo grupo: "eu gosto"; "deve ser bom". Apesar das mulheres não terem como adquirir ­ "só não dá pra comprar"; "é bem mais caro e eu nunca compro" ­ observamos a penetração das informações de profissionais de saúde e dos meios de comunicação entre o grupo.

Desestruturação da família e desestruturação da comida:

Em razão da migração, do trabalho e da grande mobilidade que ele ocasiona, e pela própria condição de pobreza, a família nuclear se desarticula. Os padrões encontrados nas favelas são de três tipos: famílias reconstituídas com crianças de pais diferentes; três gerações convivendo juntas (a mãe com os filhos casados e os netos); e mães vivendo sozinhas com seus filhos. A família como estrutura social, organizada, ritualizada, com papéis diferenciados, deteriora-se.
O desemprego parece ser mais acentuado entre os homens do que entre as mulheres, as quais realizam pequenos serviços, como distribuir folhetos em sinal de trânsito nos finais de semana, fazer faxina, lavar roupa. O fato de a mãe trabalhar fora de casa é um fator de risco para a criança. Mas a maioria das pessoas, mulheres ou homens, não tem emprego.

Além do problema da qualidade da comida, há o da quantidade. As pessoas acordam tarde, às dez horas, por hábito, por falta de trabalho, por depressão latente. A criança toma o desjejum ao meio-dia e almoça às quinze horas: só come uma vez por dia. E quando dorme, a "fome passa".
Nessa família deteriorada, a alimentação não mais estrutura o ritmo cotidiano. As pessoas não comem juntas e a alimentação perde seu papel de promotora da convivência: não dá para convidar os vizinhos ou comer com eles. A alimentação torna-se um fator de isolamento e não mais de socialização.
Na favela: televisão e cultura alimentar industrial.

A "desestruturação" da comida se agrava na cultura urbana, portadora do alimento industrializado e da televisão. Ao contrário dos pobres rurais, os favelados não têm como consumir produtos agrícolas próprios. Entretanto, têm maior acesso a uma comida variada e industrializada – expresso no consumo diário de refrigerantes, salgadinhos e biscoitos –, bem como à informação por intermédio da televisão. Também a comida de porção se desenvolve: geralmente não equilibrada (salgados, pizza, frituras etc.), tem a vantagem de ser barata. É comum ver a criança comer batatinha e biscoito. Por 1 real, a mãe compra um pacote de biscoito que sacia a fome.

Os favelados têm na televisão sua fonte quase exclusiva de lazer. A televisão fica no cômodo único, o cômodo familiar onde a criança permanece grande parte do dia porque, muitas vezes, não tem como brincar fora, não existe área de lazer. As crianças das duas favelas pesquisadas conhecem as marcas de biscoito e de refrigerante de que mais gostam e pedem para os pais. Além de expor os espectadores à propaganda, a televisão contribui para a redução da atividade física.

O corpo vivido, o corpo percebido
As percepções do corpo revelaram que o excesso de peso se relaciona essencialmente ao aparecimento de sintomas clínicos diversos e a menor agilidade e disposição para o trabalho aparecendo em expressões como: "eu me sinto cansada"; "sinto falta de ar"; "dores nas pernas"; "problemas na coluna". Algumas mulheres relacionam as transformações do corpo a dois eventos de vida ­ o casamento e a gravidez: "foi depois de casar"; "eu acho que foi depois da gravidez do meu filho". Porém, em geral, as alterações nas formas do corpo com o aumento do peso são percebidas por intermédio dos profissionais de saúde em consultas de rotina: "eu vim tratar da pressão aí a doutora achou que eu estava acima do peso e me mandou pra nutrição"; "eu vim à clínica geral e a doutora falou: você tem que perder peso, a senhora está muito acima do peso (...) eu vou mandar você pra nutrição". Notadamente, as mulheres da Rocinha não se percebem enquanto obesas; aqui parece vigorar uma imagem corporal distinta da verificada em outros grupos sociais. A obesidade para as mulheres investigadas pouco se relaciona a atributos estéticos. Notamos que a construção do corpo obeso se apresenta ambivalente no grupo. Assim, o corpo magro assume certa ambigüidade. Em oposição ao corpo gordo, o corpo magro é mais ágil: "você magra faz as coisas rápido, gorda não, cansa". No entanto, se ficar magra é ter maior disposição, pode também significar a privação de alimentos e até a doença: "perder peso é ficar magra, é ficar doente, sem comida". Logo, a valorização do corpo obeso está implícita no grupo. Se o corpo magro associa-se à privação de alimentos, à fraqueza e à doença; contrariamente o corpo obeso passaria a estar vinculado às noções de suficiência alimentar, força e saúde. Entretanto, constata-se que tal concepção é relativizada, ou seja, ao mesmo tempo em que o corpo obeso é desejado por estar ligado ao vigor e à saúde, também é julgado como "pesado" e, portanto, menos ágil. Nesse aspecto, o corpo magro passa a ser valorizado. Contudo, entre um corpo "magro ágil" e "magro doente" o último parece ser o mais ameaçador, já que para as classes populares a doença é o maior impedimento para a realização do trabalho 14. Tais concepções demonstram a relação do corpo com o trabalho e enfatizam a noção do corpo utilitário, apto à execução do trabalho 
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A perda de peso torna-se muito mais uma exigência dos profissionais de saúde do que propriamente uma demanda forte das mulheres: "eu preciso emagrecer, isso todos os médicos falam. O cardiologista fala, a médica ginecologista fala, todos falam, então só pode ser pra eu emagrecer". Ao mesmo tempo a conciliação entre as recomendações médicas e o cotidiano é difícil e, muitas vezes, acaba gerando sentimentos de culpa: "se eu fizer uma dieta legal, procurar fazer as coisas direitinho eu perco peso"; "eu tenho que levar mais a sério". Segundo Fischler 26, para a sociedade de consumo, os gordos são percebidos como os únicos responsáveis por sua condição. São gordos "porque comem muito e são incapazes de se controlar". Implicitamente são julgados como transgressores das normas. Mas, pouco a pouco, as mulheres revelaram os dilemas ligados à superação da obesidade: "com a comida que tenho em casa, eu não consigo"; "se eu tivesse uma dieta balanceada"; "um salariozinho melhor pra eu comprar mais coisa que ajudasse".

O papel do alimento enquanto elemento de conforto para a superação dos dilemas diários, das tensões ocasionadas pela falta de recursos, pela violência, pela responsabilidade com a casa e os filhos também surge na fala das mulheres: "quando eu tô tristinha eu vou lá e como"; "pra mim é nervoso, é ficar sozinha dentro de casa"; "eu acho que é muita responsabilidade, agora eu tenho que cuidar de dois filhos". Orbach 27 se refere a um sintoma singular que, segundo a autora, ocorre em muitos indivíduos com problemas de excesso de peso: a "fome emocional" 27 (p. 47). Diferentemente da necessidade de saciar a sensação física ocasionada pela falta do alimento, a "fome emocional" diz respeito à utilização da comida para apaziguar inquietações emocionais. Orbach 27 alerta, ainda, que muitas vezes a própria sensação de fome amedronta determinados indivíduos. Especialmente aqueles que tiveram experiências indesejáveis no passado como, por exemplo, quando não dispunham de comida suficiente na infância. Por essa razão, muitas pessoas comem antes que possam sentir fome.

Obesidade ­ uma face da desigualdade social...

Na tentativa de desvendar o "paradoxo" da obesidade na pobreza, optou-se por privilegiar as múltiplas dimensões do fenômeno a fim de realizar um exame mais consistente sobre o tema. Nesse sentido, procurou-se sobrepor modelos explicativos reducionistas centralizados em apenas um aspecto do agravo, assim como, exames polarizados entre os aspectos biológico e social. Dessa forma, foram incorporados nesta investigação diferentes instrumentos analíticos que incluíram estudos epidemiológicos e trabalhos provenientes do campo das ciências econômicas e sociais. Esta conduta possibilitou uma melhor aproximação com o tema da obesidade na pobreza, permitindo reconhecer a ampla rede que envolve a prevalência do agravo no grupo feminino de baixa renda no Brasil.

Nesta perspectiva, foi possível constatar que a freqüência da obesidade entre as mulheres pobres no Sudeste do Brasil expressa na realidade os novos contornos da pobreza urbana e da exclusão social no país. O fenômeno da "metropolização da pobreza" 28, observado no país nos últimos anos, promoveu a concentração de pobres rurais no contexto das metrópoles urbanas, sobretudo, às do Sudeste. E no Rio de Janeiro, em particular, esta dinâmica se mostrou mais sensível 28. Essa nova conformação demográfica e social acabou por produzir intensas desigualdades no acesso a bens e serviços em determinados grupos sociais com notável impacto na população feminina. Neste aspecto, as mulheres têm sofrido transformações importantes no contexto do trabalho, da vida social e familiar. O que tem acarretado na pauperização das condições de vida do grupo. Atualmente, as mulheres estão mais sujeitas à vulnerabilidade social no país. Não raro, estão inseridas em postos de trabalho de menor prestígio e remuneração, submetidas a longas jornadas de trabalho, muitas vezes, sem vínculos trabalhistas e são, ainda, as mais atingidas pelo infortúnio do desemprego 29. Verifica-se também que as mulheres vêm ao longo das últimas décadas assumindo a chefia dos lares e o cuidado dos filhos, o que torna esses domicílios mais vulneráveis à pobreza


Nesta direção, foram utilizados nesta investigação recursos analíticos que procuram articular os agravos de saúde às condições de vida dos sujeitos que, de certo, possibilitaram uma melhor compreensão deste fenômeno aparentemente paradoxal. Entendendo a obesidade enquanto uma enfermidade não apenas física, mas social, derivada das interações vividas no cotidiano dos sujeitos, constatou-se que o fenômeno da obesidade na pobreza nada tem de contraditório. Na realidade, a obesidade está articulada à dinâmica social e adquire contornos próprios em cada segmento. A pluralidade de circunstâncias vividas pelas mulheres da Rocinha revelou a combinação de elementos materiais, culturais e simbólicos que operam na freqüência da obesidade no grupo. O cotidiano de vida das mulheres da Favela da Rocinha tende a moldar os hábitos de alimentação e de atividade física, expresso num perfil de corpo obeso. A obesidade apresenta, por conseguinte, múltiplos determinantes. Ela não parece ser resultado tão somente de estratégias de consumo alimentar impostas pela desigualdade no acesso à nutrição suficiente, mas também é modelada por concepções simbólicas próprias deste grupo social. O corpo obeso é, dessa forma, cúmplice da história de vida das mulheres da Rocinha. É por intermédio dele que o grupo preserva sua identidade, mantém costumes e crenças culturais e encontra refúgio para os inúmeros dilemas impostos pela vida em meio à pobreza e à escassez. Neste sentido, singularidades e especificidades ligadas ao cotidiano das mulheres, bem como hábitos e costumes nordestinos moldam as escolhas alimentares e o perfil de atividade física do grupo. Logo, obesidade e pobreza se entrelaçam numa dinâmica própria, multifacetada. Longe de se tratar de um paradoxo, a pobreza parece de fato explicar a obesidade entre as mulheres da Rocinha. Sob tal aspecto torna-se importante salientar a necessidade de desconstruir a idéia da obesidade enquanto uma enfermidade associada à abundância e aos excessos alimentares. Na verdade, a obesidade surge como mais uma face da desigualdade social no país. As abordagens que vinculam a obesidade às situações de abundância e riqueza perdem seu alcance explicativo no caso da população pobre feminina no Brasil.

Conclusão
Os resultados encontrados nesta pesquisa apontam para a apreensão da obesidade como uma face da pobreza urbana no país. Diante disso, torna-se importante sinalizar a necessidade de se reconhecer os novos contornos da pobreza, assim como, o mosaico de situações cotidianas vivenciadas pelos grupos socialmente vulneráveis, para o melhor enfrentamento da obesidade. O conhecimento acerca da realidade vivida pelos grupos populacionais no Brasil mostra-se especialmente importante para que estratégias em saúde pública sejam traçadas. Reconhecendo que os componentes da vida social dos indivíduos contribuem para a qualidade de vida e bem estar, o levantamento de informações sobre o cotidiano desses grupos possibilita o melhor enfrentamento dos agravos de saúde, sobretudo, da obesidade 30. Nesta direção, as ações de promoção à saúde, a perspectiva de territorialização das intervenções públicas e a articulação de ações educativas, de geração de renda e de inserção social, podem ter maior impacto no equacionamento da obesidade em mulheres pobres no país. Por fim, este trabalho aponta um resgate da abordagem multidimensional para o estudo dos agravos nutricionais no país. Os exames que propõem a articulação das dimensões do corpo, do trabalho, da cultura, da condição de classe e saúde devem ser incorporados às temáticas atuais. A compreensão do fenômeno da obesidade na pobreza obriga, portanto, superar quadros conceituais restritos e a construção de novas agendas de investigação. Dessa forma, espera-se que este trabalho possa contribuir para novos debates e desdobramentos sobre o tema da obesidade no Brasil.

Educação, saúde e cidadania: investigação científica e assessoria popular
O autor relaciona a educação e saúde com a cidadania através da discussão dos serviços básicos e os impostos pagos pela população. As contradições decorrentes da distribuição desigual das verbas públicas, privilegiando a infra-estrutura industrial sobre o consumo coletivo, apontam à necessidade dos setores populares organizados da sociedade civil pressionarem os governos para uma política alternativa. O autor propõe que profissionais das universidades públicas, como forma de serviço público, ofereçam aos setores populares da sociedade civil subsídios técnicos para suas reivindicações, através dos resultados das suas investigações. Alguns resultados relativos ao centro municipal de saúde e sua relação com os usuários, tanto quanto a questão do meio ambiente com os agravos à saúde dos moradores das favelas do Rio de Janeiro, são exemplificados. O texto inclui uma discussão sobre a capacitação mútua dos setores populares organizados e profissionais da rede de serviços e/ou da universidade pública. Para isso, apresenta-se a experiência do Nesc/DCS/Ensp/Fiocruz das Oficinas de Educação e Saúde, onde lideranças populares e profissionais debatem as contradições inerentes ao serviço público com relação à eficiência e à eficácia. É proposto o diagnóstico participativo como forma dos profissionais/entidades populares lidarem com a precariedade de informações disponíveis sobre os agravos à saúde da população.

EDUCAÇÃO, SAÚDE E CIDADANIA: DESTACANDO AS RELAÇÕES
Tradicionalmente, no Brasil, vem se desenvolvendo uma abordagem de educação e saúde que privilegia conselhos e normas para o indivíduo, fazendo com que o acesso à saúde seja um esforço individual e, conseqüentemente, uma responsabilidade individual. Em contraposição a esse processo de "culpabilizar a vítima por sua doença", é desenvolvida uma proposta de relacionar o processo saúde-doença da população com as suas condições de vida e trabalho.

Quando se relaciona o processo de saúde-doença com as condições de vida e trabalho da classe trabalhadora, é necessário apontar para as políticas sociais desenvolvidas pelos governos brasileiros nos últimos anos, pois uma grande parcela dos condicionantes de saúde da população se refere ao acesso e à qualidade dos serviços básicos (Brown & Margo, 1978; Ryan, 1979; Stotz, 1989; Valla, 1987). É oportuno ressaltar que os gastos do governo brasileiro com programas sociais são elevados, mas beneficiam os grupos economicamente mais favorecidos, e não os de baixa renda. De acordo com as conclusões dos relatórios do Banco Mundial, gasta-se mais com o ensino superior, com a medicina curativa e com financiamentos habitacionais para as classes médias e alta do que com o ensino de lo grau, medicina preventiva e programas habitacionais populares (Jornal do Brasil, jul. 1988).

Quando se fala dos serviços básicos para a população, está se referindo ao que se chama "consumo coletivo", isto é, consumo que a população em geral, e, em particular, a população trabalhadora, precisa para renovar suas forças. Esses serviços são da direta responsabilidade dos governos, e é a população que, com seus impostos, paga os recursos necessários para manter esses serviços (Valla & Siqueira, 1989).
O processo de industrialização requer também pesados investimentos, que são freqüentemente feitos com o dinheiro que o governo coleta para atender ao consumo coletivo. Assim como há uma infra-estrutura da qual a população necessita para se refazer de um dia para o outro, há também uma infra-estrutura necessária para as indústrias poderem funcionar. Esta se chama infra-estrutura industrial e abrange os investimentos que o próprio governo faz na construção de indústrias, abastecimento de água, eletricidade, freqüentemente para abrir estradas, construir usinas, barragens, viadutos e pontes. E todos esses serviços são também da responsabilidade dos governos, e obviamente envolvem muitos recursos.
A verba pública freqüentemente utilizada para fins industriais é exatamente aquela verba que deveria fornecer os serviços básicos para a população. Mas, uma vez que o governo privilegia os gastos com a infra-estrutura industrial, é a própria classe trabalhadora que acaba assumindo grande parte dos custos da reprodução da sua força de trabalho (Valla & Stotz, 1989).

Na realidade, nem todos têm acesso igual ao dinheiro público, embora todos sejam obrigados a contribuir com seus impostos. A proposta de participação popular se coloca justamente na contramão desse estado de coisas.
Nos regimes democráticos, há a proposta que os direitos "individuais" de cada cidadão sejam respeitados. Mas essa proposta somente teria sentido se todos os cidadãos brasileiros tivessem acesso pleno aos serviços básicos. Como garantir o "direito de ir e vir", por exemplo, se o transporte coletivo ou não existe (obrigando a longas caminhadas) ou é extremamente precário, com horário irregular, poucos ônibus, etc.? O dinheiro que os governos gastam com o consumo coletivo está longe de ser suficiente para proprorcionar a toda a população tudo o que a Constituição prevê, dessa forma prejudicando o exercício pleno dos direitos individuais.

Na realidade, tentar responder a essas questões é falar de cidadania. Mas a discussão da cidadania no Brasil é problemática, porque a idéia que tem sido divulgada é a de uma cidadania do Primeiro Mundo, onde os cidadãos mais conscientes dos Estados Unidos e dos países da Europa Ocidental vigiam seus governos para garantir que os serviços já existentes e abundantes continuem dessa forma. Trata-se de uma "cidadania de abundância, de vigilância".
No Brasil, porém, uma grande parte da população não pode vigiar o governo, porque não há o que vigiar; a população sem acesso aos serviços básicos tem que pressionar as autoridades para realizarem essas obras com o dinheiro dos impostos.

O que a população reivindica quando exige os serviços básicos é sua sobrevivência, pois não havendo esses serviços muitas pessoas correm o risco de morrer.
Essa é uma "cidadania de sobrevivência", então; uma "cidadania de escassez" que pode ser assim colocada: ou o governo respeita os direitos da população e devolve seu dinheiro na forma de serviços, ou grandes parcelas da população continuam a ter problemas muito sérios de saúde
É possível afirmar, então, que uma forma de caracterizar a cidadania na América Latina seria relacioná-la com o conceito de reprodução da força de trabalho. Neste sentido, poder-se-ia dizer que o grau de cidadania de uma população varia de acordo com sua capacidade de garantir maior ou menor qualidade na reprodução da sua força de trabalho.
Nesta perspectiva, é possível entender a participação popular, ou a participação efetiva da população organizada. A participação é "efetiva" quando pretende ou consegue modificar o orçamento estatal, de modo a oferecer os serviços básicos para a população (Valla & Stotz, 1989).
O uso preciso do termo "participação popular" é essencial, pois atores representantes de todas as forças da sociedade utilizam o termo, fazendo com que o seu emprego ambíguo escamoteie a relação "impostos-serviços básicos-qualidade de vida" da população trabalhadora.

PREVENÇÃO DA AIDS NO PERÍODO DE INICIAÇÃO SEXUAL: ASPECTOS DA DIMENSÃO SIMBÓLICA DAS CONDUTAS DE HOMENS JOVENS

Para aprofundar a compreensão sobre o uso não consistente do preservativo, objetivou-se caracterizar aspectos das significações simbólicas das práticas sexuais de um grupo de jovens do sexo masculino. Entrevistas de quarenta e dois sujeitos, cujas iniciações sexuais começaram no final dos anos 90, foram abordadas qualitativamente por meio de análise de enunciados e interpretadas sob as perspectivas teóricas dos roteiros sexuais e do habitus masculino. Os participantes enfatizaram a importância de exames sorológicos e da análise biográfica das parceiras (para gerar “confiança”) e tenderam a utilizar uma semiotécnica não fundamentada para avaliar o estado de saúde delas. Estabeleceram uma tipologia diádica dessas parcerias, “não fixas” e “fixas”, exercitando respectivamente dois tipos de roteiros quanto ao uso do preservativo: para prevenção de AIDS-DST e gravidez ou somente para prevenir gravidez. As narrativas resultariam, dentre outros fatores, de um processo de biomedicalização de aspectos de suas sexualidades e de anseios de relacionamentos afetivo-sexuais estáveis e monogâmicos. Entre os participantes, as importantes e recentes mudanças nos roteiros sexuais intrapsíquico e interpessoal não parecem ser, por ora, acompanhadas de mudanças igualmente profundas nos roteiros culturais ou de habitus masculino.

·         AIDS
·         Conduta de saúde
·         Comportamento do adolescente
·         Sexualidade
·         Autocuidado
·         Masculinidade

PREVENÇÃO DA AIDS NO PERÍODO DE INICIAÇÃO SEXUAL:


Os governantes pouco sensíveis às idéias progressistas fazem uso freqüente do termo "participação popular", principalmente quando perdem o controle de agravos que ameaçam a população como um todo: epidemias de dengue, meningite, enchentes, acidentes de trânsito, etc. Nestes momentos, fazem campanhas que ensinam a população a identificar os sinais de males que podem ameaçar "toda" a população, e não apenas a classe trabalhadora. Neste sentido, um dos pontos essenciais de uma participação efetiva da população é sua capacidade de apontar as áreas em que julga necessária sua intervenção
Há uma questão de fundo que permeia toda a discussão acima apresentada. Não estaria sendo a proposta uma forma sutil de mutirão, na medida em que técnicos e usuários voluntariamente executariam uma tarefa que é do Estado?

A pergunta nos remete novamente à discussão da "capacidade" ou não do Estado de executar suas responsabilidades. Se concluir da sua incapacidade, que medidas tomar?
A extrema precariedade dos serviços de saúde, juntamente com uma ameaça crescente à saúde da população, provocada por epidemias e acidentes do meio ambiente, são dados que hoje colocam em questão a validade de um conceito como "participação popular". O sentido do ato de reivindicar e pressionar, concepções intrínsicas ao uso que se faz do termo "participação popular" neste texto, pressupõe um Estado estruturalmente capaz de solucionar as ameaças à saúde da população.
Diante da gravidade das reais condições de vida e trabalho da população, possivelmente torna-se necessário modificar a abordagem do que seria participação popular. Neste sentido, um termo como "defesa civil popular" seria um conceito mais adequado, pois indicaria uma iniciativa, uma ação própria da população civil, um movimento na direção da "defesa da própria vida".
Assim, uma questão como a de que destino dar aos dados de um diagnóstico participativo criaria o confronto entre "suprir as carências dos serviços de saúde" ou "fortalecer a população organizada com um instrumento de luta


































Mas, é preciso ficar bem claro que as intervenções em favelas não devem se resumir a simples “despejos” de favelados. Uma intervenção nos termos da lei e da Consituição Federal implica a “remoção” e o “assentamento” dos moradores, tudo de acordo com uma política habitacional que conjugue a preservação do meio ambiente e a dignidade da pessoa humana. É  preciso combater as favelas, não os favelados! É preciso atacar as causas do favelamento, não as suas vítimas!

Um afro abraço a tod@s.

Referências
Brasil. Ministério da Saúde. Versão preliminar: 26ª a 52ª semanas epidemiológicas - julho a dezembro de 2009. 01ª a 26ª semanas epidemiológicas - janeiro a junho de 2010. Boletim Epidemiológico AIDS-DST 2010;7(1):1-21.
Brasil. Ministério da Saúde. 27ª à 52ª semanas epidemiológicas - julho a dezembro de 2006. 01ª à 26ª semanas epidemiológicas - janeiro a junho de 2007. Boletim Epidemiológico AIDS-DST 2007;4(1):1-46.
 Berquó E, Barbosa RM, Lima LP de. Uso do preservativo: tendências entre 1998 e 2005 na população brasileira. Rev Saúde Pública 2008; 42:34-44.  Camargo BV, Botelho LJ. Aids, sexualidade e atitudes de adolescentes sobre proteção contra o HIV. Rev Saúde Pública 2007; 41:61-68.
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6. Geluda K, Bosi MLM, Cunha AJLA da, Trajman A. “Quando um não quer, dois não brigam”: um estudo sobre o não uso constante de preservativo masculino por adolescentes do Município do Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saúde Pública 2006; 22:1671-1680.
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 Lavinas L. Empregabilidade no Brasil: inflexões de gênero e diferenciais femininos. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 2001. (Texto para Discussão n. 826.
30. Buss PM. Promoção da saúde e qualidade de vida. Ciênc Saúde Coletiva 2000; 5:163-77. 

Mestre Vitalino

 Vitalino Pereira dos Santos, o Mestre Vitalino.
Nasceu em Caruaru no Distrito de Ribeira dos Campos, 10 de julho de 1909 — Caruaru20 de janeiro de 1963) foi um ceramista popular brasileiro.
Filho de lavradores, Mestre Vitalino foi um artesão por retratar em seus bonecos debarro a cultura e o folclore do povo nordestino, especialmente do interior dePernambuco e da tradução do modo de vida dos sertanejos. Esta retratação fico conhecida entre especialistas como arte figurativa.
O artista passou a desenvolver a modelagem no barro a partir dos 6 anos. Os bonecos eram os brinquedos do menino Vitalino.
Aprende o ofício com a mãe e, a partir dos 6 anos, executa, com as sobras das panelas, pequenos animais para vender na feira. Em 1930 começa a modelar grupos humanos e, a partir de 1935, grandes conjuntos que o tornam conhecido.

Oferecendo seu trabalho na feira de Caruaru, contribui para fazer da cidade o grande centro ceramista do Nordeste. Em 1947 esse trabalho chama a atenção do pintor Augusto Rodrigues, que organiza no Rio de Janeiro a I Exposição de Cerâmica Pernambucana, que dá fama nacional a Mestre Vitalino em 1949, a fama foi ampliada com exposição no Masp. Em 1955, integrou em NeuchatelSuíça, a exposição Arte Primitiva e Moderna Brasileiras.
O reconhecimento do artista foi ampliado após a sua morte. A biografia do artista inspirou o samba-enredo da Império da Tijuca nos carnavais de 1977 e 2012. A Festa de São João de Caruaru o adotou como a personalidade homenageada de 2009.

Suas obras mais famosas são VioleiroO enterro na redeCavalo-marinhoCasal no boiNoivos a cavaloCaçador de onça e Família lavrando a terra.
A produção do artista passou a ser iconográfica e inspirou a formação de novas gerações de artistas, especialmente no Alto do Moura, bairro de Caruaru, onde viveu. A casa onde viveu parte de sua vida atualmente é a instalação da Casa Museu Mestre 
Vitalino. O entorno é ocupado por oficinas de artesãos.
Sua obra compreende mais de cem peças de diversos tamanhos feitas de massapé, extraído do rio Ipojuca, que se encontram nos principais museus do país. Destacam-se Casa de FarinhaZabumbaLampião e Vaquejada. Assina, a partir de 1949, peças marcadas com o carimbo VPS. Morre em Caruaru.
Parte de sua obra pode ser contemplada no Museu do Louvre, em Paris, na França. No Brasil, a maior parte está nos museus Casa do Pontal e Chácara do CéuRio de Janeiro; no Acervo Museológico da UFPE, em Recife; e em Alto do Moura.
Um afro abraço.
fonte:Wikipédia, a enciclopédia livre/www.itaucultural.org.br/aplicexternas/...ic/index.cfm?


segunda-feira, 9 de julho de 2012

Crimes contra a humanidade

Mas por que a maioria das pessoas age de forma a contrariar essa intenção universal? Esta pergunta é de difícil resposta, mas penso em dizer que o sentimento universal do bem comum, apesar de presente em quase todos os seres racionais do planeta terra, exerce ainda menor influência nos atos da vida cotidiana do que o sentimento individualista, próprio do mundo capitalista atual. O resultado prático imediatista do ato individual sempre se sobrepõe ao resultado a longo prazo, porém eficaz, do ato coletivista.
Temos hoje em voga a questão do racismo, do preconceito e das cotas no Brasil. É consenso geral entre pessoas de bom-senso, que vivemos em um país de desigualdades, onde o preconceito e o racismo estão, há muito, incutidos no cerne das relações interpessoais pátrias. No entanto, quando se fala em adequação desta população que vive em sua maioria a margem da sociedade em decorrência de pelos mais de 300 anos de escravidão, injúria, opressão e discriminação, ou em tentativas de inclusão social do negro, o sentimento egoísta individual e o medo de ter que ceder quaisquer direitos em favor de uma parcela oprimida, falam mais alto o pré-conceito.
Crime contra a  Humanidade ...
Primeiras notas da definição: já em 1950, como se vê, apareciam as primeiras notas da definição dos crimes contra a humanidade: (a) atos desumanos, (b) contra a população civil, (c) num ambiente hostil de conflito generalizado (durante uma guerra ou outro conflito armado). A quarta nota, depois amplamente aceita pelos tribunais penais internacionais e pelos tratados internacionais, é (d) a da generalidade ou sistematicidade dos atos desumanos. Nesse sentido são os Estatutos do Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia, para Ruanda e para Serra Leoa.

Estatuto de Roma: o Estatuto de Roma (que criou o TPI) admite como crimes contra a humanidade os atos desumanos (assassinato, extermínio etc.), cometidos como parte de um ataque (conflito armado), generalizado ou sistemático contra uma população civil, com conhecimento do agente. Para além das quatro notas acima referidas (atos desumanos, contra a população civil, atos generalizados ou sistemáticos, durante conflito armado) o Estatuto de Roma agregou uma quinta nota: necessidade de conhecimento do agente (de todas as características anteriores).

A história nos mostra que a mesma situação já ocorreu na maioria dos países do mundo. Por isso soa tão mal, em uma avaliação superficial, qualquer proposta de ação afirmativa. Essa é a luta que a ação afirmativa trava diariamente contra o individualismo egoísta e em prol de uma sociedade mais justa.
A proposta aprovada hoje prevê mudanças na lei atual, que data de 1956. Os juristas ampliaram, por exemplo, as tipificações do crime de genocídio, incluindo como possibilidade o genocídio provocado por gênero, língua ou etnia. A proposta se baseia em experiências que aconteceram em todo o mundo após a criação do Estatuto de Roma, do qual o Brasil é signatário e que moldou a lei do século 20, que vale atualmente.

A proposta aprovada hoje prevê mudanças na lei atual, que data de 1956. Os juristas ampliaram, por exemplo, as tipificações do crime de genocídio, incluindo como possibilidade o genocídio provocado por gênero, língua ou etnia. A proposta se baseia em experiências que aconteceram em todo o mundo após a criação do Estatuto de Roma, do qual o Brasil é signatário e que moldou a lei do século 20, que vale atualmente.
Além do genocídio, também foram incluídos ou modificados os trechos da lei que tratam de outros crimes contra a humanidade, tais como escravidão, extermínio, tortura provocada contra um grupo de pessoas em razão dele e a versão forçada da prostituição, gravidez ou esterilização. Também foi criado um novo tipo de crime prevendo a transgenerização forçada, ou seja, a mudança forçada de gênero.

Além do genocídio, também foram incluídos ou modificados os trechos da lei que tratam de outros crimes contra a humanidade, tais como escravidão, extermínio, tortura provocada contra um grupo de pessoas em razão dele e a versão forçada da prostituição, gravidez ou esterilização. Também foi criado um novo tipo de crime prevendo a transgenerização forçada,

ou seja, a mudança forçada de gênero. A história nos mostra que a mesma situação já
ocorreu na maioria dos países do mundo. Por isso soa tão mal, em uma avaliação superficial, qualquer proposta de ação afirmativa. Essa é a luta que a ação afirmativa trava diariamente contra o individualismo egoísta e em prol de uma sociedade mais justa.
Sentenças dos Tribunais Internacionais: em várias sentenças dos Tribunais Penais Internacionais universais (ex-Iugoslávia, Ruanda etc.) firmou-se a doutrina (com uma ou outra variante) da necessidade das cinco notas mencionadas (cf. os casos Dusco Tadic , do Tribunal para a ex-Iugoslóavia, Akayesu , do Tribunal para Ruanda, Alex Tamba Brima , do Tribunal para Serra Leoa). Novidade veio, ademais, com o Estatuto de Roma, que passou a fazer outra exigência: que o ataque (que o conflito armado) corresponda a uma política de Estado ou de uma organização (que promova essa política).
Os 10 mais conhecidos...
Em outubro de 2007, a revista Mundo Estranho publicou uma lista dos dez piores crimes contra a humanidade, na qual constam:
Vítimas: 6 milhões de judeus
Vítimas: 3 milhões de ucranianos
Sangue no Camboja 1975-1979
Vítimas: 1,7 milhão de pessoas
Vítimas: 1,5 milhão de armênios mortos, 500 mil deportados.
Massacre em Ruanda abril de 1994
Vítimas: 700 mil tútsis mortos e 200 mil refugiados e centenas de hútus mortos
Porajmos, a caçada aos ciganos 1939–.
Vítimas: 500 mil romanis (ciganos)
Autor: Nazistas
Revolta Circassiana últimas décadas do século XIX
Vítimas: 400 mil circassianos mortos, 1,2 milhão de exilados
Crueldade na Bósnia 1992-1995
Vítimas: 200 mil bósnios mortos, 2 milhões de refugiados
Autor: Milícias e exército sérvio
Terror em Timor-Leste 1975-1999
Vítimas: 150 mil timorenses
Autor: Indonésia
Vítimas: 65 mil hererós e 10 mil namaquas
Autor: Alemanha

Características dos crimes contra a humanidade: de tudo quanto foi dito podemos extrair a conclusão de que a definição do que se entende por crime contra a humanidade exige:  atos desumanos (tais quais os descritos no Estatuto de Roma: assassinatos, extermínio, desaparecimento de pessoas, violações sexuais etc.),  praticados durante conflito armado,  no contexto de uma política de Estado ou de uma organização (que promova essa política),  contra a população civil,  de forma generalizada ou sistemática,  com conhecimento do agente.

Por falar em escravidão, fala-se muito dela como um crime contra a humanidade, porém, são poucos os estudos que tratam as heranças do escravismo brasileiro neste Brasil atual [é bom lembrar que somente agora o Estado brasileiro começou a "reparar" os crimes causados durante a ditadura militar, pedindo desculpas formais e "indenizando economicamente"...]. Fácil é falar de racismo. Difícil é assumir, tanto como negro ou não negro, as heranças desta (maldita) escravidão.
Como entender a ascensão de negros que não possuem a competência técnica ou política em cargos de confiança? Como entender a necessidade de acadêmicos não negros tentarem tutelar os estudos acadêmicos negr@s? Como entender a invisibilidade das mulheres negras em postos de decisão? Como entender que a juventude negra continua sendo uma carne barata e descartável?

Se pensarmos em cada ponto encontramos herança do nosso período escravocrata. Os jagunços que não eram brancos, mas também não se consideravam negros, sempre se juntaram com a forma superior de poder desprezando o que seria subalterno. As nossas relações baseadas onde «cada um sabe o seu lugar», dos apadrinhamentos. Será que ninguém nunca pensou no termo «amadrinhamento», por exemplo? Quem quer ser tutelado por uma mulher branca se há possibilidade de um padrinho branco? Hoje, jovens negros vindos de lares “desestruturados materialmente” (dá-se a impressão que as mulheres negras dão luz aos filhos sozinhos como na época das senzalas…), ou estruturados emocionalmente por mães guerreiras (quantos relatos escutamos de jovens que agradecem o apoio e todo o esforço maternal? Do jogador de futebol ao recém-formado cotista ou pelo pro uni, as mães possuem papeis estratégicos).

São as mesmas mulheres que na época da escravidão corriam risco pelos filhos. As mulheres que trançavam os cabelos para esconder o ouro e as sementes para levar para os quilombos. Estas mesmas mulheres que são invisibilizadas hoje.
Por que a mulher negra incomoda tanto? Ela não possui, como aliados, o homem e a mulher brancos e, em grande parte das vezes, nem o homem negro se alia. De onde vem esta herança? Pouco se fala da história de Anastácia, onde as mulheres da casa grande, com inveja da beleza dela, se calaram e incentivaram as punições até a sua morte. Quantas jovens negras se veem isoladas em situação de conflito?

Por outro lado, como isolar esta (maldita) herança das instituições que formam o Estado-Nação brasileiro? Se ficarmos atentos ao discurso formal e politicamente correto sobre os negros, os indígenas, as mulheres e outras (ditas) minorias como dignos do título de cidadãos. Porém, quantos/as de nós ficamos pouco convencidos/as quando depois do discurso aquele/a representante do Governo, da instituição qualquer, não nos oferece nem um cartão de visitas, ou nem sequer se apresenta, ignorando sua presença no espaço…
Sem esquecer que, como no período da escravidão, quem trai é recompensado. Vejamos o caso da ascensão dentro de partidos políticos, do Governo, ou de negros/as que não estão realmente defendo a causa negra. Quantos bons/boas ativistas foram isolados/as e enfraquecidos/as? A máxima do indivíduo negro que trai outro negro, que fugia antes do cativeiro, era promovido e ganhava a liberdade é sempre valida? Ainda presente neste nosso contexto? Digamos que não se trata de mera semelhança com o exercito legionário de certas «potencias mundiais»…

Comissão da verdade e de Justiça? Nós, negros/as (ou afrodescendentes por conveniência histórica), também queremos. Porém, essa justiça pra ser de verdade precisa suprir/reparar os danos causados, ao invés de continuar injustiçado. Queremos entender quando o racismo institucional bate a nossa porta, no nosso espelho, no nosso cotidiano, nos bloqueando de ascender socialmente como qualquer outro/a.
O outro, o malvado da história, pode encontrar-se dentro do seu próprio país quando o status de cidadão é negado, mesmo simbolicamente.

Digamos que fica a confissão de alguém que não quer mais ver negros/as disputando migalhas em cargos governamentais enquanto o Brasil está investindo pesado na África (com a chegada de empresários brancos brasileiros), enquanto se deveria lutar para ocupar cargos estratégicos (como Ministérios: da Saúde, da Justiça, de Minas e Energia etc.).
A pergunta pode ser provocativa, porém, a resposta pode ser muito mais: a nossa maldita herança diz que quando se é «superior» não precisa provar nada. Já se é «naturalmente». Naturalmente, ocupando cargos de chefia. Naturalmente, ganhando e vivendo melhor que a maioria, como na época da escravidão.
Ignorar o racismo e a herança escravocrata no Brasil é manter desconhecimento da história deste dito Estado-Nação chamado Brasil.

Historia do mundo e nossa tambem...
A história nos mostra que a mesma situação já ocorreu na maioria dos países do mundo. Por isso soa tão mal, em uma avaliação superficial, qualquer proposta de ação afirmativa. Essa é a luta que a ação afirmativa trava diariamente contra o individualismo egoísta e em prol de uma sociedade mais justa

Sabemos que o maior problema a ser enfrentado no combate à discriminação racial no Brasil está no formato covarde como ela aqui se apresenta (ou se esconde). O direito à igualdade é amplamente protegido na Constituição da República em vários de seus dispositivos (art. 3º, incisos: I e IV, art. 4º, incisos: II e VIII, art. 5º e outros) o que não garante, no entanto, a tão sonhada justiça social almejada por alguns poucos constituintes e pela maior parte do povo brasileiro.

Sabemos que o maior problema a ser enfrentado no combate à discriminação racial no Brasil está no formato covarde como ela aqui se apresenta (ou se esconde). O direito à igualdade é amplamente protegido na Constituição da República em vários de seus dispositivos (art. 3º, incisos: I e IV, art. 4º, incisos: II e VIII, art. 5º e outros) o que não garante, no entanto, a tão sonhada justiça social almejada por alguns poucos constituintes e pela maior parte do povo brasileiro.

Características dos crimes contra a humanidade: de tudo quanto foi dito podemos extrair a conclusão de que a definição do que se entende por crime contra a humanidade exige:  atos desumanos (tais quais os descritos no Estatuto de Roma: assassinatos, extermínio, desaparecimento de pessoas, violações sexuais etc.),  praticados durante conflito armado,  no contexto de uma política de Estado ou de uma organização (que promova essa política),  contra a população civil,  de forma generalizada ou sistemática,  com conhecimento do agente.
Por falar em escravidão, fala-se muito dela como um crime contra a humanidade, porém, são poucos os estudos que tratam as heranças do escravismo brasileiro neste Brasil atual [é bom lembrar que somente agora o Estado brasileiro começou a "reparar" os crimes causados durante a ditadura militar, pedindo desculpas formais e "indenizando economicamente"...]. Fácil é falar de racismo. Difícil é assumir, tanto como negro ou não-negro, as heranças desta (maldita) escravidão.

Como entender a ascensão de negros que não possuem a competência técnica ou política em cargos de confiança? Como entender a necessidade de acadêmicos não-negros tentarem tutelar os estudos acadêmicos negr@s? Como entender a invisibilidade das mulheres negras em postos de decisão? Como entender que a juventude negra continua sendo uma carne barata e descartável?

Se pensarmos em cada ponto encontramos herança do nosso período escravocrata. Os jagunços que não eram brancos, mas também não se consideravam negros, sempre se juntaram com a forma superior de poder desprezando o que seria subalterno. As nossas relações baseadas onde «cada um sabe o seu lugar», dos apadrinhamentos. Será que ninguém nunca pensou no termo «amadrinhamento», por exemplo? Quem quer ser tutelado por uma mulher branca se há possibilidade de um padrinho branco? Hoje, jovens negros vindos de lares “desestruturados materialmente” (dá-se a impressão que as mulheres negras dão luz aos filhos sozinhas como na época das senzalas…), ou estruturados emocionalmente por mães guerreiras (quantos relatos escutamos de jovens que agradecem o apoio e todo o esforço maternal? Do jogador de futebol ao recém-formado cotista ou pelo pro-uni, as mães possuem papeis estratégicos).
São as mesmas mulheres que na época da escravidão corriam risco pelos filhos. As mulheres que trançavam os cabelos para esconder o ouro e as sementes para levar para os quilombos. Estas mesmas mulheres que são invisibilizadas hoje.

Por que a mulher negra incomoda tanto? Ela não possui, como aliados, o homem e a mulher brancos e, em grande parte das vezes, nem o homem negro se alia. De onde vem esta herança? Pouco se fala da história de Anastácia, onde as mulheres da casa grande, com inveja da beleza dela, se calaram e incentivaram as punições até a sua morte. Quantas jovens negras se veem isoladas em situação de conflito?

Por outro lado, como isolar esta (maldita) herança das instituições que formam o Estado-Nação brasileiro? Se ficarmos atentos ao discurso formal e politicamente correto sobre os negros, os indígenas, as mulheres e outras (ditas) minorias como dignos do título de cidadãos. Porém, quantos/as de nós ficamos pouco convencidos/as quando depois do discurso aquele/a representante do Governo, da instituição qualquer, não nos oferece nem um cartão de visitas, ou nem sequer se apresenta, ignorando sua presença no espaço…
Sem esquecer que, como no período da escravidão, quem trai é recompensado. Vejamos o caso da ascensão dentro de partidos políticos, do Governo, ou de negros/as que não estão realmente defendo a causa negra. Quantos bons/boas ativistas foram isolados/as e enfraquecidos/as? A máxima do indivíduo negro que trai outro negro, que fugia antes do cativeiro, era promovido e ganhava a liberdade é sempre valida? Ainda presente neste nosso contexto? Digamos que não se trata de mera semelhança com o exercito legionário de certas «potencias mundiais»…

Comissão da verdade e de Justiça? Nós, negros/as (ou afrodescendentes por conveniência histórica), também queremos. Porém, essa justiça pra ser de verdade precisa suprir/reparar os danos causados, ao invés de continuar injustiçando. Queremos entender quando o racismo institucional bate a nossa porta, no nosso espelho, no nosso cotidiano, nos bloqueando de ascender socialmente como qualquer outro/a.
O outro, o malvado da história, pode encontrar-se dentro do seu próprio país quando o status de cidadão é negado, mesmo simbolicamente.
Digamos que fica a confissão de alguém que não quer mais ver negros/as disputando migalhas em cargos governamentais enquanto o Brasil está investindo pesado na Africa (com a chegada de empresários brancos brasileiros), enquanto se deveria lutar para ocupar cargos estratégicos (como Ministérios: da Saúde, da Justiça, de Minas e Energia etc).
A pergunta pode ser provocativa, porém, a resposta pode ser muito mais: a nossa maldita herança diz que quando se é «superior» não precisa provar nada. Ja se é «naturalmente». Naturalmente, ocupando cargos de chefia. Naturalmente, ganhando e vivendo melhor que a maioria, como na época da escravidão.
Ignorar o racismo e a herança escravocrata no Brasil, é manter des-conhecimento da história deste dito Estado-Nação chamado Brasil.

Codigo Penal:
Brasília – A comissão de juristas que formula uma proposta de reforma para o Código Penal brasileiro aprovou na segunda-feira (21/5) mudanças na lei que trata de crimes contra a humanidade. A ideia do grupo – formado por advogados, juízes, promotores e defensores públicos – é incluir no novo código um capítulo exclusivo para tratar do tema.
“Até 1956, o crime de genocídio era previsto apenas por raça, cor ou religião. Só que, nesses 50 anos, o genocídio mostrou que nem sempre ele acontece por esses fatores. Temos o caso de Ruanda, em que se tratava de pessoas da mesma raça e religião. Então, fizemos uma atualização incluindo essas outras possibilidades”, explicou o relator da comissão, o procurador regional da República, Luiz Carlos dos Santos Gonçalves.

A história nos mostra que a mesma situação já ocorreu na maioria dos países do mundo. Por isso soa tão mal, em uma avaliação superficial, qualquer proposta de ação afirmativa. Essa é a luta que a ação afirmativa trava diariamente contra o individualismo egoísta e em prol de uma sociedade mais justa.
Sabemos que o maior problema a ser enfrentado no combate à discriminação racial no Brasil está no formato covarde como ela aqui se apresenta (ou se esconde). O direito à igualdade é amplamente protegido na Constituição da República em vários de seus dispositivos (art. 3º, incisos: I e IV, art. 4º, incisos: II e VIII, art. 5º e outros) o que não garante, no entanto, a tão sonhada justiça social almejada por alguns poucos constituintes e pela maior parte do povo brasileiro.
Sabemos que o maior problema a ser enfrentado no combate à discriminação racial no Brasil está no formato covarde como ela aqui se apresenta (ou se esconde). O direito à igualdade é amplamente protegido na Constituição da República em vários de seus dispositivos (art. 3º, incisos: I e IV, art. 4º, incisos: II e VIII, art. 5º e outros) o que não garante, no entanto, a tão sonhada justiça social almejada por alguns poucos constituintes e pela maior parte do povo brasileiro.

Um afro abraço.


Fonte :www.correiobraziliense.com.br/ Ariquemes Online/http://jus.com.br/r
nceito-sem-cara#ixzz20ADqNUf6/i=lfg.jusbrasil.com.br/




Favelas as grandes vítimas do coronavírus no Brasil

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