“Ao desembarcarem na América, os espanhóis encontraram aí dois impérios [Inca e
Esquecido pela historiografia oficial brasileira, mais de 100 anos depois o pensamento de Manoel Bonfim em “A América Latina – Males de origem” é tanto atual quanto pertinente. Um homem à frente de sua época, no início do século passado seus estudos já apontavam para a consciência ambiental, o homem cordial brasileiro, a defesa do miscigenamento contra o então arianismo na moda e criticava o surgimento do imperialismo norteamericano. Ele é pioneiro nos estudos latinoamericanos no Brasil, além de antecipar várias ideias depois defendidas por renomados intelectuais. Não foi à toa que ninguém menos que o gênio de Darcy Ribeiro, que o chamou de grande intérprete do processo de formação do povo brasileiro, prefaciou em seu clássico: “… nossos males não vêm do povo. São, isto sim, produto da mediocridade do projeto das classes dominantes que aqui organizaram nossa sociedade em proveito próprio, com o maior descaso pelo povo trabalhador, visto como uma mera fonte de energia produtiva, que ele podia desgastar como bem quisesse”, diz Darcy, reforçando as teses de Bonfim.
Manoel Bonfim defende os índios, contra o extermínio dos nativos que têm todo o “conhecimento de uma perfeita adaptação à natureza americana”. Os defende devido à “necessidade orgânica” a “um amor violento à liberdade” indígena, e complementa afirmando que não os falta nenhuma das qualidades susceptíveis de cultura – “nem atividade intelectual, nem inclinação social”. Caracteriza o povo brasileiro com uma grande plasticidade intelectual e sociabilidade muito desenvolvida, “qualidades preciosas para o
progresso”. E já alfineta o neoliberalismo naquele período, ao dizer que a fórmula liberdade de comércio nada mais é que as nações mais fortes mascarando seus privilégios exploradores.
A integração dos países de nosso continente, primeiro tentada por Simon Bolívar e depois por Che Guevara, também é dada como solução contra a opressão que os sulamericanos sofrem desde antes do nascimento de suas nações. “Os americanos do Sul não se conhecem uns aos outros, como não conhecem aos próprios compatriotas. É noção que ainda não entrou no ânimo das gentes letradas deste continente – que é possível aprender fora dos livros”. “É preciso considerar que há entre essas nacionalidades sul-americanas uma certa homogeneidade de sentimentos, ou que, pelo menos, não existe nenhuma incompatibilidade de raça ou de tradições, que as impeça de se unirem e se acordarem para a resistência”, reclama o antropólogo.
[...] é preciso considerar que há entre estas nacionalidades sul-americanas uma certa homogeneidade de sentimentos, ou que, pelo menos, não existe nenhuma incompatibilidade [...] que as impeça de se unirem e se acordarem para a resistência.”
Seus estudos, que recorrem a diversos campos do conhecimento, buscam as raízes dos problemas e não os sintomas. Nepostismo e clientelismo não fogem à sua vista, ao apontá-los como vícios enraizados nos nossos costumes por meio das relações sociais durante a colonização. “Tradição tirânica e espoliadora do estado brasileiro”, com privilégios que se opõem ao progresso, também não passam despercebidos, assim como as oligarquias. Como deixa claro na introdução de seu livro, o escritor assume suas opiniões ao criticar as “hipócritas imparcilidades do meio acadêmico”.
Suas críticas são ácidas em relação às análises feitas por estrangeiros sobre a América Latina, pois, segundo ele, são firmadas nas mais ligeiras aparências sem fundamentos nas raízes históricas, pegando uma série de sintomas de atraso e os apresentando como causas. Isso pode ser visto hoje na tendência editorial de todos os meios de comunicação tradicionais em nossa região, quando a pauta é relacionada aos países da América Latina. Nesse sentido, ele volta à história da Espanha e Portugal, passando pela Inqusição, escravidão, e outras instiuições que fizeram parte da construção de nossos países, e atribui a origem de nossos problemas como reflexo das atitudes dos colonizadores. É na história que ele desenvolve sua principal tese, associada à biologia, ao definir a degeneração das colônias luso-espanholas como “parasitismo depredador”.
“Não há na história da América Latina um só fato provando que os mestiços houvessem degenerado de caráter, relativamente às qualidades essenciais das raças progenitoras. Os defeitos e virtudes que possuem vêm da herança que sobre eles pesa, da educação recebida e
da adaptação às condições de vida que lhes são oferecidas”. E complementa: “Enquanto houve riqueza acumulada, ele foi depredador, guerreiro, conquistador. Esgotaram-se as riquezas, ele fez-se imediatamente sedentário. Colheu os restos de populações índias sobreviventes às matanças, escravizou-as e fê-las produzir riquezas para ele – cavando a mina ou lavando a terra”, afirma o intelectual.
Desde então o parasitismo normalizou-se, entrou nos costumes, como a coisa mais natural da vida, dizia. Séculos depois, pode-se dizer que a burguesia continua parasitando nos monopólios e comércios privilegiados, vide o caso Palocci, que expõe toda uma engrenagem promíscua. Do que ele chama de “tirania e autoritarismo egoístico-conservador, – essencial e característico das classes parasitárias, para reduzir a massa popular à ignorância e abjeção” – Bonfim pula para a educação popular como remédio para os nossos povos. Com uma clarividência notável, após apontar as mazelas históricas que realimentam a desigualdade em nossa região, ele aponta a educação popular como indispensável em nosso esforço de autosuperação. Segundo ele, em nossa cultura, principalmente por meio da educação, sempre houve “um conservantismo essencial, mais afetivo que intelectual”. O bacharelismo, nesse sentido, se impõe por força da tradição como um dos problemas principais.
“São nações, estas, em que tudo está por fazer, a começar pela educação política e social das populações”, diz em seu livro. “Não se gasta nem um vintém para fomentar a instrução da massa popular, cuja ignorância é indiscutível, e é ao mesmo tempo a causa primeira dessas desordens, e de males certos, fatais, mais graves ainda que esses males problemáticos”, complementa o escritor. Trazendo para hoje sua reflexão, vale observar que no Rio de Janeiro o orçamento principal é direcionado para a pasta de segurança pública enquanto a educação, que inclusive seus professores estão realizando manifestações para denunciar o descaso das autoridades e a falta de recursos, fica a segundo plano. Ele clama pela redenção social contra o monopólio do saber, a emancipação pela crítica, em combate a um “mal orgânico” da herança da nossa educação social e política imposta pela opressão parasitária.
“Obstinam em curar os sintomas, desprezando as causas dos males sociais. Pretendem a conciliar antagonismos: república, democracia e liberdade – e ignorância”. Em outra passagem ele observa: “O progresso há de ser da própria sociedade, no seu todo; e isto só se obtém pela educação e cultura de cada elemento social. Não se eleva o meio sem melhorar os indivíduos; não há progresso para quem seja incapaz de compreendê-lo e desejá-lo, prevê-lo e buscá-lo”. Instruir, para ele, é fazer pensar.
Um dos caminhos apontado para a conquista de avanços seria uma espécie de auto consciência oligarquica, com a classe dirigente se esforçando sobre si mesma para vencer a influência do passado que nelas revive “adotando um programa inteiramente oposto ao que, consciente ou inconscientemente, vêm seguindo até hoje”. Pois, na sua opinião, vivendo parasitariamente as classes dominantes perderam todas as qualidades de caráter, moralidade e inteligência: “quanto mais se corrompiam mais conservadoras se faziam”. Na sua concepção, o dever supremo das posições dominantes é suprimir a injustiça, quanto possível, defender a liberdade e estabelecer a igualdade. Bonfim já pensava no socialismo, antes da revolução russa.
Na conclusão do clássico “América Latina – males de origem”, ele sustenta que na economia social de nossa época, dizer país de analfabetismo é dizer país de miséria, pobreza e degradação. Por isso, defende o intelectual, é preciso oferecer uma instrução que “eles
desconhecem e os reerguerá, e começar pelo princípio: difusão do ensino primário”. Ele menciona também a imprensa e principalmente a criação de universidades populares – “verdadeiramente populares,e não arremedos de academias, de onde o povo foge, e com razão” – para contribuírem na construção do progresso social.
“Da própria obra virá auxiliar aqueles que a conduzem; da cooperação das ideias nascerá a cooperação das vontades. A sociedade que pretende durar deve não só organizar o presente como também preparar o futuro”, esclarece o pensador esquecido.
Um afro abraço.
Claudia Vitalino.
fonte:www.insular.com.br/loja3/product_info.php/
Asteca], cujo estado de civilização era superior ao da Europa central no século IV, ou no V. [...] se estes povos puderam [...] alcançar o grau de organização social em que estavam, poderiam muito bem avançar até chegar ao mesmo estado de civilização e cultura de que se orgulham os europeus.
Manoel Bonfim.
Esquecido pela historiografia oficial brasileira, mais de 100 anos depois o pensamento de Manoel Bonfim em “A América Latina – Males de origem” é tanto atual quanto pertinente. Um homem à frente de sua época, no início do século passado seus estudos já apontavam para a consciência ambiental, o homem cordial brasileiro, a defesa do miscigenamento contra o então arianismo na moda e criticava o surgimento do imperialismo norteamericano. Ele é pioneiro nos estudos latinoamericanos no Brasil, além de antecipar várias ideias depois defendidas por renomados intelectuais. Não foi à toa que ninguém menos que o gênio de Darcy Ribeiro, que o chamou de grande intérprete do processo de formação do povo brasileiro, prefaciou em seu clássico: “… nossos males não vêm do povo. São, isto sim, produto da mediocridade do projeto das classes dominantes que aqui organizaram nossa sociedade em proveito próprio, com o maior descaso pelo povo trabalhador, visto como uma mera fonte de energia produtiva, que ele podia desgastar como bem quisesse”, diz Darcy, reforçando as teses de Bonfim.
Manoel Bonfim defende os índios, contra o extermínio dos nativos que têm todo o “conhecimento de uma perfeita adaptação à natureza americana”. Os defende devido à “necessidade orgânica” a “um amor violento à liberdade” indígena, e complementa afirmando que não os falta nenhuma das qualidades susceptíveis de cultura – “nem atividade intelectual, nem inclinação social”. Caracteriza o povo brasileiro com uma grande plasticidade intelectual e sociabilidade muito desenvolvida, “qualidades preciosas para o
progresso”. E já alfineta o neoliberalismo naquele período, ao dizer que a fórmula liberdade de comércio nada mais é que as nações mais fortes mascarando seus privilégios exploradores.
A integração dos países de nosso continente, primeiro tentada por Simon Bolívar e depois por Che Guevara, também é dada como solução contra a opressão que os sulamericanos sofrem desde antes do nascimento de suas nações. “Os americanos do Sul não se conhecem uns aos outros, como não conhecem aos próprios compatriotas. É noção que ainda não entrou no ânimo das gentes letradas deste continente – que é possível aprender fora dos livros”. “É preciso considerar que há entre essas nacionalidades sul-americanas uma certa homogeneidade de sentimentos, ou que, pelo menos, não existe nenhuma incompatibilidade de raça ou de tradições, que as impeça de se unirem e se acordarem para a resistência”, reclama o antropólogo.
[...] é preciso considerar que há entre estas nacionalidades sul-americanas uma certa homogeneidade de sentimentos, ou que, pelo menos, não existe nenhuma incompatibilidade [...] que as impeça de se unirem e se acordarem para a resistência.”
Manoel Bonfim.
Seus estudos, que recorrem a diversos campos do conhecimento, buscam as raízes dos problemas e não os sintomas. Nepostismo e clientelismo não fogem à sua vista, ao apontá-los como vícios enraizados nos nossos costumes por meio das relações sociais durante a colonização. “Tradição tirânica e espoliadora do estado brasileiro”, com privilégios que se opõem ao progresso, também não passam despercebidos, assim como as oligarquias. Como deixa claro na introdução de seu livro, o escritor assume suas opiniões ao criticar as “hipócritas imparcilidades do meio acadêmico”.
Suas críticas são ácidas em relação às análises feitas por estrangeiros sobre a América Latina, pois, segundo ele, são firmadas nas mais ligeiras aparências sem fundamentos nas raízes históricas, pegando uma série de sintomas de atraso e os apresentando como causas. Isso pode ser visto hoje na tendência editorial de todos os meios de comunicação tradicionais em nossa região, quando a pauta é relacionada aos países da América Latina. Nesse sentido, ele volta à história da Espanha e Portugal, passando pela Inqusição, escravidão, e outras instiuições que fizeram parte da construção de nossos países, e atribui a origem de nossos problemas como reflexo das atitudes dos colonizadores. É na história que ele desenvolve sua principal tese, associada à biologia, ao definir a degeneração das colônias luso-espanholas como “parasitismo depredador”.
“Não há na história da América Latina um só fato provando que os mestiços houvessem degenerado de caráter, relativamente às qualidades essenciais das raças progenitoras. Os defeitos e virtudes que possuem vêm da herança que sobre eles pesa, da educação recebida e
da adaptação às condições de vida que lhes são oferecidas”. E complementa: “Enquanto houve riqueza acumulada, ele foi depredador, guerreiro, conquistador. Esgotaram-se as riquezas, ele fez-se imediatamente sedentário. Colheu os restos de populações índias sobreviventes às matanças, escravizou-as e fê-las produzir riquezas para ele – cavando a mina ou lavando a terra”, afirma o intelectual.
Desde então o parasitismo normalizou-se, entrou nos costumes, como a coisa mais natural da vida, dizia. Séculos depois, pode-se dizer que a burguesia continua parasitando nos monopólios e comércios privilegiados, vide o caso Palocci, que expõe toda uma engrenagem promíscua. Do que ele chama de “tirania e autoritarismo egoístico-conservador, – essencial e característico das classes parasitárias, para reduzir a massa popular à ignorância e abjeção” – Bonfim pula para a educação popular como remédio para os nossos povos. Com uma clarividência notável, após apontar as mazelas históricas que realimentam a desigualdade em nossa região, ele aponta a educação popular como indispensável em nosso esforço de autosuperação. Segundo ele, em nossa cultura, principalmente por meio da educação, sempre houve “um conservantismo essencial, mais afetivo que intelectual”. O bacharelismo, nesse sentido, se impõe por força da tradição como um dos problemas principais.
“São nações, estas, em que tudo está por fazer, a começar pela educação política e social das populações”, diz em seu livro. “Não se gasta nem um vintém para fomentar a instrução da massa popular, cuja ignorância é indiscutível, e é ao mesmo tempo a causa primeira dessas desordens, e de males certos, fatais, mais graves ainda que esses males problemáticos”, complementa o escritor. Trazendo para hoje sua reflexão, vale observar que no Rio de Janeiro o orçamento principal é direcionado para a pasta de segurança pública enquanto a educação, que inclusive seus professores estão realizando manifestações para denunciar o descaso das autoridades e a falta de recursos, fica a segundo plano. Ele clama pela redenção social contra o monopólio do saber, a emancipação pela crítica, em combate a um “mal orgânico” da herança da nossa educação social e política imposta pela opressão parasitária.
“Obstinam em curar os sintomas, desprezando as causas dos males sociais. Pretendem a conciliar antagonismos: república, democracia e liberdade – e ignorância”. Em outra passagem ele observa: “O progresso há de ser da própria sociedade, no seu todo; e isto só se obtém pela educação e cultura de cada elemento social. Não se eleva o meio sem melhorar os indivíduos; não há progresso para quem seja incapaz de compreendê-lo e desejá-lo, prevê-lo e buscá-lo”. Instruir, para ele, é fazer pensar.
Um dos caminhos apontado para a conquista de avanços seria uma espécie de auto consciência oligarquica, com a classe dirigente se esforçando sobre si mesma para vencer a influência do passado que nelas revive “adotando um programa inteiramente oposto ao que, consciente ou inconscientemente, vêm seguindo até hoje”. Pois, na sua opinião, vivendo parasitariamente as classes dominantes perderam todas as qualidades de caráter, moralidade e inteligência: “quanto mais se corrompiam mais conservadoras se faziam”. Na sua concepção, o dever supremo das posições dominantes é suprimir a injustiça, quanto possível, defender a liberdade e estabelecer a igualdade. Bonfim já pensava no socialismo, antes da revolução russa.
Na conclusão do clássico “América Latina – males de origem”, ele sustenta que na economia social de nossa época, dizer país de analfabetismo é dizer país de miséria, pobreza e degradação. Por isso, defende o intelectual, é preciso oferecer uma instrução que “eles
desconhecem e os reerguerá, e começar pelo princípio: difusão do ensino primário”. Ele menciona também a imprensa e principalmente a criação de universidades populares – “verdadeiramente populares,e não arremedos de academias, de onde o povo foge, e com razão” – para contribuírem na construção do progresso social.
“Da própria obra virá auxiliar aqueles que a conduzem; da cooperação das ideias nascerá a cooperação das vontades. A sociedade que pretende durar deve não só organizar o presente como também preparar o futuro”, esclarece o pensador esquecido.
Um afro abraço.
Claudia Vitalino.
fonte:www.insular.com.br/loja3/product_info.php/
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