alguma variação. Tomada como ponto de partida a caracterização proposta por David Brookshaw, em seu livro Raça e cor na literatura brasileira, 1983, embora com algumas ressalvas a outras colocações suas nessa mesma obra, passo a destacar os estereótipos que considero mais evidentes.
Por meio da literatura, o artista recria o mundo, (re) significa valores, costumes e fatos (...). Desse modo, as condições sociais, os hábitos, as crenças, os estereótipos e os preconceitos compartilhados por um determinado grupo em uma determinada época são elementos formadores da visão de mundo e fatalmente estarão presentes na criação artística.
Começo pelo escravo nobre, que vence por força de seu branqueamento, embora a custo de muito sacrifício e humilhação. É o caso da escrava Isaura, do livro do mesmo nome, escrito por Bernardo Guimarães e publicado em 1872 e de Raimundo, o belíssimo mulato de olhos azuis criado por Aluísio de Azevedo em O mulato, lançado em 1881. Essa nobreza identifica-se claramente com a aceitação da submissão, apesar da bandeira abolicionista que o primeiro pretende empunhar e da denúncia do preconceito assumida pelo segundo. A fala de Isaura deixa clara a posição, como nesse diálogo com sinhá Malvina, diante da tristeza da canção entoada pela primeira:
– Não gosto que a cantes, não, Isaura. Hão de pensar que és maltratada, que és uma escrava infeliz, vítima de senhores bárbaros e cruéis. Entretanto passas aqui uma vida, que faria inveja a muita gente livre. Gozas da estima de teus senhores. Deram-te uma educação, como não tiveram muitas ricas e ilustres damas, que eu conheço. És formosa e tens uma cor linda, que ninguém dirá que gira em tuas veias uma só gota de sangue africano "coitada"...
-No início da década de 1970, os escritores e escritoras negras viviam todas as espécies de solidão, mas duas delas eram mais aflitas, pois não se tratava de um lugar comum do ofício e o que é pior, se impunham à revelia da disponibilidade existencial de cada um.
Uma dessas solidões era provocada pelos escritos de gaveta, de emoções e sentimentos aprisionados, de verdades incertas, de certezas voláteis e silêncios exasperados; como se houvesse punição à força daquela criação que não se desnudava. Outra dessas solidões se traduzia na participação singular nos grupos literários formados por maioria de autores brancos, onde o texto, sempre que quando negro, negritude, negrícia, extrapolava a coisa
literata e de modo inexplícito vagava no limbo de uma atitude social nem sempre provida de sutileza. Algo assim como um boi da cara preta e nada mais que isso, ou um Pelé, e nada mais que isso, naquela literatura que praticávamos.
-Cada um sem saber da existência de tantos, quase que emparelhados, esses escritores e escritoras transitavam por uma espécie de labirinto, sem achar uma saída comum, um lugar de encontro, que permitisse alçar outros vôos.
A palavra escrita cor da pele começou a impor-se em meados dos anos setenta carregada de anseios por uma unicidade nesse fazer negro com o verbo. Entretanto, a razão coletiva conduziu aquele arrojo, de cor sincera, na intenção de construção de uma identidade literária, como já vinha ocorrendo nas Antilhas, nos Estados Unidos e com os autores africanos que viviam na Europa. Antes porém, experimentamos algumas ousadias isoladas, mas pouco, muito pouco, e que não chegou a caracterizar um grupo de autores negros brasileiros escrevendo com plena identidade racial.
Vale a pena observar que naquele início, quando ainda não tínhamos estreitado as relações literárias, as mulheres negras que detinham a sensibilidade e o dom da poesia eram chamadas de poetisas. De repente, quando a intimidade tornou-se convivência do ofício e explicitou a singularidade e a natureza feminina daquele modo dos versos, elas exigiram serem ditas poetas. Poetas negras. Num manejo ideológico naquele espaço de aplicação do idioma, que de certo tinha propósito mais do que óbvio às suas pretensões de escritoras. Eram mulheres negras que também se aplicavam às outras lutas.
A anistia política, a euforia do milagre econômico simulado pela ditadura militar, a pressão dos movimentos sociais, a vitalidade e determinação dos movimentos artísticos, as organizações dos trabalhadores e das associações de moradores, tudo isto carregado de
1 - Machado de Assis( não se reconhecia como negro): Embora o marketing da Caixa tenha desconsiderado o fato, o maior escritor de todos os tempos da literatura brasileira e mundial é um negro cuja obra se tornou imortal e eterna, com seu jeito único de escrever rompendo as barreiras do preconceito;
2 - Toni Morrison: Autora americana de escrita forte e pungente marcando seus romances. Em 1993 recebeu o Prêmio Nobel de Literatura;
3 - Oswaldo de Camargo: Um dos principais conhecedores da literatura negra no Brasil. Além do estudo a esta literatura, é contista, poeta, novelista e jornalista;
4 - Colson Whitehead: Autor de 5 livros aclamados o americano nascido em Manhanttan,
entre eles um de meditação cujo estilo foi comparado a E. B. White.
5 - Manoel Soares: é um daqueles caras que vem com a palavra "engajado" na testa. Líder comunitário, e repórter da RBS TV, seu primeiro livro chama a atenção para o problema do Crack. Zumbis da Pedra escrito junto com Marco Cena faz um alerta, e uma analogia bem perspicaz.
6 - Celso Athayde: Produtor que cuida da carreira de vários nomes do Hip Hop nacional, como MV Bill, é co-autor dos livros, Falcão - Meninos de tráfico, e Cabeça de porco;
7 - Walter Mosley: É reconhecido por sua literatura policial, cuja principal série trás Easy Rawlins, um investigador privado negro da II Guerra mundial que vive em Watts, Los Angeles;
8 - James Baldwin: Foi o primeiro escritor a dizer aos brancos o que os negros americanos pensavam e sentiam. Chegou no auge de sua fama durante a luta dos direitos civis no início da década de 1960. Tornou-se mais famosos pelos ensaios do que pelos romances e peças teatrais, mas apesar disso queria se tornar um ficcionista, considerando seus ensaios um trabalho menor.
9 - Zora Neale Husrton: Antropóloga e folclorista, e escritora americana é uma dos expoentes da literatura negra nos Estados Unidos. Seu trabalho por um bom tempo foi relegado ao esquecimento, que obteve apenas postumamente;
10 - Cruz e Souza: Um dos principais poetas brasileiros, foi um dos percursores do simbolismo no Brasil. Também foi conhecido como Dante Negro, e Cisne Negro;
Um capitulo a parte para dois autores:
Jorge Amado- O que temos que levar em conta é em que medida a experiência do autor que
tem a ver com afro-brasilidade vai alimentar e estará representada na sua literatura. Por isso, nem todo escritor negro é considerado um escritor afro brasileiro. É necessária uma história de militância, uma identificação política para reivindicar para si o qualificativo de escritor afro brasileiro e não apenas a cor da pele.
Jorge Amado, mesmo tendo o reconhecimento dos autores africanos a ponto de ser considerado um modelo por eles e reconhecer nele uma identidade. - Pode ser considerado um escritor afro brasileiro?, pois o negro em sua obra é, corriqueiramente, retratado de forma estereotipada, principalmente a mulher negra e mulata, vista quase sempre como objeto de desejo sexual.
A esse respeito Domício Proença Filho (2004, p.166) diz: “O negro ou o mestiço de negro erotizado, sensualíssimo, objeto sexual, é uma presença que vem desde Rita Baiana em O Cortiço, e mesmo do mulato Firmo, do mesmo romance, passa pelos poemas de Jorge de Lima, como “Nega Fulô”, suaviza-se nos Poemas das negras (1929), de Mário de Andrade e ganha especial destaque na configuração das mulatas de Jorge Amado. A propósito, a ficção do excepcional romancista baiano contribui fortemente para a visão simpática e valorizada de inúmeros traços da presença das manifestações ligadas ao negro na cultura brasileira, embora não consiga escapar das armadilhas do estereótipo. Basta recordar o caso do ingênuo e simples Jubiabá, do romance de mesmo nome, lançado em 1955, e da infantilizada e instintiva Gabriela, de Gabriela, cravo e canela”.
Mais ao mesmo tempo Jorge Amado, mesmo assim teve seu valor num tempo que pouco se escrevia sobre preto, ele formulou enredos nos quais as hierarquias dos gêneros, ou mesmo "dos sexos", serviram explicitamente como elementos estruturantes destes romances. Mas sim, ressaltar como Jorge Amado, ao centralizar seus interesses nas relações entre raça/cor e classe, encontrou nas demarcações das diferenças de gênero uma série de referências, valores e atributos à sua ideia de revolução. Assim, é o negro masculinizado que emergiu enquanto representação ideal do sujeito revolucionário amadiano. O homem racionalizado pela cor de sua posição social e a mulher enegrecida e masculinizada pelas "exigências" do caráter revolucionário e deu voz aos deuses vindo africanos...
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Solano Trindade- A questão da linguagem também merece atenção, pois evoca uma oralidade de matriz africana que valoriza e dá poder à palavra. Aqui vale ressaltar a diferença entre oralidade e linguagem oral. Oralidade como sistema de pensamento e linguagem oral que é a forma como falamos. A literatura afro-brasileira trabalha nessas duas perspectivas,
tem uma vinculação com essa oralidade de matriz ancestral africana e tem relação com essa linguagem falada, com uma certa espontaneidade da nossa dicção que acaba sendo tomada como forma de resistência ao mundo das normas.
tem uma vinculação com essa oralidade de matriz ancestral africana e tem relação com essa linguagem falada, com uma certa espontaneidade da nossa dicção que acaba sendo tomada como forma de resistência ao mundo das normas.
-O centenário de seu nascimento foi celebrado em 2008, quando houve três lançamentos ligados à obra do poeta, Tem gente com fome (em formato infanto-juvenil), Poemas antológicos de Solano Trindade e O poeta do Povo.
Assim, escreveu: “Eu canto Palmares/ sem inveja de Virgílio, de Homero/ e de Camões ...” Em 1949, teria pronunciado, na sede carioca do Instituto dos Arquitetos do Brasil, conforme anúncio no jornal Quilombo, conferência sobre poesia negra no Brasil, na qual abordaria o problema dos ‘brancos que fazem poesia negra’ e dos poetas negros não comprometidos nem identificados com esse tipo de criação poética.
Para o escritor negro engajado, a simbiose da construção, ou a conjugação do código, do enredo, da temporalidade, não se dá apenas pelos parâmetros clássicos da Teoria Literária e da Crítica Literária. Esta investigação e embasamento, para a maior parte dos escritores, se manifesta de forma sub-reptícia, porque o objeto principal – sua obra – cede espaço significativo ao papel que desempenha como pessoa negra na sociedade brasileira, sempre sujeito às farpas dos capitães da criação.
"Falaram tanto que nosso cabelo era ruim que a maioria acreditou e por fim (raspou queimou;alisou;frisou;trançou;relaxou...)
ainda bem que as raízes continuam intactas
e há maravilhosos pêlos crespos conscientes
no quilombo das regiões íntimas"
de cada um de nós.Acredito que a Literatura Negra, Literatura Afro-brasileira, escrita e lida por negros e não-negros que combatem o racismo, é uma literatura de instrumentalização, de auto-conhecimento, de resgate: e a sua contratação é um enunciado contínuo da exposição do novo diante do futuro e do passado, diante da vida e da não-vida. O tempo e seus conflitos, o doce e o amargo, a fecundidade, a morte, não são elementos estanques, fragmentados na arquitetura da personagem, ou do texto. Quando se usa, por exemplo a palavra atabaque na Literatura Afro-brasileira, geralmente ela mobiliza um sem-fim de signos, de símbolos, de energias, de movimentos e de sons. Ao passo que quando se usa a palavra psicanálise,também por exemplo, ela sempre esta ligada a algum tipo de doença, ou a procura de uma cura.
Um afro abraço.
Claudia Vitalino.
fonte:www.ebc.com.br/.meuartigo.brasilescola.uol.com.br/CUTI (Luiz Silva) Trincheira. In: QUILOMBHOJE (org.). Cadernos Negros 23: Poemas Afro-Brasileiros. São Paulo: Quilombhoje, 2000./DUARTE, Eduardo de Assis. Por um conceito de literatura afro-brasileira. In: Literatura e afrodescendência no Brasil: Antologia crítica. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2011./GUEDES, Lino. Novo rumo. In: Negro Preto Cor da Noite (1936)./GULLAR, Ferreira. Preconceito racial. In: Folha ilustrada, 4 de Dezembro de 2011. São Paulo: Folha de São Paulo.
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