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terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Iemanjá - Lenda, Mito e Sincretismo Religioso

Sincretismo é a fusão de diferentes doutrinas para a formação de uma nova, seja de caráter filosófico, cultural ou religioso. O sincretismo mantém características típicas de todas as suas doutrinas-base, sejam rituais, superstições, processos, ideologias e etc.

Etimologicamente, a palavra "sincretismo" se originou a partir do grego sygkretismós, que significa "reunião das ilhas de Creta contra um adversário em comum", que por sua vez foi traduzido para o francês syncrètisme, dando origem, consequentemente, à variante na língua portuguesa. 
No Brasil, a orixá goza de grande popularidade entre os seguidores de religiões afro-
brasileiras e até por membros de religiões distintas. Em Salvador, ocorre anualmente, no dia 2 de fevereiro, a maior festa do país em homenagem à "Rainha do Mar". A celebração envolve milhares de pessoas que, trajadas de branco, saem em procissão até o templo mor, localizado no bairro Rio Vermelho, onde depositam variedades de oferendas, tais como espelhos, bijuterias, comidas, perfumes e toda sorte de agrados. Todavia, na cidade de São Gonçalo, os festejos acontecem no dia 10 de fevereiro.

Outra festa importante dedicada a Iemanjá ocorre durante a passagem de ano no Rio de Janeiro e em todo litoral brasileiro. Milhares de pessoas comparecem e depositam no mar, oferendas para a divindade. A celebração também inclui o tradicional "banho de pipoca" e as sete ondas que os fiéis, ou até mesmo seguidores de outras religiões, pulam como forma de pedir sorte à orixá. Na umbanda, é considerada a divindade do mar.

MITOLOGIA
Iemanjá (no ioruba Yèyé omo ejá; Yemọjá na Nigéria, Yemaya em Cuba, ou ainda Yemanjá ou Yemonjá no Brasil; ver seçãoEtimologia) é o orixá africano do povo Egbá divindade das águas doces e salgadas, seu culto principal situava-se em Abeokuta no rio Ògùn. É também conhecida no Brasil pelos epítetos Iyá Ori, Mãe d'água, Rainha do Mar, Sereia, Inaê, Aiucá, ou Maria princesa do Aioká, sendo reverenciada no Candomblé, Santeria, Umbanda, Xangô do Recife, Batuque, Xambá, Culto Tradicional de Ifá, Regla de Ocha, Omolokô, Terecô, Vodu haitiano e Vodu da Luisiana. É conhecida popularmente como Dona Janaína em especial na Umbanda É identificada no jogo do merindilogun pelos odus ejibe e ossá. É representado no candomblé através do assentamento sagrado denominado igba yemanja. Manifesta-se em iniciados em seus mistérios (eleguns) através de possessão ou transe, ato em que os orixas nas palavras de R. S. Barbara: "(...)vem para dançar e mostrar os seus poderes, representando em gestos suas ações míticas"

No Brasil desenvolveu profunda influência na cultura popular, música e literatura, adquirindo no processo de consolidação da cultura brasileira cada vez mais aspectos sincréticos às influências étnicas do novo mundo, ou que neste se encontraram, se tornando personagem mítico mais ilustrativamente brasileiro do que ancestral africano, conforme pode ser observado através de sua representação por diversos intelectuais, artistas e o folclore dos populares que em sua imagem reuniram as "três raças", que figura na Dona Janaína uma personalidade a parte, sedutora, sereia dos mares nordestinos, com cultos populares simbólicos que muitas vezes não expressam necessariamente uma liturgia real, esta última ainda conservada rigorosamente pelos cultos afro-brasileiros. Nessa visão, segundo Bernardo, “(...)é mãe e esposa. Ela ama os homens do mar e os protege. Mas quando os deseja, ela os mata e torna-os seus esposos no fundo do mar”

LENDA :Os mitos de Iemanjá assim como os de muitos outros orixás sobreviveram e ainda sobrevivem especialmente através da oralidade, na sociedade iorubá o "contador de histórias" tinha um papel muito importante assim como o próprio mito, o ato de narrar

segundo E. Pereira e N. Gomes, "é uma prática social que permite aos indivíduos criarem laços entre si e com o mundo, independente de classe e modelo social.A sociedade iorubá é sustentada pelo mito, ela não é nutrida pela visão histórica, "é pelo mito que se alcança o passado e se explica a origem de tudo, é pelo mito que se interpreta o presente e se prediz o futuro, nesta e na outra vida. Como os iorubás não conheciam a escrita, seu corpo mítico era transmitido oralmente", apresenta R. Prandi.

R. M. Portz, diz que ao se passar a oralidade para a forma escrita "se perde, mas também se ganha", pois embora a história em forma escrita perca a flexibilidade da narrativa natural, permite a permanência de seu registro e divulgação para meios e contextos diferentes do qual é oriunda. Um lado negativo, menciona Portz, é que a partir de quando a história assume a forma escrita estará sujeita a consagrar-se comoverdadeira ou legítima, o que, muitas vezes, impede a valorização de diferentes versões orais por admitir-se que existe apenas uma forma correta de contar os acontecimentos de uma história ou por ignorar-se que existe criatividade dos narradores orais e que a tradição se renova, sendo o passado modificado pelo presente.

Antes de começarmos a abordar a sua mitologia é muito importante ressaltar que Iemanjá, assim como muitos orixás, teve boa parte de sua mitologia construída no processo de diáspora, em novos territórios, principalmente com o sincretismo de novas crenças e encontros com outros orixás. Para S. Poli, "A Yemanjá que conhecemos no Brasil, segundo vemos na obra de Verger, reúne elementos das divindades Yorubás Yemọja, Yeyemowo e Yewa (e outras divindades menores ligadas às águas das várias cidades yorubás que se encontravam através de seus filhos da diáspora, desde a época das senzalas).

Os principais relatos mitológicos de Iemanjá se desenrolam com os orixás primordiais da
criação iorubá do mundo. Filha da união conturbada de Olorun e Olokun (sendo esta última uma divindade feminina em Ifé e masculina no Benim ) e irmã de Olossa e Ajê Salugá. Olokun pelo caráter instável e destrutivo foi atada ao fundo do oceano em seus domínios após uma tentativa de dilúvio frustrada por Olorun, E. L. Nascimento menciona ao referir-se ao temor aos aspectos anti-sociais ou negativos dos Orixás femininos, "Iemanjá, igualmente,representa em seu aspecto perigoso a ira do mar, a esterilidade e a loucura".Não obstante, é muito frequente referências a natureza benéfica de Iemanjá, L. Cabrera assim defende: "Sem deformar essa definição encantadora e irrefutável, podemos imaginar Iemanjá emanada de Olokun, com seu poder e suas riquezas, mas sem as características tremebundas que o associam mais à morte do que à vida, como sua manifestação feminina - Iemanjá é muito maternal - e benéfica"

P. Verger aponta sua primeira união com Orunmilá, o orixá dos segredos (essa união é amplamente celebrada no culto de ifá afro-cubano com diferentes itans, mas atualmente negada pelos seguidores do culto de ifá nigeriano ), relação que pouco durou uma vez que Orumilá a expulsa e a acusa de quebrar o Ewo que proíbe o acesso de mulheres aos Odus e o manuseio dos objetos sagrados de Ifá. L. Cabrera assim registra a sequência desse mesmo itan: "Orunmilá teve de assistir a uma reunião de dezesseis awós, convocada por Olofi.Ela ficou em casa e a todos que iam consultar seu marido, em vez de dizer-lhes que esperassem sua volta, ela fazia passar adiante e adivinhava para eles. Seus vaticínios tiveram tamanho êxito, seus ebós alcançaram tão bom resultado, que o povo começou a dizer que Iemanjá era tão ou mais competente do que Orunmilá, de modo que, quando este voltou, todos lhe pediam quem Iemanjá olhasse para eles. Orunmilá explicava que as mulheres não podem jogar Ifá. Eles iam embora... e não voltavam mais".

Posteriormente Iemanjá foi casada com Olofin Oduduwa criador do mundo e rei de Ifé, com a qual teve dez filhos. Alguns dos nomes enigmáticos de seus filhos parecem corresponder a Orixás, Verger apresenta dois exemplos: "Òsùmàrè ègò béjirìn fonná diwó" (o arco íris que se desloca com a chuva e guarda o fogo nos seus punhos), e "Arìrà gàgàgà tí í béjirìn túmò eji" (o trovão que se desloca com a chuva e revela seus segredos). Iemanjá cansada da vivência na cidade de Ilê Ifé governada pelo marido decide-se fugir para o Oeste, para a "terra do entardecer". Antes de viver no mundo Iemanjá recebera de Olokun, sempre precavida pois "não se sabe jamais o que pode acontecer amanhã", um vasilhame contendo um preparado mágico com a recomendação que se algum caso extremo se sucedesse, Iemanjá o quebrasse no chão. Iemanjá que já havia se instalado no entardecer da Terra foi surpreendida pelo exército de Olofin Oduduwa que estava a sua procura, longe de se deixar capturar, quebrou o vasilhame com o preparado conforme as indicações que recebera. Nasceu no mesmo lugar um rio que levou Iemanjá novamente para o Okun, os oceanos de Olokun onde foi acolhida.

Outro mito sugere que foi casada com Okere, rei de Xaki, cidade localizada ao norte de Abeokuta. Este mito parece complementar suas andanças após a fuga de seu casamento
com Olofin Oduduwa. O mito se inicia com Iemanjá se instalando em Abeokuta que seria a terra do entardecer do mito anterior, e o desfecho muito se assemelha, com a presença do vasilhame com o preparado mágico de Olokun. Iemanjá que "continuava muito bonita", despertou o desejo de Okere que lhe propôs casamento. A união se sucedeu com a condição que Okere em nenhuma situação expusesse o tamanho da imensidão de seus seios ao ridículo. Mas Okere certo dia bêbado retorna para casa e tropeça em Iemanjá que o recrimina, e este não tendo controle das faculdades ou emoções, grita ridicularizando-lhe os seios. Iemanjá foge em disparada ofendida com o feito de Okere, que lhe persegue. Em sua fuga, Iemanjá tropeça quebrando o vasilhame que lhe foi dado e dele nasce o rio que lhe ajudará a chegar até o mar. Okere não querendo permitir a fuga da mulher se transforma numa colina que lhe barra o caminho para qualquer direção. Iemanjá uma vez com sua rota até o oceano bloqueada, clama pelo mais poderoso de seus filhos, Xangô. Assim P. Verger relata o seu desfecho: "Xangô veio com dignidade e seguro do seu poder.(...) E declarou que, no dia seguinte, Iemanjá encontraria por onde passar. Nesse dia, Xangô desfez todos os nós que prendiam as amarras de chuva. Começaram a aparecer nuvens dos lados da manhã e da tarde do dia. Começaram a aparecer nuvens da direita e da esquerda do dia. Quando todas elas estavam reunidas, chegou Xangô com seu raio. Ouviu-se então: Kakara rá rá rá ... Ele havia lançado seu raio sobre a colina Okere. Ela abriu-se em duas e, suichchchch ... Iemanjá foi-se para o mar de sua mãe Olokun. E aí ficou e recusa-se, desde então, a voltar em Terra".

- A sequência de mitos apresentada denota a passagem de Iemanjá de sua origem em
Olokun à sua transformação em um rio, justificando o seu culto em Abeokuta, e alude a uma visão que só posteriormente tomaria maior forma, relacionando-a à mãe prolífica, inclusive de filhos orixás, conforme as duas menções a Xangô.


Em África, Iemanjá é senhora de traços negros com formas bem evidenciadas e seios muito volumosos, por vezes representada grávida...No Brasil nos âmbitos populares ocorreu uma aproximação entre a figura africana e a sereia europeia branca, com seus atributos de sedução e cantos enfeitiçadores, já confundida com a Iara, a Mãe d'Água. Até o séc. XIX encontramos representações de Iemanjá na Bahia como uma senhora, expondo seus grandes seios, não aludindo em nada a figura mitológica da
sereia, no entanto neste mesmo século já nos é possível reconhecer representações que, fundem os atributos do orixá com a figura europeia...

Esse sincretismo de ideias e artístico que observa-se como por exemplo, na escultura de Carybé, também é bem visível nas representações de qualquer ponto de Salvador, em oposição com a representação distinta da Umbanda, especialmente nos estados a sudeste do Brasil, que nos apresenta uma mulher de pele branca, com longos cabelos negros e lisos e roupa azul...

Ao estudar as duas deusas, mostrou que são duas faces do mesmo arquétipo. No entanto, provavelmente para não parecer racista, não confronta Maria diretamente com Iemanjá, mas interpõe uma terceira deusa, Ísis, a grande mãe do Egito antigo, distante da realidade aqui
tratada e, portanto, figura neutra para o debate atual".

A gradação da "cor da pele" dos orixás "reflete a miscigenação racial da população que os cultua e o movimento de 'abrasileiramento' da religião. Outra interpretação da concepção do orixá, mais radical quanto à desvinculação entre a origem racial, de cor de pele e os deuses, é aquela que pensa os orixás como forças da natureza", apontam M. Moura e J. B. Santos, e acrescentam, "Nesta concepção Iemanjá é o mar, Oxum os rios, Iansã os ventos(...)", aqui fazem alusão a uma nova concepção brasileira do orixá como divindade panteísta e não de culto ancestral, o que justificaria a perda de seus traços étnicos.

Um afro abraço.

Claudia Vitalino.
Fonte: Deusa Iemanjá/https://www.significados.com.br/

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