O "ser negro" é visto, historicamente, como um fenômeno negativado, sendo explicado por várias ciências, em especial pela Psicologia. De acordo com registros sobre a África negra, essa população era considerada impura; julgamento esse encontrado em documentos religiosos que apresentavam o negro como herdeiro de Cam e, pela Biologia, era-lhe atribuída uma "natureza" negativa. A partir dessas e de outras fontes, o negro é estudado como um "fenômeno diferente", ora analisado como "criação divina", ora como "obra da natureza", mas sempre interpretado como defeituoso. Essas explicações passaram a ser registradas como justificativas para explicar a inferioridade do negro nos aspectos intelectual, emocional e social de sua personalidade, devido à sua origem africana, tida como primitiva e animalesca. Sua terra natal era considerada como a terra de pecado e de imoralidade geradora de homens corrompidos e a cor que os distinguia dos brancos era estranha e pedia explicação
Nas referências citadas, há também o registro de que cerca de 50 milhões de africanos foram
trazidos ao Brasil durante mais de 300 anos de escravidão, advindos principalmente das possessões portuguesas de Angola, Moçambique, Cabo Verde e Guiné Bissau. Esses povos foram os primeiros a receber a nomeação de "negros inferiores" (Marquese, 2004; Meltzer, 2004; Rodrigues, 2000; Schwartz, 1993). As construções a partir de tais idéias acerca do negro conferiram-lhe uma posição ideologicamente constituída de estereótipos que descrevemos a seguir:
a) O negro é um ser inferior - intelectual, emocional e social.
Santos (2003) afirma que a caracterização negativa da cor negra aparece antes da noção de raça. Para asseverar essa concepção, Cohen (1980), citado por aquele autor, também registrou que a temática da cor negra apareceu nos vários tempos da humanidade com valoração negativa fundamentada como símbolo de hierarquia de classes.
b) O negro representa: falta de moralidade, signo de morte e corrupção; em contrapartida, o branco, signo de vida e de pureza.
Reforça essa idéia a dedução que se faz de trechos religiosos divulgados em tempos idos, sobre o "negro" como representação do pecado e da maldição divina. Ribeiro (1995) registrou o texto da bula Romanus Pontifex, de agosto de 1454, do Papa Nicolau V, o qual apresenta a idéia da Igreja que seria a "salvadora das almas", notadamente dos negros, atribuindo ao rei Afonso a plena e livre faculdade, entre outras, de invadir, conquistar, subjugar a quaisquer sarracenos e pagãos, inimigos de Cristo, suas terras e bens, a todos reduzir à servidão e tudo praticar em utilidade própria e dos seus descendentes (pp. 39-40).
c) O negro não é civilizado.
O fato de ser negro pode indicar que são incapazes de progredir, de evoluir nos aspectos intelectuais, emocionais e sociais, não podendo, portanto, contribuir para o progresso de uma sociedade baseada na ideologia branca/européia.
Para configurar esse preconceito, vale lembrar que o costume de marcar os excluídos, com um ferro, na Grécia clássica (e em outras culturas), criava estigma permanente nos escravos, criminosos e traidores, os quais deveriam ser evitados. Goffman (1963/1988) usou essa idéia para ilustrar qualquer atributo considerado profundamente desabonador. A posse de tal desqualificação pode ter efeitos deformadores sobre o desenvolvimento individual, pois, em certa medida, as pessoas por ela atingidas são excluídas das relações sociais "normais".
Outra série de argumentos que apoiam o contexto deste artigo são aqueles afiliados ao
evolucionismo social ou darwinismo social. As contribuições descritas pelos adeptos dessas idéias consideram o negro como incapaz de evoluir, o que prejudicaria o sentido do progresso. Visto como hereditariamente inferior, Priori & Venâncio (2004) registram que muitos viajantes identificavam os africanos como sendo semelhantes aos macacos, o que era resultante da convivência com eles. Esse tipo de estereótipo serviu para fortalecer as caracterizações "desumanas", afirmando que o negro não teria possibilidade de atingir a perfeição como era suposta aos brancos (Buffon, 1749/1971; Calmon, 2002; Fausto; 2001; Fernandes 1972 e 1978; Florentino & Góes, 1997; Chiavenato,1999; Costa, 1986; Gomes, 1994; Moura, 1983 e 1989; Marquese, 2004; Meltzer, 2004; Munanga, 1988, 1996, 1999; Priori & Venâncio 2004; Rodrigues, 2000; Silva, 2003).
d) O negro é propenso a ser criminoso.
De acordo com o modelo determinista, apareceram a craniologia técnica e a antropologia criminal (...) cujo principal expoente - Césare Lombroso - argumentava ser a criminalidade um fenômeno físico e hereditário e, como tal, um elemento objetivamente detectável nas diferentes sociedades (citado por Schwartz, 1993, p: 48/49).
Tal afirmação encontra-se na literatura sobre o negro e a criminalidade; por exemplo, em Gomes (1994), Gould (1999), Ribeiro (1995) e Silva (2003). As classificações que hierarquizaram as raças foram construídas por meio do uso de escalas de valores entre os diferentes povos - asiáticos, africanos, europeus - estabelecendo relações entre a biologia (cor da pele, traços morfológicos) e as qualidades morais, psicológicas e socioculturais. Segundo esta perspectiva, a raça branca era considerada superior à amarela ou negra por causa das diferenças físicas hereditárias: cor da pele, formato do crânio, formas dos lábios, do nariz e do queixo, dentre outras (Munanga, 2004). Reforçando tais idéias, podemos citar também estudos sobre Psicologia Diferencial, doença mental e também a aplicação da frenologia que advoga que as capacidades ou habilidades mentais teriam sua sede numa determinada localização no cérebro, hoje comentadas nas concepções de autores como: Anastasi (1967); Galton (1979 e 1988), Gould (1999); Gobineau (1853) e Le Bon (1894). O uso de tais construções pode explicar o que é denominado racialismo, dando suporte ao aparecimento da categoria negro baseada em características biológicas que, fortalecida pelas atitudes a ela incorporadas, resultou numa depreciação do negro africano, inserindo, posteriormente nesta categorização, o negro brasileiro numa ancoragem aos estereótipos a ela atribuída.
A negritude: o retorno à África ou a uma forma de vida
O exercício da negritude teve a sua origem nos movimentos culturais conduzidos por protagonistas negros, brancos e mestiços que, a partir das primeiras décadas do século XX, lutaram por um renascimento do negro. Esses movimentos tinham como objetivo divulgar e valorizar as raízes culturais africanas, crioulas, em todo o mundo e, principalmente, em três países das Américas: Cuba, Estados Unidos e Haiti (Lopes, 2004; Munanga,1988).
Um importante investimento que objetivava dar visibilidade ao negro foi registrado no movimento nomeado como Pan-africanismo. Em sua formação, estava a elite negra que tomava parte nos eventos acadêmicos, como são os congressos. Além disso, participava da leitura de livros, jornais e outros meios de divulgação que somente era circunscrito a esse grupo populacional. Consta que esse movimento, articulado como posicionamento político e intelectual do fim do século XIX teve como precursores Edward W. Blyden; Booker T. Washington e W.E.B. Du Bois (Lopes, 2004; Munanga,1988). Em 1900, outro protagonista, Sylvester Willians, em uma conferência, em Londres, celebrou os progressos que o Movimento havia alcançado. O Pan-africanismo trazia, no seu bojo, idéias que valorizavam a história do negro e sua cultura. Tais idéias foram a fonte que induziu o aparecimento de outras iniciativas como o Harlem Renaissance e a Negritude (Lopes, 2004; Munanga,1988).
A identidade negra: uma forma de articular cultura, educação e formação de professores
Os homens e as mulheres, por meio da cultura, estipulam regras, convencionam valores e significações que possibilitam a comunicação dos indivíduos e dos grupos. Por meio da cultura eles podem se adaptar ao meio, mas também o adaptam a si mesmos e, mais do que isso, podem transformá-lo.
O modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral e valorativa, os diferentes comportamentos sociais e mesmo as posturas corporais são assim produtos de uma herança cultural, ou seja, o resultado da operação de uma determinada cultura. (Laraia, 2001, p.68)
Entre os processos culturais construídos pelos homens e pelas mulheres na sua relação com o meio, com os semelhantes e com os diferentes, estão as múltiplas formas por meio das quais esses sujeitos se educam e transmitem essa educação para as futuras gerações. É por meio da educação que a cultura introjeta os sistemas de representações e as lógicas construídas na vida cotidiana, acumulados (e também transformados) por gerações e gerações.
Por isso, ao discutirmos a relação entre cultura e educação, é sempre bom lembrar que a educação não se reduz à escolarização. Ela é um amplo processo, constituinte da nossa humanização, que se realiza em diversos espaços sociais: na família, na comunidade, no trabalho, nas ações coletivas, nos grupos culturais, nos movimentos sociais, na escola, entre outros.
Mas como a identidade negra se articula com a cultura e com a educação? Um caminho interessante para refletir sobre essa articulação seria não pensar a identidade negra como a única possível de ser construída pelos sujeitos que pertencem a esse grupo étnico/racial. Entre as múltiplas identidades sociais que os negros e as negras constroem, a identidade negra é uma delas.
"A reflexão sobre a construção da identidade negra não pode prescindir da discussão sobre a identidade como processo mais amplo, mais complexo. Esse processo possui dimensões pessoais e sociais que não podem ser separadas, pois estão interligadas e se constroem na vida social".
Como a escola lida com o corpo negro e o cabelo crespo?
O corpo localiza-se em um terreno social conflitivo, uma vez que é tocado pela esfera da subjetividade. Ao longo da história, o corpo se tornou um emblema étnico e sua manipulação tornou-se uma característica cultural marcante para diferentes povos. Ele é um símbolo explorado nas relações de poder e de dominação para classificar e hierarquizar grupos diferentes. O corpo é uma linguagem e a cultura escolheu algumas de suas partes como principais veículos de comunicação. O cabelo é uma delas.
O cabelo é um dos elementos mais visíveis e destacados do corpo. Em todo e qualquer grupo étnico ele é tratado e manipulado, todavia a sua simbologia difere de cultura para cultura. Esse caráter universal e particular do cabelo atesta a sua importância como símbolo identitário.
Finalizando:Mas como a escola lida com o corpo negro, o cabelo crespo e a cultura negra? Como as crianças, adolescentes, jovens e adultos negros são vistos e se vêem na escola? Para respondermos a essas questões teremos que nos aproximar dos homens e mulheres negras que já passaram pela escola e também daqueles que ainda estão realizando a sua trajetória escolar;
o conceito do "negro'' como abstração e que este tem sido usado desde a instituição do sistema escravista no Brasil, para justificar e divulgar a suposta inferioridade dessa população. Esperamos poder incitar profissionais e estudiosos da Psicologia e áreas afins para a importância de conhecer e discutir as idéias expostas sobre o negro e, com isto, propormos debates acerca das questões e movimentos sobre a negritude. Acreditamos que tais debates possam ser significativos para a compreensão dos relacionamentos inter-raciais, bem como dos possíveis sofrimentos que são conseqüências de experiências discriminatórias vividas pelos afro-brasileiros, herdeiros das formas de vida dos ancestrais negros a partir do sistema escravista.
Um afro abraço.
Claudia Vitalino.
REBELE-SE CONTRA O RACISMO!
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