Considero o movimento negro o principal, e em muitos momentos solita¡rio, protagonista da luta pela emancipação da população negra do jugo do racismo, trata-se de um ator social que expressa com profundidade as contradições raciais impregnadas na sociedade brasileira, por isso é imprescindÃvel e estratégico para promoção da igualdade racial.
Promover a igualdade racial significa um ajuste na abordagem das relações raciais no Brasil, um conceito relativamente novo, mais completo, pois rompe com a unilateralidade das ações de enfrentamento do racismo. Outrora criminalizando a pratica, com isso fixando o racismo no campo da alteridade, atualmente, além de criminalizar, propõe incidir sobre os impactos materiais e simbólicos decorrentes do racismo.
Dessa forma o Brasil aprofunda sua compreensão sobre o fenÃ?meno racial, embora ainda não seja percebido como um elemento estruturante para a marginalidade e pobreza da p opulação negra na sociedade brasileira. Penso que elaborar esse conceito e as propostas de polÃticas públicas que o ratifique significa o cumprimento inicial da prerrogativa do movimento negro que resume em apresentar demandas gerais e especÃficas da população negra e propor soluções.
O movimento negro atingiu um objetivo importante para estruturação das polÃticas de igualdade racial com a instituição da SEPPIR, nesse ato o governo brasileiro reconhece de forma inequÃvoca a existência do racismo e de seus nefastos desdobramentos na qualidade de vida da população negra e dá fim indiretamente ao famigerado mito da democracia racial, ideologia que exalta a benignidade das relações raciais no Brasil e nega a necessidade de qualquer intervenção do poder público em demandas raciais.
Pode-se dizer que essa vitória coroa de êxito um processo polÃtico iniciado em finais da década de 70, que consistiu em sair das salas de reuniões e denunciar publicamente o racismo, intensificar o ativismo da luta contra a opressão racial, participar dos partidos polÃticos, responsabilizar a ação e omissão do Estado pela condição de sub-cidadania de parcela expressiva da população negra, além de propor insistentemente medidas para superação das violências raciais presentes no Brasil.
No entanto, essa vitória precisa ser complementada com polÃticas públicas que tenham capacidade de contribuir para promoção social da população negra, sabemos que pela natureza do Estado brasileiro, como qualquer estado capitalista, só é possÃvel obter mais efetividade e eficácia nas polÃticas de igualdade racial com força polÃtica e pressão popular. O racismo produz cenários materiais desvantajosos aos negros, por isso, cabe ao movimento social negro dar conta do desafio de organizar politicamente os pleitos coletivos dos negros.
Sensibilizar o Estado para invest ir na promoção econÃ?mica, social, polÃtica, cultural, educacional da população negra exigirá imposição, que deve ser articulada pelo movimento negro, pois o Estado brasileiro é um corpo lento quando tem que se movimentar em favor da massa empobrecida, marginalizada e oprimida. O movimento negro não pode projetar toda sua tática em convencimento de governos, precisa envolver o Estado, por isso leis como o Estatuto da Igualdade Racial e a 10.639/03 são fundamentais para o êxito da igualdade racial, embora conquistá-las e implantá-las demanda maior esforço.
Cabe ao movimento negro organizar a demanda polÃtica, social e econÃ?mica da população negra, apresentar propostas que se constituam em reais soluções aos problemas apresentados, acompanhar a implantação e avaliar os impactos. Para isso precisamos de um movimento autÃ?nomo, comprometido com o Brasil e com o povo brasileiro, pois qualquer ator polÃtico que reivindica a repres entação de metade da população de um paÃs, somente se legitima com um projeto de desenvolvimento de nação que incorpore todo seu povo.
Igualdade Racial no Governo Lula
O Governo Lula foi um verdadeiro desbravador das polÃticas de igualdade racial no Brasil. Encontrou um paÃs empobrecido, mergulhado no neoliberalismo, ultrajado e dilapidado por uma classe dominante racista, gananciosa e antipatriota. Um Estado essencialmente universalista, com somente 70 anos de experiência em polÃtica social entrecortada por quase 30 anos de ditaduras, estrutural e institucionalmente racista, sem conhecimento das condições e demandas especÃficas de grupos sociais marginalizados. Um Estado sem instrumentos institucionais, administrativos e legais para atuar na promoção da igualdade racial; carente de conceitos para subsidiar a elaboração de polÃticas para promover a população negra.
O perÃodo Lula (20 03 a 2010) foi voltado, principalmente, para construir os instrumentais necessários para consecução da polÃtica de igualdade racial: aquisição de conhecimento da demanda, elaboração e pactuação da polÃtica, aprovação das normativas e das leis, convencimento de atores institucionais em âmbito da união e das unidades federativas, elaboração de projetos e programas.
Todos esses movimentos em pró da igualdade racial receberam crÃticas e feroz oposição de expressivo contingente parlamentar incluindo parlamentares da base aliada. Se opÃ?s também a grande mÃdia brasileira, parcela da intelectualidade, além da resistência da máquina pública e de gestores da alta cúpula governamental. É verificável que o Governo Lula preparou as condições para implantação das polÃticas de igualdade racial de forma abrangente, parte importante de seu trabalho não é mensurável, ainda que seja visÃvel o grande volume de sua obra nessa matà ©ria. Não foi tarefa fácil nem simples, exigiu convicção e energia, em vários momentos os atores centrais desse empreendimento caminharam por estradas turvas solitariamente.
Nos últimos oito anos foram dados passos importantes para promoção social da população mais pobre, os negros foram contemplados por essas polÃticas. Pesquisa recente do Instituto Data Popular constatou que a maioria dos brasileiros que ascendeu à nova classe média é composta por jovem, mulher e negra, a mesma pesquisa diz que a população negra está mais otimista, acredita mais no Brasil e no futuro. O velho Marx nos ensinou que os fatores objetivos incidem sobre as subjetividades, em outras palavras, em terreno que acirra fome e pobreza o otimismo e a esperança não imperam.
Isso foi possÃvel pela polÃtica de fortalecimento do salário mÃnimo, aumento dos postos de trabalho, maior acesso ao ensino superior, bolsa famÃlia, Luz Para Todos, Minha Cas a Minha Vida, dentre outras polÃticas sociais. A meu juÃzo, o Governo Lula compreendeu que a igualdade racial é promovida com polÃtica universal somada a polÃtica de ação afirmativa, apesar de iniciais, os resultados dessa articulação foram positivos, precisamos aprofundá-los para que o legado de Lula para igualdade racial dê bons e mais frutos.
O racismo impacta multilateralmente, tem força de produzir desigualdade, por isso é importante somar à s iniciativas de igualdade racial o esforço de universalizar de fato as polÃticas sociais, pois a verdadeira universalização das polÃticas governamentais e o efetivo embate contra a pobreza estão no escopo do combate ao racismo apregoado pelo Plano de Ação de Durban.
A polÃtica de igualdade racial implantada na era Lula impactou positivamente, mas ainda não produziu todo seu fruto e não superou os principais obstáculos impostos pelas forças polÃticas, econÃ?micas e soci ais que se contrapuseram a elas, os inimigos e os adversários continuam firmes, fortes e atuantes. Por isso, avalio que parte importante do arsenal antirracismo produzida nos dois governos Lula ficou no papel, a correlação de forças polÃticas sensÃveis à s condições de marginalidade da população negra não tem hegemonia e parte da esquerda brasileira, aliada de primeira hora dos trabalhadores e oprimidos, não tem compreensão profunda dos efeitos do racismo, vacilaram e vacilam em momentos importantes da luta racial.
Movimentos sociais e as conferências e conselhos de polÃtica pública
Tenho dito que, no ponto de vista do governo, Lula acertou quando propÃ?s a realização das conferências temáticas de polÃticas públicas e instituiu mais onze conselhos dedicados a diferentes áreas de polÃticas públicas e defesa de direitos. Generalizou uma prática preexistente, de certa forma caminha para institu cionalização do controle social, diminui a presença do movimento social nas ruas e estabelece o palco principal de conversação e embate entre governo e movimento social.
Dessa forma foi possÃvel estabelecer um processo contÃnuo e direto de diálogo democrático com mais de cinco milhões de brasileiros e manter 450 entidades sociais de expressão nacional nas 600 vagas da sociedade civil nos conselhos. Nesses espaços pactuam polÃticas e o governo define caminhos após oitiva da população organizada. Pode-se dizer que as conferências e os conselhos são uma espécie de assessoria de luxo do governo.
No entanto, após avaliar a realização de várias conferências de polÃticas públicas verificamos pouca resolutividade, o caráter consultivo das conferências e de grande maioria dos conselhos permite a seleção discricionária das propostas pelos gestores, aliás, permite também negá-las integralmente. Os resultados prátic os têm denunciado grande fragilidade das conferências e dos conselhos para o avanço das pautas dos movimentos sociais.
Além disso, o movimento social deve considerar o perigo da perda do protagonismo da pauta polÃtica e do Ãmpeto questionador e revolucionário necessários aos movimentos sociais. Nenhuma sociedade avança nos direitos sociais e polÃticos dos trabalhadores e do povo com um movimento social fragmentado em compartimentos estanques, obediente, institucionalizado, ferido direta ou indiretamente em sua autonomia e sem o protagonismo das iniciativas.
Considero que os movimentos sociais devem garantir sua presença nas conferências e conselho de polÃticas públicas como mais um espaço de luta polÃtica, mas o palco prioritário dos movimentos sociais para avançar em suas reivindicações, garantirem mudanças e controlarem desvios de governos são as ruas, como foi durante a luta contra o apartheid, a luta pelos direi tos civis dos negros americanos, as recentes mobilizações do povo egÃpcio e outras históricas mobilizações como o Petróleo é Nosso, Diretas Já e Fora Collor.
Desafios à consolidação das polÃticas de igualdade racial
Há desafios a serem considerados pelo movimento negro para consolidar as polÃticas de igualdade racial, as principais tarefas são: garantir sua observância na LDO, LOA e PPA, trabalhar para regulamentação e implantação do Estatuto da Igualdade Racial, dar curso ao PLANAPIR, fortalecer polÃtica e institucionalmente a Secretaria Nacional de PolÃticas de Igualdade Racial - SEPPIR, dar caráter deliberativo ao Conselho Nacional de PolÃtica de Igualdade Racial - CNPIR, investir mais recursos na estruturação do Fórum Intergovernamental de PolÃtica de Igualdade Racial - FIPIR, dar subsÃdios aos Ministros do STF para obtermos resultado positivo quanto a constitucionalidade das polÃtica s de cotas e do decreto 4887/03, trabalhar para aprovação dos projetos de igualdade racial tramitando na Câmara dos Deputados e no Senado, ampliar a base parlamentar em defesa das polÃticas de igualdade racial no Congresso Nacional, estimular instituição de frentes parlamentares nos estados e grandes municÃpios, intensificar diálogo com os partidos polÃticos, além de disputar a classe média brasileira com vista a obter apoio mais ativo. Para realizar sua missão institucional que consiste em “estabelecer iniciativas contra a desigualdade racial no PaÃsâ€�, a SEPPIR precisa ser mais e melhor compreendida por amplos setores da vida polÃtica e institucional do paÃs.
Estamos diante de uma pauta complexa, considerando que as polÃticas de igualdade racial ocorrerão em meio as condicionantes de ordem polÃtica, aos desafios impostos a saúde econÃ?mica e desenvolvimento do paÃs e aos objetivos que serão perseguidos pelo governo Dilma. < br />
Além das iniciativas da oposição e incompreensão dos aliados, o acirramento da crise econÃ?mica, que tem levado nações à insolvência e se aproximado do Brasil, criará condições adversas a igualdade racial. Nesse contexto o risco da Presidenta Dilma adotar uma polÃtica econÃ?mica mais contracionista e realizar draconianos cortes no orçamento, afetando duramente as polÃticas sociais, como o contingenciamento de 52 bilhões realizados no exercÃcio passado não está descartado. A crise sempre recrudesce o racismo e denuncia a incapacidade desse sistema em oferecer igualdade.
No escopo das polÃticas sociais a prioridade anunciada do Governo Dilma é a eliminação da pobreza no Brasil, trata-se de um nobre objetivo, da mais alta relevância para todos brasileiros, especialmente aos negros que se constitui a maioria dos pobres. No entanto se desconsiderarem o racismo como importante elemento fomentador da pobreza, esse propósito não incidirá sobre a desigualdade racial.
Negros e negras compartilhando o poder
A atual gestão da SEPPIR avançou em aspectos fundamentais para o sucesso da polÃtica de igualdade racial, acertou ao priorizar no primeiro ano investir grandes esforços para inserir a polÃtica de igualdade racial com força no PPA, trata-se de uma conquista que tende a se consolidar, temos que observar atentamente o processo, pois o Estado brasileiro tem dificuldades de avançar para além do universalismo.
Apesar do acerto da SEPPIR, precisamos de muito mais, não concebo a luta pela superação do racismo e pela igualdade racial exclusivamente no âmbito das polÃticas públicas, por mais vitórias e esforços que se empreendam, a SEPPIR é insuficiente. Daà a importância da luta polÃtica para garantir a presença do negro no poder, sabemos que poder não se realiza com concessão governamental, mas com luta polà tica concreta.
O poder no Brasil é um espaço de brancos, os projetos para a nação são pensados e executados por brancos, o paÃs dissemina sua branquitude e nega sua negritude. Somente enegrecendo o poder, colorindo os parlamentos, as universidades, as direções das grandes empresas, as estruturas de direção do Estado, daremos passos concretos no caminho da igualdade racial. Essa tarefa não é exclusiva da população negra, pois o racismo é um dilema humanitário, superá-lo é responsabilidade de homens e mulheres de todas as raças.
As polÃticas de promoção da igualdade racial não atingem o poder, logo, cabe ao movimento negro a liderança de um projeto polÃtico que valorize o voto em negros comprometidos com a luta contra o racismo e contra a opressão de classe para todos os postos públicos, exigir presença negra nas direções partidárias, garantir presença de negros em espaços estratégicos de gestão e impor projetos que fomente o empreendimento de negras e negros. A UNEGRO foi feliz quando estabeleceu o debate do poder como foco de sua abordagem, estamos convictos que se o movimento negro focar esse tema com a mesma força que focou o 20 de novembro, a imortalidade de Zumbi dos Palmares e as ações afirmativas, em até cinco legislaturas mudaremos a cara do congresso e do poder polÃtico no Brasil.
Estamos em ano eleitoral (2012), precisamos organizar a participação da população negra nesse momento cÃvico e polÃtico importante, a eleição de prefeitos e vereadores estabelece a base do poder polÃtico nacional. É responsabilidade do movimento negro discutir programaticamente os caminhos a serem perseguidos pelas futuras autoridades municipais, oferecer alternativas para combater o racismo e oferecer quadros polÃticos para ser avaliado pelos eleitores. Negras e negros compartilhando o poder é um desafio de primeira grandeza e imediato.
Avante movimento negro!!!
Por: Edson França/Presidente Nacional da UNEGRO.
UNEGRO - União de Negras e Negros Pela Igualdade. Esta organizada em de 26 estados brasileiros, e tornou-se uma referência internacional e tem cerca de mais de 12 mil filiados em todo o país. A UNEGRO DO BRASIL fundada em 14 de julho de 1988, em Salvador, por um grupo de militantes do movimento negro para articular a luta contra o racismo, a luta de classes e combater as desigualdades. Hoje, aos 33 anos de caminhada continua jovem atuante e combatente... Aqui as ações da UNEGRO RJ
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Favelas as grandes vítimas do coronavírus no Brasil
O Coronavírus persiste e dados científicos se tornam disponíveis para a população, temos observado que a pandemia evidencia como as desigual...
Nenhum comentário:
Postar um comentário