UNEGRO - União de Negras e Negros Pela Igualdade. Esta organizada em de 26 estados brasileiros, e tornou-se uma referência internacional e tem cerca de mais de 12 mil filiados em todo o país. A UNEGRO DO BRASIL fundada em 14 de julho de 1988, em Salvador, por um grupo de militantes do movimento negro para articular a luta contra o racismo, a luta de classes e combater as desigualdades. Hoje, aos 33 anos de caminhada continua jovem atuante e combatente... Aqui as ações da UNEGRO RJ

quarta-feira, 2 de março de 2016

Contos Africanos:O menino gravido...

-Em um tempo muito distante, nas terras do povo xhosa, havia um homem e uma mulher que se amavam apaixonadamente. No início da primavera, eles se casaram e deram uma linda e colorida festa que agitou a comunidade.

Depois de alguns anos os dois desejavam muito ter um filho ou uma filha que os alegrasse. Mas a criança não chegava. Então eles decidiram ir ao encontro de um famoso Sangoma, que morava na floresta.

─ Pai Sangoma, você pode nos ajudar a ter um filho?

O velho e sábio Sangoma era conhecedor dos mistérios das plantas de toda a floresta e da cira de muitas doenças de corpo e de espírito.

─ Sim, eu posso ajudá-los, mas desde que vocês façam tudo como eu explicar.

Eles concordaram imediatamente e prestaram muita atenção nas palavras do sábio.

─ Vou entregar a vocês quatro raízes de plantas sagradas que vivem nesta floresta. Quando chegarem em casa, vocês devem separá-las em dois montes. O primeiro monte deverá ser aquecido na fogueira, o segundo, colocado com água em uma garrafa. A mulher deverá mascar o primeiro monte de raízes e, no dia seguinte, beber água das raízes do segundo monte.

E o sábio entregou as quatro raízes embrulhadas em um pequeno pedaço de pano, dizendo:

─Em troca, quero que vocês me deem um boi logo depois do nascimento da criança.

O casal concordou e agradeceu muito ao Sangoma. Partiram imediatamente para sua aldeia. Chegando lá, fizeram tudo como ele havia explicado. A mulher ficou grávida. Nove meses depois nasceu um lindo garotinho de olhos grandes e choro forte. Os pais ficaram tão felizes e envolvidos com os novosafazeres, que esqueceram completamente da promessa de enviar o boi para o sábio da floresta.


O menino foi crescendo. Quando estava chegando a adolescência, seus pais decidiram que era hora de ter mais um filho. Resolveram, então, voltar à floresta e pedir mais raízes ao Sangoma.

─ Como vocês chegam aqui e me pedem mais raízes sem ter entregado o boi que eu pedi? Vocês tiveram o que procuravam, mas não cumpriram o acordo.


O pai e a mãe ficaram envergonhados e pediram muitas desculpas para o sábio. Como eles
puderam esquecer?

─ É muito fácil não lembrar daqueles que nos ajudaram depois que conseguimos o que queremos ─ falou o sábio, bravo.

Eles pediram desculpas mais uma vez e, cabisbaixos, dirigiram-se à porta da casa do Sangoma para partirem rumo às suas terras.

─ Esperem! Como vejo que não fizeram por mal e se envergonharam do seu erro eu darei a vocês as raízes depois que entregarem o boi que me devem.

O casal agradeceu e voltou para a sua aldeia. Ao chegarem, imediatamnete pediram a um amigo que levasse o boi ao velho Sangoma. O amigo voltou com o recado para que fossem buscar as raízes no dia seguinte.

─ Amanhã temos compromissos aqui na aldeia. Não poderemos nos afastar ─ disse o pai, preocupado.

─ E se enviarmos nosso filho para buscar as raízes? Ele já tem 12 anos e o caminho até lá é muito fácil.

O pai concordou com a proposta da mãe. Então, eles chamaram o menino:

─ Você acha que pode buscar as raízes na casa do Sangoma?

─ Claro, pai! ─ e o garoto pulou de alegria. ─ Já não sou mais criança. Posso ir e voltar bem rápido!


E assim foi. O garoto arrumou sua pequena bolsa e partiu para a casa do Sangoma. Lá, explicou para o velho sábio que seus pais o haviam enviado para buscar a encomenda. O Sangoma entregoulhe as quatro raízes cobertas por um pano e pediu que o menino alertasse os pais para que fossem muito cuidadosos na preparação delas.

─ Não se preocupe. Tudo vai dar certo! ─ e o menino agradecu ao Sangoma e partiu para casa.

Quando estava no meio do caminho, a curiosidade foi tão grande que ele não aguentou. Abriu o pano e olhou atentamente as quatro raízes.

─ Acho que não vai ter problema se eu experimentar só um pedacinho!

E mordeu o pedaço da primeira raiz, muito doce e suculenta. O gosto era tão bom que ele resolveu experimentar mais um pedaço. E depois outro e mais outro. E assim foi, até que não sobrou mais nada das duas raízes doces. Então experimentou as outras duas, mas elas eram tão amargas que ele as cuspiu no chão.

Foi quando ele percebeu o que fizera.

─ E agora, o que vou falar? Só sobraram duas raízes!

Com medo de que sua mãe e seu pai ficassem muito bravos, o menino resolveu não contar a verdade quando chegasse em casa. “ Tomara que essas duas raízes que sobraram sejam suficientes para minha mãe engravidar “ , pensou o garoto.

Logo que o menino chegou em casa, a mãe pediu para ver as raízes:

─ Que estranho, da outra vez eram quatro raízes e agora são só duas... O Sangoma explicou alguma coisa para você?

─ Não, mãe, ele não disse nada. Só falou que a senhora deve aquecer esta raiz na fogueira e depois mascá-la. Ea outra deve ser colocada dentro de uma garrafa cheia de água. No dia seguinte, a senhora deve beber a água.

A mãe e o pai não desconfiaram de nada e fizeram tudo como o menino explicou. Mesmo assim passaram-se os meses e a mãe não engravidava.

Mas o menino... Ele começoua engordar, a engordar, e os seus peitos passaram a crescer, a crescer, ficando cada vez mais doloridos. Sua barriga foi ficando grande e ele sentia como se tivesse alguém morando lá dentro. No quarto mês, o garoto percebeu que esse “ alguém ” começou a se mexer muito.

“ Acho qe estou grávido ” , constatou, desesperado. “ O que eu faço agora? Como vou dizer aos meus pais? E os meus amigos? Todos vão rir de mim! ”

Ele tinha tanta vergonha, quee não contou seu segredo para ninguém. Tinha vergonha de ter mentido para seus pais. Sua família não desconfiou, porque alguns primos do menino haviam ficado muito magros ou gordos quando entraram na adolescência. “ Coisas de quem está crescendo ” , dizia o avô.

Um dia, quando ajudava seu pai a cuidar do gado, ele começou a sentir uma forte dor na barriga, que ia e voltava com uma intensidade crescente.

─ Meu filho, você está bem? ─ percebeu o pai.

─ Pai, preciso ir para casa, deitar um pouco ─ reclamou o menino. ─ Sindo dores fortes na cabeça e na barriga.

─ Vá e peça para sua mãe um chá bem forte, daquele que ela sabe fazer tão bem.

E ele foi embora, mas não para sua casa. Foi para o meio da floresta. Lá, ele cavou um buraco, encheu de folhas e se deitou dentro, como se fosse um ninho. As dores na barriga
foram aumentando e, de repente, um choro auto de bebê foi ouvido em toda a mata. Havia nascido uma linda e gorducha garotinha!

─ O que eu faço agora com você? ─ falou desesperado o rapaz, olhando a bebê. ─ O que será de mim? E de você?

A bebê chorava alto e sem parar, mas, quando achou o bico do peito do menino, começou a mamar com muita fome. Depois de mamar bastante, dormiu um sono profundo.

O menino, então, saiu correndo para casa, com medo de que seus pais tivessem dado falta dele. Quando chegou, seu pai já estava na porta para sair à sua procura:

─ Onde se meteu? Você nos deixou muito preocupados!

O menino mentiu e disse que havia decidido descansar embaixo de uma árvore e que acabara caindo em um sono profundo.

─ Mas e a dor que você estava sentindo? ─ perguntou a mãe, assustada.

─ Passou. Acho que foi uma fruta verde que comi ontem ─respondeu o menino.

E todos foram jantar. O menino comeu como se susa barriga fosse um buraco sem fundo. Os pais estranharam, mas depois acharam que era coisa de adolescente, de gente que está crescendo muito rápido.

À noite depois que todos haviam se deitado, o menino se levantou e correu até a floresta. Tinha de ver a bebê. Ela estava chorando e logo parou quando começou a mamar no peito dele. Depois, a bebê caiu no sono.

“ Ela é tão linda “ , pensou ele, enquanto a observava dormir. Pela primeira vez, sentiu que ela era sua filha. Dormiu abraçado a ela e, no começo da manhã, voltou para casa e se deitou na cama antes que sua mãe chegasse para despertá-lo.

Ao longo do dia, enquanto trabalhava com seu pai, cuidando do gado da família, ele sempre inventa um motivo para correr até a floresta e amamentar e cuidar de sua bebê. À noite, quando os pais se recolhiam, ele saia de fininho para a floresta.

Depois de três dias, a mãe começou a desconfiar que algo estava errado. Então, quando a noite chegou, ela fingiu que tinha ido dormir, mas ficou escondida, vigiando o menino. Quando ele se levantou e correu para a floresta, ela o seguiu. Não acreditou no que viu: seu filho estava amamentando um bebê! A mãe logo entendeu tudo e resolveu voltar para casa, antes que o menino percebesse.

No dia seguinte, quando ele saiu com o pai para cuidar do gado, a mãe correu para a floresta e pegou a bebê. Trouxe-a para casa, banhou-a, alimentou-a e brincou com ela. Enquanto isso, mais uma vez o menino inventou uma desculpa para o pai e correu para a floresta para amamentar e cuidar da garotinha. Quando chegou lá, ficou desesperado. A menina não estava no ninho.

Ele a procurou por toda a floresta. Rezou e implorou aos deuses e aos antepassados para que eles o ajudassem. Chorou e chorou. Parecia que haviam arrancado uma parte de seu coração, roubado o seu espírito:

─ Cadê minha filhinha? Cadê?

Já mais nada importava na vida dele, a não ser encontrar a bebê. “ Será que algum animal a comeu? Não podia ter deixado minha filha sozinha... “

E, assim a noite chegou. E, assim a noite foi embora e o sol anunciou um novo dia. Ele ainda estava confuso, procurando a bebê na mata, não sabia o que fazer, não sentia fome nem sede.

No dia seguinte, depois de tanto procurar, arrastando as pernas, ele foi para casa, disposto a contar tudo a seus pais. Quando chegou, sua mãe segurava a bebê no colo.

─ Mamãe, você teve uma bebê? ─ perguntou o menino, quase chorando. ─ Posso segurar? Ela é tão linda!

A mãe ficou em silêncio por um tempo.

─ Sim, meu filho, agora ela é sua irmã. Filha de sua mãe, não mais sua ─ e olhou carinhosamente para o filho. ─ Esta minha filha chegou para mim por meio de sua barriga. Assim como outras filhas e filhos chegam para suas mães por meio da barriga de outras mulheres.

O menino concordou e começou a chorar.

─ Desculpe, mãe. Desculpe, pai, por não ter contado a verdade. Sinto muita vergonha.

O pai, comovido com a dor do menino, disse:

─ Sim, meu filho. Sabemos que você lamenta o que ocorreu. Nunca mais minta para nós em nem tome algo que não lhe pertença.

A partir daquele dia, o menino passou a ter um prazer a mais quando ordenhava as vacas de
sua família. Ele não podia mais amamentar sua menina, mas o leite das vacas que ele cuidava alimentava sua irmã. E ela se tornava mais linda e esperta a cada dia, alegrando a todos.

O menino cresceu e se tornou um homem muito sábio e especial, que compreendia a importância e a beleza de cuidar da vida e de alimentá-la.

Um afro abraço.
fonte:www.companhiadasletras.com.br

terça-feira, 1 de março de 2016

Mas um Alerta para ‘homicídios invisíveis’ de jovens negros..

 Eles foram vítimas de 30 mil assassinatos em 2012; do total de mortes, 77% eram negros, o que denuncia um genocídio silenciado de jovens negros, afirma Atila Roque, da Anistia Internacional
Nos últimos dois anos, segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), órgão do governo estadual, os homicídios voltaram a cair em agosto e setembro, após 20 meses de altas seguidas. Em setembro, a queda foi de 9,5% em comparação com o mesmo mês do ano passado.

— Mesmo assim, o Rio ainda precisa intensificar suas políticas. Muita criatividade está surgindo nesses territórios mais pobres, e queremos aproveitar isso, dar ênfase à juventude da periferia. Há várias histórias interrompidas. É como se o jovem negro pobre estivesse destinado a morrer — diz Átila Roque.

Elaborado em parceria com a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e a pedido do governo federal, o Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualdade Racial 2014 apontou que a taxa de jovens negros assassinados por 100 mil habitantes subiu de 60,5 em 2007 para 70,8 em 2012. Entre os jovens brancos, a taxa de vítimas de homicídio também aumentou: de 26,1 para 27,8.

Os números surpreendem e são um reflexo de uma "cultura de violência marcada pelo desejo de vingar a sociedade", conta Atila Roque, diretor-executivo da base brasileira da Anistia Internacional. De acordo com os últimos levantamentos feitos pelo grupo, 56 mil pessoas
foram assassinadas em solo brasileiro em 2012, sendo 30 mil jovens e, entre eles, 77% negros.

Esses índices, segundo ele, são resultado de uma política de criminalização da pobreza e de uma indiferença da sociedade em torno de um "genocídio silenciado" que muitas vezes fica impune. "Entre 5 e 8% dos homicídios no Brasil chegam a virar processo criminal.

— Os dados ainda são escandalosos. Mas o problema parece que não entra na agenda política nacional. O objetivo da campanha é tirar esse tema do armário. Hoje, tudo leva a crer que a sociedade não se importa com isso — afirma o sociólogo Átila Roque, diretor executivo da
Anistia Internacional no Brasil e um dos coordenadores da campanha Jovem Negro Vivo.
Para quem vai ao Aterro passear ou perder calorias extras, o duelo de grupos de passinho pode parecer só diversão. Mas a alegria da dança é uma das apostas da campanha para chamar a atenção para a vida de jovens da periferia que, como os acrobatas do passinho, são mais pobres, estão mais longe da escola e mais perto de situações de risco.

O lema da campanha é “Mais chocante que a realidade, só a indiferença. Você se importa?” Quem se importa com tantas mortes, pede a campanha, pode assinar um manifesto reivindicando políticas públicas mais efetivas no combate à violência e à mortalidade de jovens negros. Voluntários estarão no Aterro colhendo assinaturas.

A morte de policiais:

Os policiais são também presa fácil do crime, sobretudo fora de serviço. Assim, o Brasil é “um dos países em que os policiais mais morrem e mais matam”, diz o relatório. Só no ano passado, 490 oficiais morreram violentamente, um número que dispara até 1.770 se

considerarmos os últimos cinco anos. “A morte dos policiais em serviço é tão ou mais grave do que a vitimização fora dela. Embora o número tenha decrescido do ano passado para este, parece haver na sociedade uma aceitação natural da perda da vida do policial. Um Estado onde é natural que um policial perca a vida em razão da sua profissão é um Estado que está sob a lógica da barbárie”, reflete no relatório Rafael Alcadipani, professor de estudos organizacionais daEAESP/FGV. O fato de 75,3% dos policiais morrerem fora de serviço, a maioria durante seus bicos, ilustra, segundo os especialistas, a precariedade da polícia brasileira.

Contexto:
O Mapa da Violência tem um capítulo intitulado “A Cor dos Homicídios”, que detalha metodologia e evolução dos assassinatos de jovens negros de 2002 a 2012. Mostra, por exemplo, que na população total, as taxas de homicídio entre brancos caem 23,8%; entre
 negros, crescem 7,1%. Em 2002, proporcionalmente, morreram 73% mais negros que brancos. Em 2012, esse índice sobe para 146,5%.
O assa-ssinato de jovens negros é parte de uma estatística da qual o Brasil não se orgulha: a explosão da violência nos últimos 35 anos.

O país teve 56.337 pessoas assassinadas em 2012, o maior número absoluto de crimes desde 1980. A taxa de homicídios, que leva em conta o crescimento populacional, era de 11,7 homicídios por cem mil habitantes em 1980. Foi crescendo até 2003, quando chegou a 28,9.

A partir de 2003, começou a cair por causa das campanhas de desarmamento e de políticas que reduziram os homicídios em alguns estados. Recomeçou a subir em 2007, chegando a 29 por cem mil habitantes em 2012.

Dos 56 mil assassinatos registrados em 2012, mais da metade (30 mil) teve jovens como vítimas. E, se na população não jovem (menos de 15 anos e mais de 29 anos) só 2,0% dos óbitos foram causados por homicídio, entre os jovens os homicídios foram responsáveis por 28,8% das mortes acontecidas no período 1980 a 2012.

Um afro abraço.
fonte:oglobo.globo.com/noticias.terra.com.br

domingo, 28 de fevereiro de 2016

Contos Africanos:O MACACO E O HIPOPÓTAMO

Em uma época muito antiga, quando as bananeiras produziam poucas bananas, existiam numerosos macacos.

Havia um deles chamado Travesso, que morava nas margens do rio.

O macaco Travesso possuía um grupo de bananeiras que lhe proporcionavam frutos suficientes para a sua alimentação, o que lhe trazia satisfação e orgulho porque os seus frutos eram os mais saborosos da região.


No rio habitava o hipopótamo Ra-Ra, que era o rei daquelas paragens.

A corpulência desse animal era notável e tão grande a sua boca, que podia tragar seis macacos de uma só vez.

Além disso, gostava imensamente de bananas e, especialmente as da propriedade de Travesso.
Ra-Ra resolveu roubar-lhe as bananas, apesar de não ser um ato muito bonito para um rei.

Ordenou então a todos os papagaios que as trouxessem para a sua residência.

Entretanto, o macaco não arredava pé do seu grupo de bananeiras, a fim de impedir que desaparecessem, furtados, os seus preciosos frutos.
Os papagaios logo encontraram este obstáculo sério e recorreram à astúcia para cumprir as ordens do rei.

Após uma conferência de várias horas estudando diversas soluções para resolver eficientemente o problema do roubo, concordaram em dizer ao macaco que seu irmão estava
muito doente e desejava vê-lo.

Quando Travesso recebeu a notícia, bom irmão que era, foi depressa procurar seu irmão doente.
Verificou logo que aquilo não era verdade.

Seu irmão estava gozando de boa saúde e, suspeitando imediatamente do que se tratava, voltou a toda pressa para perto de suas bananeiras.

Uma surpresa dolorosa o aguardava. Não ficara nem uma banana para semente. Enquanto lamentava sua perda aproximou–se um papagaio, dizendo-lhe:

— Oh!, irmão Travesso! Sabes que Ra-Ra, o hipopótamo, nos obrigou a roubar-te as bananas e depois não nos quis dar uma só!

— Ah! E’ assim? Então espera… Irei à casa de Ra-Ra e tirar-lhe-ei as minhas bananas! — exclamou o macaco.

A serpente» que é um animal invejoso, cheio de defeitos, dos quais o pior é o espírito de intriga, passou por ali por acaso quando o macaco falava e, ato contínuo, foi contar tudo ao hipopótamo.

— Está bem! — disse Ra-Ra. — Em tal caso ordeno ao Travesso que compareça aqui quanto antes.

A Serpente voltou ao lugar em que vivia Travesso e lhe deu a ordem de Ra-Ra, de modo que o macaco se pôs a tremer, pois, não era tão valente como as suas palavras pareciam revelar.

Era preciso obedecer e quando se dispunha a fazer a desagradável visita ao hipopótamo, ocorreu-lhe uma idéia.

Preparou com o maior cuidado uma boa quantidade de visgo, a cola que usava para caçar passarinhos, e untou-se com êle muito bem.

Feito isto encaminhou-se para a casa de Ra-Ra, à margem do rio.

— Disseram-me — disse-lhe o hipopótamo, ao vê-lo — que ameaçaste de vir recobrar tuas bananas. É certo que o disseste?

— De modo algum, senhor — respondeu Travesso. — Tanto minhas frutas como eu mesmo estamos à sua disposição.

O papagaio combinou com o macaco...
— Bem, fico muito satisfeito em ouvir estas palavras. Sem dúvida, quiseram fazer intriga e contaram-me essa mentira. Senta-te. Porém, procura fazê-lo de frente para mim e sem tocar em nenhuma das bananas que estão atrás de ti.

Assim fêz Travesso, apoiando çom força as costas, inteiramente untadas, contra as bananas.
— Disseram-me que sabes muitas histórias. Queres contar-me uma?

O macaco dispôs-se a satisfazer o desejo de seu soberano e lhe contou uma história muito interessante.

Enquanto isso não se esquecia de esfregar o corpo contra as bananas afim de que aderisse às suas costas o maior nòmero delas.

Terminado o conto , Ra-Ra disse-lhe:
— Obrigado. Podes sair, mas toma cuidado para saíres de frente para mim. Assim se deve fazer diante de um rei.
Nada podia favorecer melhor o macaco, que estava com as costas cheias das bananas que a elas se haviam colado.

O macaco viu o hipopótamo
Quando se viu fora da casa do hipopótamo, pôs-se a correr, ocultando-se.
Os papagaios não tardaram a descobrir a astúcia do macaco e foram correndo contar a Ra-Ra.

O hipopótamo, ao tomar conhecimento da notícia, teve tão grande ataque de raiva que virou de barriga para o ar, morrendo instantaneamente.
Então, os animais reuniram-se e, diante da inteligência do macaco, resolveram aclamá-lo soberano.
Ficou muito conhecido por sua esperteza e deram-lhe, então, o nome de Sua Majestade Travesso I, o Esperto.
E o seu governo foi sábio e prudente, durante anos e anos...

Um afro abraço.
(Trad. e Adapt. Leoncio de Sá Ferreira.)

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Na Ditadura, Militares e os Heróis Negr@s : A União do Rebanho faz o Leão ir Dormir com Fome. (Provérbio africano)

A ditadura e suas facetas racistas e sexistas.
Com medo de que a luta pela igualdade racial crescesse à luz de movimentos internacionais como o Panteras Negras e se voltasse contra a polícia, a ditadura passou a seguir os passos

de militantes e reuniões do embrionário movimento negro brasileiro
.
Na conferencia municipal do estado do Rio de Janeiro de 2015, eu tive o desprazer e ouvir a uma facilitadora dizer que o movimento negro não estava organizado e não participou da ditadura entra ai vai: - Para
  mais um registro e não esquecer nossos negros  heróis e heroínas desta nação e  pela tentativa de nos manter invisíveis,  nós estamos vivos e crescendo cada vez mais. Nosso respeito ao militante negro Osvaldo Orlando da Costa (Osvaldão), à Helenira Rezende de Souza Nazareth (Preta, Fátima); Dinalva Oliveira Teixeira (Dina), Lucia Maria de Souza (Sônia), Francisco Manoel Chaves (marinheiro),Dra Claete e muitos outros desconhecidos e desaparecidos....

"Quando se pensa em ditadura militar e necessário pensar no quanto este momento deve ter sido tempos de terror para os militantes dos diversos segmentos sociais"

Fazendo uma leitura desta fase política e comparando com a atualidade é possível imaginar o quanto mulheres, negros, homossexuais e militantes de esquerda devem ter sofrido com humilhações e torturas.


A ditadura perseguiu os militantes e as reuniões do movimento negro desde o inicio, como uma forma de não deixar nascer um suposto movimento Panteras Negras, contudo no Brasil não cresceu desta forma, mas conseguiu atacar com as armas que tinham o regime existente.
Além disso, a perseguição contra as mulheres foi brutal e demasiada, mas elas se mantiveram no movimento. Para Maria Amélia de Almeida Teles falar de mulher e ditadura é lembrar-se das crianças sequestradas, abandonadas, torturadas ou nascidas nos centros clandestinos da repressão.

E não esquecer que uma das formas de atingir estas mulheres é através da violência sexual e contra seus filhos:
Registrar que houve o estupro como prática de tortura nos órgãos de repressão durante a ditadura militar é o começo para desvelar os horrores cometidos contra as mulheres e as crianças durante a ditadura. (TELES, 2014)

Documento de 24 de outubro de 1979 mostra como o IV Exército, no Recife, descrevia um

foco de “problemas”. “A partir de 1978 apareceu um novo ponto de interesse da subversão no País, particularmente nos estados do Rio de Janeiro e, com mais ênfase, na Bahia: a exploração do tema racismo, procurando demonstrar a sua existência e colocar o negro brasileiro como motivo de discriminação”, diz o texto de sete páginas.

O relatório nunca antes divulgado revela que o “método” utilizado para a obtenção das informações deu-se pela “infiltração em entidades dedicadas ao estudo da cultura negra, por meio de palestras em reuniões e simpósios”, como a IV Semana de Debate sobre a Problemática do Negro Brasileiro, em abril de 1978 na Bahia. A temática das palestras, segundo os militares, tratava de temas como “a tão falada democracia racial não passa de um mito”, “o racismo no Brasil é pior do que no exterior, porque é sutil e velado”, “a existência da Lei Afonso Arinos, contra o racismo, é prova de que ele existe”, “a Abolição da Escravatura foi imposta pelas necessidades da economia capitalista e não por uma preocupação sincera com a situação do negro”.

O documento havia sido solicitado em 11 de junho, por meio da Lei de Acesso à Informação, ao Comando do Exército, que oito dias depois respondeu não possuir arquivos sobre o monitoramento de ativistas negros. A Controladoria-Geral da União (CGU) encontrou, no entanto, o relatório no Arquivo Nacional, em Brasília. Segundo o ouvidor-
adjunto da CGU, Gilberto Waller, esta é a primeira vez que se encontra um documento confidencial elaborado exclusivamente para tratar do tema, quando o que se via até então eram trechos e citações a outros textos. “Vemos que o Estado se preocupou com o movimento negro a ponto de ter classificado as informações”, explica. “Na visão da CGU, em termos de acesso à informação, é um grande ganho conseguir algo de valor histórico tão relevante.”

O relatório, cujo rodapé alerta: “Toda e qualquer pessoa que tome conhecimento de assunto sigiloso fica, automaticamente, responsável pela manutenção de seu sigilo. Art. 12 do decreto no 79.099, de 6 de janeiro de 1977”, cita a mobilização nacional em torno da formação do

movimento contra a discriminação racial. “Os grupos do Movimento Negro de Salvador são: Ialê, Malê, Zumbi, Ilialê, Cultural Afro-Brasileiro. Esses grupos apresentaram, no dia 8 julho de 1978, ‘moção de solidariedade aos integrantes do movimento paulista contra a discriminação racial, pelo ato público antirracista do Viaduto do Chá’”.

O ato, segundo a socióloga Flavia Rios, autora da tese Elite Política Negra no Brasil: Relação entre movimento social, partidos políticos e estado, diz respeito à marcha que saiu naquele dia do Viaduto do Chá em direção ao Teatro Municipal para a criação do Movimento Unificado contra a Discriminação Racial, que mais tarde se tornaria o Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial. “Ele é formado por ativistas de várias regiões do País, tem essa característica nacional”, conta a também coautora da biografia sobre a militante negra Lélia Gonzalez. “Havia uma preocupação da ditadura de que ideais do movimento armado Panteras Negras, por exemplo, e da luta dos direitos civis americanos pudessem chegar aqui. Por isso, o regime acompanhou vigilantemente manifestações políticas e encontros.”

O informe até pouco considerado inexistente fala ainda sobre uma “campanha artificial contra a discriminação no Brasil” e lembra que, “em virtude das restrições políticas”, o Movimento Negro de Salvador passou a realizar reuniões paralelas e a adotar organizações celulares, com base nos “centros de luta”, compostos de três integrantes. A capital baiana teria sete desses centros, cuja função era “mobilizar, organizar e conscientizar a população negra nas favelas, nas invasões (de terras urbanas), nos alagados, nos conjuntos habitacionais, nas escolas, nos bairros e nos locais de trabalho, visando a formar uma consciência dos valores da raça”.

Além do encontro nacional do Movimento Negro de Salvador, entre 9 e 10 de setembro de 1978, no Rio de Janeiro, os arapongas descrevem a Terceira Assembleia Nacional do Movimento Negro Unificado, em 4 de novembro de 1978, na capital baiana, com militantes de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Espírito Santo. Citam o Congresso Internacional da Luta contra a Segregação Racial entre 2 e 3 de dezembro de

1978, em São Paulo. E relatam o ciclo de palestras do Núcleo Cultural Afro-Brasileiro, no segundo semestre de 1978 em Salvador, do qual participaram opositores como o deputado federal baiano Marcelo Cordeiro e o paulista Abdias do Nascimento, professor emérito na Universidade de Nova York. Além do acadêmico, são citados militantes monitorados como José Lino Alves de Almeida e Leib Carteado Crescêncio dos Santos, além do senador baiano Rômulo Almeida e “agitadores angolanos no movimento negro, caracterizados como refugiados da guerra civil”.

Em relação ao teor da agenda do Movimento Negro à época, os repressores ressaltam que a pauta era composta de pontos como a necessidade de se contestar o regime, aprofundar o engajamento no movimento pela anistia, projetar no exterior a imagem do “mito da democracia racial brasileira”, buscar dar fim à sua marginalização na sociedade e à maior proporção de negros nas penitenciárias.

1)Reparar os danos causados: oferta de reparações pecuniárias e simbólicas para os perseguidos políticos ou para as famílias dos mortos e desaparecidos;

2) Investigação dos fatos e responsabilização jurídica dos agentes violadores (direito à justiça): investigar, processar, apurando responsabilidades, sobretudo as dos agentes públicos, e punir violadores de direitos humanos;

3) Direito à verdade e acesso a informações:revelar a verdade para vítimas, famílias e toda a sociedade, possibilitando a efetivação do direito à memória por meio de um acesso total e irrestrito aos arquivos e dados produzidos durante a ditadura (direito de acesso à informação e abertura completa dos arquivos públicos);

4) Políticas de memória e fortalecimento das instituições democráticas: cultivar uma memória pública e democrática, constituída desde as narrativas das vítimas e com a participação direta destas. Nesse campo, outras medidas também são importantes, tais como retirar nomes de violadores dos direitos humanos de ruas e lugares públicos; e

5) Reforma das instituições: fazer esforços na mudança da cultura institucional e da dinâmica de atuação dos órgãos do Estado, sobretudo das forças de segurança, dos aparatos judiciais e de outros organismos que foram utilizados pela repressão. Uma medida comum nesse ponto é afastar os criminosos de órgãos relacionados ao exercício da lei e de outras posições de autoridade, processo conhecido como expurgo ou lustração.

( QUINALHA, 2014)

-"Estima-se que aproximadamente 42 dos 434 mortos e desaparecidos políticos durante a ditadura eram negr@s..."

A Tod@s vocês:
 Presente! 
Presente!
Presente! 

fonte: www.cartacapital.com.br/sociologaelisiasantos.blogspot.com/CUNHA, Luis Cláudio. O papel feio da mídia na ditadura de 1964. Observatório da imprensa.Ed. 574. 26 de janeiro de 2010/QUINALHA, Renan Honório. Uma ditadura contra a liberdade sexual: a Justiça de Transição com recorte LGBT no Brasil. São Carlos/SP:EdUFSCar, 2014).TELES, Maria Amélia de Almeida. Mulheres e Ditadura Militar.10. RIDH | Bauru, v. 2, n. 2, p. 9-18, jun. 2014.SILVA, Juremir Machado da. Jango e as raízes da imprensa golpista. Carta Capital, edição de 28 de março de 2014.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

As facetas de Solano Trindade...

- "Dos escritores negros que deixaram sua marca na literatura brasileira, Solano Trindade foi um dos mais significativos. Isso porque foi o primeiro, e talvez o mais contundente a se dirigir, não impessoalmente a toda a população, mas também, particularmente à população negra, descrevendo os mais graves problemas sociais vividos pelos negros brasileiros, e dos quais se tornou um dos mais ilustres artistas." 

Historia:     - Filho do sapateiro Manuel Abílio Trindade, foi operáriocomerciário e colaborou na imprensa . Solano Trindade nasceu em Recife(PE) em 24 de julho de 1908 —  Faleceu no Rio de Janeiro, 19 de fevereiro de 1974) foi um poeta brasileiro, folclorista,pintor, ator, teatrólogo e cineasta.

No final da década de 1920, Solano Trindade torna-se protestante, onde conheceu Maria Margarida Trindade, que era presbiteriana, do seu casamento com Maria Margarida nasceram seis filhos, dois mortos prematuramente e um assassinado pela ditadura militar após o golpe de 1964. Solano teve uma ação importante na igreja, chegou a ser diácono da Igreja Presbiteriana, fazia poemas e citava trechos bíblicos com facilidade, voltado principalmente para o Gólgota e os apóstolos Pedro, Tiago e João evangelista.



- Decepcionado com o distanciamento do protestantismo com as questões sociais, incluindo a discriminação contra os negros, ele deixa a igreja, justificando sua saída com um versículo da própria Bíblia: “Se não amas a teu irmão, a quem vês, como podes amar a Deus, a quem não vês?

No ano de 1934 idealizou o I Congresso Afro-Brasileiro no Recife,Pernambuco, e participou em 1936 do II Congresso Afro-Brasileiro em Salvador, Bahia.
Mudou-se para o Rio de Janeiro, nos anos 40 e logo depois para a São Paulo, onde passou a maior parte de sua vida no convívio de artistas e intelectuais. Participou de um grupo de artistas plásticos com Sakai de Embu onde integrou na produção artística a cultura negra e tradições afro-descendentes. O poeta foi homenageado com o nome em uma escola e uma rua na região central do município.

1936. Solano funda o Centro Cultural Afro-Brasileiro e a Frente Negra Pernambucana, uma extensão da Frente Negra Brasileira. Publica os seus Poemas Negros. Cena 3: Inquieto, Solano viaja para Minas Gerais e depois para o Rio Grande do Sul, onde cria, em Pelotas, um Grupo de Arte Popular. O homem de andar manso, cabeça cheia de planos e energia inabalável foi depois para o Rio de Janeiro. Em 1944 publicou o livro Poemas de uma Vida Simples. Em 1945, junto com Abdias Nascimento, criou o Comitê Democrático Afro-Brasileiro. Com Haroldo Costa fundou o Teatro Folclórico. Atuou em filmes como A hora e a vez de Augusto Matraga e O Santo Milagroso. Na cidade maravilhosa, Solano era freqüentador do Café Vermelhinho, onde se reuniam intelectuais, políticos, jornalistas, escritores e artistas de teatro. Ali era amigo de pessoas como o Barão de Itararé e Santa Rosa. Filiou-se ao Partido Comunista, as reuniões da célula Tiradentes ocorriam na sua casa.

Tragediaria no movimento politico...
Durante a perseguição aos comunistas, empreendida pelo governo Dutra, entram na casa

de Solano. Seu filho, Liberto, está deitado, doente. A polícia vira o colchão, à procura de armas, Exemplares de seus livros são apreendidos. A filha Raquel lembra: "Papai jamais esconderia armas. Sua luta era feita com idéias". Preso, ele não se abala. Raquel e a mãe, Margarida, percorrem as cadeias até encontrá-lo. Quando sai, Solano parece fortalecido. Embora tenha olhos tristonhos, seu otimismo é contagiante, nasce do seu amor pela arte e pela vida. Continua escrevendo, fazendo teatro e espalhando sonhos e esperanças por onde passa. O interesse de Solano pela cultura popular ia além da teoria: não se cansou de fundar grupos teatrais. Preocupava-se com o que chamava de folclore, com as danças populares. Dizia sempre que era necessário pesquisar nas fontes de origem e devolver ao povo em forma de arte. Sua experiência mais bem sucedida neste sentido foi o Teatro Popular Brasileiro, criado por ele, por sua esposa Margarida Trindade e pelo sociólogo Édison Carneiro em 1950. O TPB fazia uma leitura séria de danças como maracatu e bumba-meu-boi. Também promovia cursos de interpretação e dicção. Era formado por operários, estudantes, gente do povo. Convidado a ir à Europa, o TPB mostrou seu trabalho em vários países. De volta ao Brasil, Solano vem a São Paulo e é convidado pelo escultor Assis para apresentar-se no Embu. Leva todo o seu grupo. Dormem no barracão de Assis nos finais de semana, quando mostram sua arte para um número cada vez maior de pessoas. Participam da peça "Gimba", de Gianfrancesco Guarnieri e, em 1967, apresentam-se para um dos criadores da Negritude: Leopold Senghor. 

As faces do artista...
Solano apaixona-se pelo Embu, muda-se para lá e sua casa torna-se uma núcleo artístico. Embora na cidade já houvesse um movimento com artistas como Sakai e Azteca, é a atividade de Solano e Assis que faz surgir a feira de artesanato e revoluciona o local, aumentando o fluxo turístico. Solano chegou a ser conhecido como "o patriarca do Embu". A casa e o coração de Solano estavam sempre prontos para receber as pessoas. Na panela, havia comida para quem chegasse fora de hora. Ironicamente, no final de sua vida, vários desses amigos se afastaram, mas talvez este seja o cruel destino de alguns grandes criadores, de profetas e poetas assinalados. A poesia de Solano o marcou. Orgulhava-se ser chamado de "poeta negro".

 Foi comparado a importantes escritores como o cubano Nicolas Guilhén - de quem foi amigo - e o americano Langston Hughes. Na poesia afirma sua descendência, mostra orgulho: 

"Sou negro 
meus avós foram queimados pelo sol da África 
minh'alma recebeu o batismo dos tambores atabaques, gonguês e agogôs..."

Embora participasse de muitas atividades junto ao TEN, no ano de 1950 Solano fundou, ao lado de sua esposa Margarida Trindade e do intelectual Édson Carneiro, o Teatro Popular Brasileiro (TPB), grupo com sede na UNE, cujo elenco era formado por operários, domésticas e estudantes e que tinha como temática e inspiração algumas das principais manifestações culturais brasileiras, como o bumba-meu-boi, os caboclinhos, o coco e a capoeira. O grupo adaptava para o teatro números de dança e música da cultura popular afro-brasileira e indígena. Cinco anos mais tarde, o poeta criou o grupo de dança Brasiliana, que realizou, com destaque, inúmeras apresentações no exterior.

Em finais da década de cinquenta, Solano resolve fixar as atividades do Teatro Popular Brasileiro na cidade de São Paulo, na tentativa de aproveitar a intensa vida cultural da cidade. Nessa expectativa, muda-se para a cidade de Embu, localizada na grande São Paulo, onde lança o seu livro “Cantares do Meu Povo”. Entre 1961 e 1970, Solano viveu em Embu das Artes. Enquanto esteve por lá, transformou o município em um verdadeiro centro cultural, para onde foram diversos artistas que passaram a viver de arte. Na cidade, o TPB viveu a sua melhor fase, sendo que as apresentações do grupo eram sempre muito concorridas.

Solano foi o grande criador da poesia “assumidamente negra”, segundo muitos críticos. Os livros lançados por ele foram: “Poemas de uma Vida Simples”, 1944, “Seis Tempos de Poesia”, 1958 e “Cantares ao meu Povo”, 1961. Como ator, participou dos filmes “Agulha no Palheiro” (1955), “Mistérios da Ilha de Vênus” (1960) e “O Santo Milagroso” (1966). Trabalhou também como artista plástico, pintando quadros a óleo, sendo que um quadro do artista hoje faz parte do acervo do Museu Afro Brasil.

O artista adoeceu no início da década de 70, sofrendo de pneumonia e arteriosclerose, foi internado em diversos hospitais, até vir a falecer no Rio de Janeiro, em 20 de fevereiro de 1974. Atualmente, sua filha Raquel Trindade e seus netos são os responsáveis pela continuidade da sua obra. A família vive em Embu das Artes, onde há um teatro popular com o nome de Solano Trindade, além de uma escola e uma rua que homenageiam o poeta. No Rio de Janeiro foi criado em 1975 o Centro Cultural Solano Trindade e no ano seguinte, em São Paulo, a Escola de Samba Vai-Vai desfilou pelo sambódromo homenageando a vida desta importante personalidade da nossa cultura.

Concluindo...
Solano continua atual e revolucionário quando busca o entendimento entre a questão étnica e social, enquanto a esquerda perdeu tempo discutindo em qual área deveríamos investir esforços, sua prática estava na vanguarda, não se limitava somente ao discurso panfletário do denuncismo da exclusão de pobres e negros, mas a busca de afirmação num contexto de supremacia da elitista faz-se necessário uma postura de embate, e o impacto que a expressão “negros e carentes” tem na sociedade é certamente o que sempre Solano defendia em suas poesias. A herança escravocrata do discurso de que tudo associado ao

preto era associado ao mal, tal ideía foi internalizada pelos negros, sendo necessário hoje o desenvolvimento das políticas afirmativas. E a escolha do nome “negros e carentes” se propõe a afirmação da negritude, mas, assim como Solano, acreditávamos que a luta não se resumia somente à questão do racismo, mas a necessidade da construção da consciência de classe.

Um afro abraço.

fonte:antigo.acordacultura.org.br/Trindade, Solano. Cantares ao meu Povo. São Paulo: Editora Fulgor, 1961/

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

O príncipe medroso...

A África dos contos Desde sempre, os habitantes da África converteram a história em lenda e
as anedotas em contos. A tradição oral do continente fez com que os contos e as lendas passassem de geração a geração, através dos séculos, sem serem escritos. Os griots os contavam, pais e mães, avôs e avós acabavam decorando-os de tanto ouvi-los e continuavam a transmiti-los aos mais jovens. Só no final do século xix e início do xx é que se começou a recolher a mitologia e os contos da África sob a forma de livros. Mesmo hoje, contar contos nas praças dos povoados, nos pátios das casas ou embaixo de uma árvore numa escola rural ainda é uma atividade comum em muitos rincões do continente africano. E os contos continuam bem vivos e mutantes. A mesma história pode ter diversas versões, dependendo de onde é contada e de quem a conta! Esta coletânea propõe uma viagem através de alguns contos da África subsaariana, de oeste a leste, de leste a oeste, chegando também até o sul e passando por algumas ilhas, atravessando lagos, rios e cachoeiras gigantes, desertos e montanhas. E propõe uma aproximação com diferentes tipos de conto: dos mais desconhecidos, como os de princesas e príncipes, até os mais familiares, como as fábulas de animais. — Um conto para quem? — Um conto para todos! — gritaram os que estavam prontos para escutar a vovó contadora de histórias. — E quem o contou? — O camaleão! — gritou um menino. — É verdade. Não existe ninguém que saiba mais histórias que o camaleão. Agora lhes contarei os contos com que ele me presenteou há muito, muito tempo...

Houve, há muito tempo atrás, um Rei que se descobriu precisando do desconhecido. Desesperadamente precisava do que ninguém sabia onde e do que ninguém sabia quando. Seus súditos, solícitos, ofereceram-lhe todos os melhores caminhos conhecidos, mas o Rei queria mais, queria o que ainda estava por acontecer.

Chamou, assim, os mais valentes cavaleiros de todos os Reinos e condados para que o levassem em busca do que ninguém ainda havia enfrentado.

O que se dizia mais corajoso, sendo mesmo chamado Príncipe das Coragens, fez corajosamente espalho em seu cavalo dourado, arrancando aplausos da corte, e se incumbiu de levar o Rei ao que ninguém nomeara ainda. Mas se ninguém lá estivera, não haveria palmas ou aplausos, não haveria fama ou glória. E a coragem do Príncipe delas mesmas viu-se não existir, pois, esvaziado da admiração alheia, o Príncipe diminuído viu-se mesmo correr para as multidões tão conhecidas, deixando o Rei no seu conhecido castelo.

Foi assim que entrou no Reino com a promessa de levar o Rei ao seu destino desconhecido Cara Valente, andarilho de todo esse mundo, que já tinha enfrentado todos os monstros e todos os guerreiros possíveis e falados. Cara Valente, que de cara já espantava pela valentia, seguiu com o Rei rumo ao que ninguém sabia ser. Assim não sendo, não tendo ao certo o que enfrentar, não tendo o que assustar com sua cara tão obviamente valente, Cara Valente se assustou e pela primeira vez na vida, e faltou-lhe a propagada valentia. Foi embora com uma cara de quem foge buscar outros monstros que lhe devolvessem a ousadia, pois ela não existia por si só, só em quando defrontada com o medo dos outros.

E assim foi, cavaleiro por cavaleiro, coragens pereceram diante do que ninguém sabia sequer o quê. O Rei, já desacreditado, morria de infinitas saudades do que ele nunca tinha chegado a ver.

Apresentou-se, porém, numa noite sem estrelas, um cavaleiro diferente. Vinha a pé pela estrada, sem cavalo branco, sem pompa, meio curvado, sem nenhum anúncio ou nenhuma propaganda. Chamavam-no Príncipe Medroso.

– Se tens medo, por que vieste? – perguntou o rei cansado de esperar o que ninguém acreditava existir.

– Exatamente por ter medo empreenderei nessa busca pelo que ninguém nunca encontrou.

– Mas se nem toda valentia resistiu ao que ninguém conhece, como queres enfrentá-lo com seu medo?

– Por saber-me medroso, enfrento-me todo o tempo. Desde o levantar até a hora que me deito travo infinitas batalhas dentro de mim, já tendo lutado mais que todos os cavaleiros dessas terras, e contra mim mesmo.

– És, então, corajoso, pois venceste todas essas batalhas?

– Não, só tenho a coragem suficiente para olhar nos olhos do meu próprio medo e sabê-lo
menor que a minha vontade.

– Achas, pois, que podes ir de encontro ao desconhecido?

– Eu o confronto a todo momento, porque tudo me é desconhecido. Nada entendo, nada sei antes. De tudo tenho medo e tudo enfrento, porque nada conheço.

E assim partiram a pé, Rei e cavaleiro, buscando o caminho para o que nenhum dos dois sabia saber.


Um afro abraço.


fonte:www.companhiadasletras.com.br/

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