Entendendo racialização como um processo discursivo através do qual significados e sentidos raciais são atribuídos, de forma que há um controle e uma classificação de indivíduos a partir de categorias racialmente hierarquizadas (SOUZA, 2018), é necessário compreender a relação das estruturas sociais que reproduzem comportamentos racistas (ALMEIDA, 2018). Nono caso de pesquisas em administração, mais precisamente nos estudos organizacionais, tal olhar também é importante uma vez que a distinção provocada pela racialização de sujeitos produz desigualdades de oportunidade e interfere na subjetividade destes. Há estudos que discorrem sobre esta problemática no que diz respeito às relações raciais, organizações, universidade e mundo do trabalho (TEIXEIRA, 2015; CONCEIÇÃO, 2006; ROSA, 2014; SOUZA, 2017; OLIVEIRA, 2015; MIRANDA; CAPELLE; CUNHA; BUJATO; BARBOSA; SAMPAIO, 2015; LAGE; SOUZA, 2016; NASCIMENTO; OLVEIRA; TEIXEIRA; CARRIERI, 2016).
AS RELAÇÕES RACIAIS NO BRASIL - O período colonial brasileiro juntamente com o processo de escravidão, no que diz respeito às relações raciais, apresenta-se como momento histórico carregado de distinção. Desde a navegação, europeus que aqui pisaram já não sabiam como denominavam os povos, tamanha estranheza a qual reagiram no primeiro contato (MUNANGA, 2010). Schwarcz (2012) afirma que para eles a natureza era exuberante e paradisíaca, mas os povos, por sua vez, estranhos. Já os cientistas, em meados do século XVIII, denominavam os descobertos como povos de “raças diferentes” devido à cor de suas peles.
Mais tarde, entre os séculos XIX e XX, características morfológicas também são evidenciadas: o tamanho do rosto e do crânio, formato do nariz e lábios; mais uma maneira de estigmatizar os negros, cientificamente, como raça diferente (MUNANGA, 2010). A partir daí, raça passa a segregar, estereotipar e discriminar (SCHWARCZ, 2012); tendo-se, então, o racismo científico no período colonial (TEIXEIRA, 2015). Enquanto escravos, Pereira (2011) apresenta os negros como atores sociais dominados. Porém, mesmo reféns, alguns possuíam uma consciência crítica e de luta, fosse nos quilombos ou nas senzalas. Posteriormente ao processo histórico de “libertação”, agora trabalhadores na estrutura social, ocupavam espaços de mão-de-obra desqualificada e massa de manobra da sociedade (PEREIRA, 2011; FERNANDES, 2007).
Em “Rediscutindo a Mestiçagem no Brasil: Identidade nacional versus identidade negra”, Munanga (1999) apresenta a questão da mestiçagem. No intervalo entre independência e abolição, o autor mostra em seus escritos o quanto a presença do negro foi ressignificada. Mesmo que o plano tivesse sido o desparecimento dos negros com a miscigenação, “no lugar de uma sociedade totalmente branca, ideologicamente projetada, nasceu uma nova sociedade plural” (MUNANGA, 1999, p. 15); uma sociedade de diferentes raças e que, segundo o autor “dão ao Brasil seu colorido atual” (MUNANGA, 1999, p. 15). Além disso, há algo pra o qual Munanga se atenta ao enxergar raça: a mestiçagem tem mais de ideológico do que, propriamente falando, de biológico.
COMPORTAMENTOS RACISTAS
As desigualdades estruturais e institucionais no mundo do trabalho se relacionam a corpos físicos (COTTINGHAM; JOHNSON; ERICKSON, 2018). Desde quando a abolição se concretizou e os negros ocuparam posições subalternas enquanto trabalhadores por terem sido considerados mão de obra desqualificada, instaurou-se racismo e, a partir do momento em que políticas públicas não foram pensadas para que tal realidade chegasse ao fim, este se solidificou e permaneceu (BENTO, 2002).
Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), “Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça - 1995 a 2015” mostra que no que diz respeito ao mercado de trabalho, há uma discrepância que coloca homens brancos no topo da pirâmide e mulheres negras em sua base (IPEA, 2017). Ao discutir mulheres negras no mundo do trabalho, Conceição (2016) apresenta em seu texto dados da Pesquisa por Amostra de Domicílio (PNAD) do ano de 2012 a respeito da composição da sociedade brasileira: homens e mulheres, brancos e negros. Mulheres negras se apresentam como 26,54% da população, enquanto brancas, 24,36%. No caso dos homens, Conceição (2016) traz dados de 26,43% de negros, enquanto 21,86% brancos. Ante a isso, a autora afirma que o favorecimento de certos grupos sociais na hora de empregar indivíduos é uma forma de propagar a desigualdade do país. Ações de organizações públicas e privadas têm favorecido mulheres brancas em detrimento das negras quanto às oportunidades; quando há o fortalecimento negro, este é mais focado nos homens que nas mulheres (CONCEIÇÃO, 2016).
Entende-se como delimitação deste trabalho o fato que o mesmo identificar e analisa apenas questões que dizem respeito ao racismo e suas diferentes formas de expressão. Os relatos trazem indícios de outros pontos para investigação juntamente com o analisado e que são aqui apresentados como possiblidade de estudos futuros. As impressões estabelecidas pelos “outros” com relação aos docentes negros no contexto da universidade, por exemplo, podem ser entendidas e analisadas enquanto conceitos de estereótipos e fenótipos diante de tais expressões. A interseccionalidade também é uma temática percebida ao se observar os relatos das mulheres negras docentes e entender que, juntamente com o racismo, outras violências relacionadas ao gênero também acontecem no espaço da universidade. Nesse sentido a universidade - enquanto organização e mundo do trabalho - abre espaço em suas relações para que determinadas categorias, além da raça, possam influenciar e se sobrepor a outras e (re)produzir diferentes expressões racistas.
Um afro abraço.
Claudia Vitalino- Historiadora-pesquisadora
fonte:ALMEIDA, S. L. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte (MG): Letramento, 2018. [ Links ]
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