Introdução
Nascida a partir de profundas raízes africanas, a arte afro-brasileira trilhou um longo percurso durante séculos, conquistando visível autonomia e criatividade própria. Percorreu uma trajetória de trocas, sobretudo com os europeus, em meio a um mundo escravocrata e
católico que lhe acarretou perdas e ganhos, continuidade e mudança. Essa arte, realimentada pelas levas sucessivas de escravos que lhe inspira uma visão de mundo herdada da África, estava, porém, sujeita simultaneamente à dinâmica proveniente da evolução da sociedade brasileira. Participou de tal modo na construção e desenvolvimento de nossa sociedade que o sociólogo Gilberto Freyre, pioneiramente, considerou o negro como “um co-colonizador, apesar da sua condição de escravo”.
A função primordial da arte africana, também chamada de arte negra, foi a de produzir valores emocionais para as comunidades às quais pertenceu e que possuíam um saber cultural já estabelecido. Acompanhava, assim, a vida cotidiana da comunidade, participando dos rituais da vida doméstica desde o nascimento, dos ritos de passagem, passando pela fatalidade da morte e continuando ainda na perene ligação com a ancestralidade. Essa arte não tinha o compromisso de ser retrato da realidade e se apresentou sem simetria e proporção. Na figura humana, por exemplo, quase sempre a cabeça é demasiado grande, pois representa a personalidade, o saber, sobretudo quando é a de alguém mais velho; a língua, por vezes, ultrapassa a cavidade da boca, já que expressa a fala, que é a chave da tradição oral; a barriga e os seios femininos representam, em conjunto, a fertilidade; os pés, normalmente grandes, estão sempre bem fixados na terra.
A RAIZ AFRICANA E A RECRIAÇÃO AFRO-BRASILEIRA
Embora nascida a partir de uma funda raiz africana, a arte afro-brasileira teve um longo percurso de séculos que lhe possibilitou, não só uma visível autonomia, como uma criatividade própria. Ela percorreu uma trajetória de trocas, sobretudo com os europeus, no seio de um mundo escravocrata e católico que lhe acarretou perdas e ganhos, continuidade e mudança, sem contudo ter havido uma ruptura.
Essa arte permaneceu realimentada pela seiva africana que lhe inspira uma visão de mundo herdada do continente negro, mas sujeita a uma dinâmica proveniente da evolução da sociedade brasileira. Participou de tal modo na construção e desenvolvimento dessa
sociedade que, pioneiramente, Gilberto Freyre considerou o negro como “um co-colonizador, apesar da sua condição de escravo”. Após a Abolição ele continuou sofrendo uma enredada, mas pertinaz discriminação racial.
A ARTE AFRICANA TRADICIONAL
A arte africana, presente nas sociedades predominantemente rurais, não tem o propósito de ser uma reprodução literal da realidade ou um objeto de pura contemplação, embora o seja também de deleite espiritual e estético.
A sua função primordial é a de produzir valores emocionais para as comunidades às quais
pertence e que possuem um saber cultural já estabelecido. Por via disso, as pessoas dessas comunidades têm uma capacidade de compreendê-la que antecede qualquer reflexão. São apreciadas não pelo que apresentam, mas sim pelo que representam.
A também chamada “arte negra” acompanha a vida da comunidade, é instrumento da sua relação com o espiritual, participando dos ritos e rituais da vida doméstica desde o nascimento, os ritos de passagem, passando pela morte e continuando na perene ligação com a ancestralidade.
Essa arte africana não tem compromisso com o retrato da realidade. Ela se apresenta sem a simetria e a proporção que poderíamos esperar. Quase sempre a cabeça é demasiado grande, pois ela representa a personalidade, o saber, sobretudo quando é a de um “Mais Velho” da
comunidade; a língua, por vezes ultrapassa a cavidade da boca: ela expressa a fala, que é a chave da tradição oral; a barriga e os seios femininos representam a fertilidade; os pés, normalmente grandes, são bem fixados na terra.
Tais representações são expressões culturais, sujeitas a diversidades étnicas, mas todas provenientes do sopro do Criador, que emite uma força vital (axé, no Brasil dos orixás,
vindos do oeste nigeriano e leste do Benim). Essa força vital circula por todos os reinos do universo: o humano e o animal, o vegetal e até o mineral, e é passível de ser manipulada, e assim transferida entre todos os seres, através da intervenção dos ancestrais, tendo como intermediários-intérpretes os sacerdotes.
Essa arte africana, de base rural-comunitária, que feria os cânones europeus até quase o final do século XIX, atraiu, com o seu “expressionismo”, pintores como Picasso e Braque, quando eles enveredaram pelo cubismo. Entretanto, por essa mesma época, os europeus também reagiram com espanto a um outro tipo de arte africana: foram trazidos para a Europa, após a conquista colonial, os “bronzes de Benim”. O crítico alemão F. von Luncham escreveu, em 1901: “Estes trabalhos de Benim (elaborados com a secular técnica da ‘cera perdida’) estão no patamar mais elevado da técnica de fundição da Europa. Cellini, e ninguém antes nem depois dele, poderia tê-los fundido melhor”. Essas cabeças e estátuas em bronze eram já assim produzidas pelos iorubás desde o século XVI, conforme testemunharam os portugueses quando ali aportaram no tempo das navegações.
Não é propósito deste texto tratar da arte africana contemporânea, produzida sobretudo no período pós-colonial. Esta, seja figurativa ou abstrata, carrega a tradição mas tem propósitos semelhantes ao de qualquer arte contemporânea de caráter internacional.
Entretanto, artistas e artesãos continuam produzindo a arte tradicional, quer para uso comunitário, quer para deleite dos turistas. Parte dela, de qualidade bem menor, é chamada de “arte de aeroporto”.
A RECRIAÇÃO AFRO-BRASILEIRA
Analisando a fraca presença do negro brasileiro nas artes visuais contemporâneas, em flagrante contraste com o período do barroco, quando eram dominantes, Clarival do Prado Valadares, num texto de 1988, menciona que essa presença passou a traduzir-se, quase que exclusivamente no que se convencionou chamar de “arte primitiva”. E explicava que essa arte, aceitavelmente dócil, era o que se esperava do negro. Enfim, uma arte adequada ao lugar que era permitido ao negro na sociedade brasileira.
Compreende-se melhor isso ao consultar uma publicação do Ministério das Relações Exteriores, em 1966, intitulada Quem é Quem nas Artes e Letras do Brasil. Nela estão listadas 298 fichas biográficas de artistas brasileiros. Dessa lista, somente 16 eram negros. O mesmo Itamaraty, numa edição, em francês, do seu Anuário de 1966 (p. 227) assinala que, no que respeita à cor: “a maioria da população brasileira é constituída de brancos; a percentagem de mestiços é fraca”.
Hoje, não só desapareceu dos Anuários do Itamaraty essa “distração” étnica quanto
progrediu a participação dos negros nas artes nacionais. No entanto, em tempo algum os negros constituíram uma elite nas nossas artes como aconteceu na época do barroco.
O BARROCO AFRO-BRASILEIRO
O barroco brasileiro, com epicentro em Minas Gerais, mas com núcleos importantes em Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro, beneficiou-se economicamente do Ciclo do Ouro das décadas de 1729 a 1750. Além de terra das pedras preciosas, Minas Gerais era o maior centro mundial de produção do ouro na primeira metade do século XVIII. Apesar das
restrições da Metrópole, preocupada quase que exclusivamente com a arrecadação do metal para cunhagem de moedas, Vila Rica, atual Ouro Preto, era uma das mais faustosas cidades do mundo dessa época. No entanto, o auge do barroco só viria a ocorrer um pouco depois, na segunda metade do século XVIII.
Sua inspiração é européia, sobretudo italiana e francesa (estilo rococó). O barroco foi uma tentativa de resposta ideológica e artística da Contra-Reforma, à expansão das doutrinas ditas protestantes da Reforma e também à herança humanista da Renascença. Isso ajuda a explicar a extrema religiosidade do barroco; ele pretendia o triunfo da sensibilidade teatral sobre o intelectual.
Foi do período barroco que resultaram os mais belos monumentos religiosos do Brasil, no dizer de Fernando Azevedo, que acrescenta ter sido o setecentos o “século do Aleijadinho”.
Este foi o gênio que deu aos “centros urbanos de Minas Gerais algumas das igrejas rococó mais belas do mundo”. É natural, portanto, que muitos críticos considerem que é com o estilo barroco que se inicia, de fato, a história das artes no Brasil.
Além do ouro e das pedras preciosas, o barroco mineiro foi beneficiado por outras circunstâncias. Uma delas relaciona-se com as associações laicas chefiadas por patronos abastados e a outra foi o enfraquecimento das ordens religiosas, provocado pela política laica e centralizadora do Marquês de Pombal, primeiro-ministro do rei D. José I, de Portugal. Essas ordens religiosas, além de exclusivistas do ponto de vista racial, não toleravam a participação de quem não provasse ter “sangue puro” (judeus, por exemplo).
Outro fator benéfico foram as Irmandades, a quem estavam ligadas as corporações de ofícios. Estas eram separadas pela cor dos seus membros: brancos, pardos (ou mulatos) e pretos, que competiam entre si. Contudo, não era uma competição muito excludente já que, com freqüência, o talento era priorizado. Dois exemplos: foi a Irmandade do Rosário dos Homens Pretos quem patrocinou a publicação, em Lisboa, do livro Testemunho Eucarístico de o
Aleijadinho, assim como ele foi o escolhido pela Irmandade de São Francisco, de brancos, para fazer a planta e construir as suas duas mais belas igrejas, em Vila Rica e em São João d’El Rei.
I Festival Mundial de Artes Negras
Nascida a partir de profundas raízes africanas, a arte afro-brasileira trilhou um longo percurso durante séculos, conquistando visível autonomia e criatividade própria. Percorreu uma trajetória de trocas, sobretudo com os europeus, em meio a um mundo escravocrata e
católico que lhe acarretou perdas e ganhos, continuidade e mudança. Essa arte, realimentada pelas levas sucessivas de escravos que lhe inspira uma visão de mundo herdada da África, estava, porém, sujeita simultaneamente à dinâmica proveniente da evolução da sociedade brasileira. Participou de tal modo na construção e desenvolvimento de nossa sociedade que o sociólogo Gilberto Freyre, pioneiramente, considerou o negro como “um co-colonizador, apesar da sua condição de escravo”.
A função primordial da arte africana, também chamada de arte negra, foi a de produzir valores emocionais para as comunidades às quais pertenceu e que possuíam um saber cultural já estabelecido. Acompanhava, assim, a vida cotidiana da comunidade, participando dos rituais da vida doméstica desde o nascimento, dos ritos de passagem, passando pela fatalidade da morte e continuando ainda na perene ligação com a ancestralidade. Essa arte não tinha o compromisso de ser retrato da realidade e se apresentou sem simetria e proporção. Na figura humana, por exemplo, quase sempre a cabeça é demasiado grande, pois representa a personalidade, o saber, sobretudo quando é a de alguém mais velho; a língua, por vezes, ultrapassa a cavidade da boca, já que expressa a fala, que é a chave da tradição oral; a barriga e os seios femininos representam, em conjunto, a fertilidade; os pés, normalmente grandes, estão sempre bem fixados na terra.
A RAIZ AFRICANA E A RECRIAÇÃO AFRO-BRASILEIRA
Embora nascida a partir de uma funda raiz africana, a arte afro-brasileira teve um longo percurso de séculos que lhe possibilitou, não só uma visível autonomia, como uma criatividade própria. Ela percorreu uma trajetória de trocas, sobretudo com os europeus, no seio de um mundo escravocrata e católico que lhe acarretou perdas e ganhos, continuidade e mudança, sem contudo ter havido uma ruptura.
Essa arte permaneceu realimentada pela seiva africana que lhe inspira uma visão de mundo herdada do continente negro, mas sujeita a uma dinâmica proveniente da evolução da sociedade brasileira. Participou de tal modo na construção e desenvolvimento dessa
sociedade que, pioneiramente, Gilberto Freyre considerou o negro como “um co-colonizador, apesar da sua condição de escravo”. Após a Abolição ele continuou sofrendo uma enredada, mas pertinaz discriminação racial.
A ARTE AFRICANA TRADICIONAL
A arte africana, presente nas sociedades predominantemente rurais, não tem o propósito de ser uma reprodução literal da realidade ou um objeto de pura contemplação, embora o seja também de deleite espiritual e estético.
A sua função primordial é a de produzir valores emocionais para as comunidades às quais
A também chamada “arte negra” acompanha a vida da comunidade, é instrumento da sua relação com o espiritual, participando dos ritos e rituais da vida doméstica desde o nascimento, os ritos de passagem, passando pela morte e continuando na perene ligação com a ancestralidade.
Essa arte africana não tem compromisso com o retrato da realidade. Ela se apresenta sem a simetria e a proporção que poderíamos esperar. Quase sempre a cabeça é demasiado grande, pois ela representa a personalidade, o saber, sobretudo quando é a de um “Mais Velho” da
comunidade; a língua, por vezes ultrapassa a cavidade da boca: ela expressa a fala, que é a chave da tradição oral; a barriga e os seios femininos representam a fertilidade; os pés, normalmente grandes, são bem fixados na terra.
Tais representações são expressões culturais, sujeitas a diversidades étnicas, mas todas provenientes do sopro do Criador, que emite uma força vital (axé, no Brasil dos orixás,
Essa arte africana, de base rural-comunitária, que feria os cânones europeus até quase o final do século XIX, atraiu, com o seu “expressionismo”, pintores como Picasso e Braque, quando eles enveredaram pelo cubismo. Entretanto, por essa mesma época, os europeus também reagiram com espanto a um outro tipo de arte africana: foram trazidos para a Europa, após a conquista colonial, os “bronzes de Benim”. O crítico alemão F. von Luncham escreveu, em 1901: “Estes trabalhos de Benim (elaborados com a secular técnica da ‘cera perdida’) estão no patamar mais elevado da técnica de fundição da Europa. Cellini, e ninguém antes nem depois dele, poderia tê-los fundido melhor”. Essas cabeças e estátuas em bronze eram já assim produzidas pelos iorubás desde o século XVI, conforme testemunharam os portugueses quando ali aportaram no tempo das navegações.
Não é propósito deste texto tratar da arte africana contemporânea, produzida sobretudo no período pós-colonial. Esta, seja figurativa ou abstrata, carrega a tradição mas tem propósitos semelhantes ao de qualquer arte contemporânea de caráter internacional.
Entretanto, artistas e artesãos continuam produzindo a arte tradicional, quer para uso comunitário, quer para deleite dos turistas. Parte dela, de qualidade bem menor, é chamada de “arte de aeroporto”.
A RECRIAÇÃO AFRO-BRASILEIRA
Analisando a fraca presença do negro brasileiro nas artes visuais contemporâneas, em flagrante contraste com o período do barroco, quando eram dominantes, Clarival do Prado Valadares, num texto de 1988, menciona que essa presença passou a traduzir-se, quase que exclusivamente no que se convencionou chamar de “arte primitiva”. E explicava que essa arte, aceitavelmente dócil, era o que se esperava do negro. Enfim, uma arte adequada ao lugar que era permitido ao negro na sociedade brasileira.
Compreende-se melhor isso ao consultar uma publicação do Ministério das Relações Exteriores, em 1966, intitulada Quem é Quem nas Artes e Letras do Brasil. Nela estão listadas 298 fichas biográficas de artistas brasileiros. Dessa lista, somente 16 eram negros. O mesmo Itamaraty, numa edição, em francês, do seu Anuário de 1966 (p. 227) assinala que, no que respeita à cor: “a maioria da população brasileira é constituída de brancos; a percentagem de mestiços é fraca”.
Hoje, não só desapareceu dos Anuários do Itamaraty essa “distração” étnica quanto
O BARROCO AFRO-BRASILEIRO
O barroco brasileiro, com epicentro em Minas Gerais, mas com núcleos importantes em Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro, beneficiou-se economicamente do Ciclo do Ouro das décadas de 1729 a 1750. Além de terra das pedras preciosas, Minas Gerais era o maior centro mundial de produção do ouro na primeira metade do século XVIII. Apesar das
restrições da Metrópole, preocupada quase que exclusivamente com a arrecadação do metal para cunhagem de moedas, Vila Rica, atual Ouro Preto, era uma das mais faustosas cidades do mundo dessa época. No entanto, o auge do barroco só viria a ocorrer um pouco depois, na segunda metade do século XVIII.
Sua inspiração é européia, sobretudo italiana e francesa (estilo rococó). O barroco foi uma tentativa de resposta ideológica e artística da Contra-Reforma, à expansão das doutrinas ditas protestantes da Reforma e também à herança humanista da Renascença. Isso ajuda a explicar a extrema religiosidade do barroco; ele pretendia o triunfo da sensibilidade teatral sobre o intelectual.
Foi do período barroco que resultaram os mais belos monumentos religiosos do Brasil, no dizer de Fernando Azevedo, que acrescenta ter sido o setecentos o “século do Aleijadinho”.
Este foi o gênio que deu aos “centros urbanos de Minas Gerais algumas das igrejas rococó mais belas do mundo”. É natural, portanto, que muitos críticos considerem que é com o estilo barroco que se inicia, de fato, a história das artes no Brasil.
Além do ouro e das pedras preciosas, o barroco mineiro foi beneficiado por outras circunstâncias. Uma delas relaciona-se com as associações laicas chefiadas por patronos abastados e a outra foi o enfraquecimento das ordens religiosas, provocado pela política laica e centralizadora do Marquês de Pombal, primeiro-ministro do rei D. José I, de Portugal. Essas ordens religiosas, além de exclusivistas do ponto de vista racial, não toleravam a participação de quem não provasse ter “sangue puro” (judeus, por exemplo).
Outro fator benéfico foram as Irmandades, a quem estavam ligadas as corporações de ofícios. Estas eram separadas pela cor dos seus membros: brancos, pardos (ou mulatos) e pretos, que competiam entre si. Contudo, não era uma competição muito excludente já que, com freqüência, o talento era priorizado. Dois exemplos: foi a Irmandade do Rosário dos Homens Pretos quem patrocinou a publicação, em Lisboa, do livro Testemunho Eucarístico de o
Aleijadinho, assim como ele foi o escolhido pela Irmandade de São Francisco, de brancos, para fazer a planta e construir as suas duas mais belas igrejas, em Vila Rica e em São João d’El Rei.
I Festival Mundial de Artes Negras
O Brasil, segundo país de maior população negra do planeta – atrás apenas da Nigéria, seria o convidado de honra.
Mestre Pastinha pode ser situado na história das relações atlânticas como um capoeirista baiano que conheceu o continente africano em 1966. Por ocasião do I Festival Mundial de Artes Negras realizado em Dakar, capital do Senegal, visitou a África Ocidental. Foi integrante da delegação brasileira que compôs este evento junto com cerca de outros 30 países. Convidado do Ministério das Relações Exteriores, reuniu uma comitiva de capoeiristas angoleiros, dentre eles mestre João Grande, mestre Gato, mestre Gildo Alfinete, mestre Roberto Satanás e Camafeu de Oxossi, para representar a cultura popular afro-brasileira.Afinal, o Fesman estava longe de ser apenas um encontro de arte. Havia menos de dez anos que 34 nações africanas tateavam a independência, golpes militares estouravam em países como Congo e Nigéria e a segregação racial recrudescia nos Estados Unidos, preparando para apenas dois anos depois o assassinato de Martin Luther King.
Entre os demais brasileiros que formaram a delegação oficial no festival podemos citar o artista plástico Rubem Valentim, o músico Élton Medeiros e a cantora Clementina de Jesus.
Estavam ainda presente no evento o poeta antilhano Aimé Cesaire, o escritor senegalês Cheikh Anta Diop e o poeta Léopold Sédar Senghor, então presidente do Senegal. Neste país, independente desde 1960, seu governo instaurou o presidencialismo e promoveu o movimento político-estético da negritude. Movimento de que estas celebridades eram expoentes, e que se tornou uma forma de combater o racismo valorizando a personalidade e a cultura específicas ao negro.
"Segundo Abdias do Nascimento o I Festival Mundial de Artes Negras teve como sentido primordial "marcar o momento da conquista da independência dos países africanos com uma homenagem ao papel de sua cultura, mundialmente difundida, como catalisadora do processo libertário"
Sendo assim, compreendemos a relevância do festival na trajetória do mestre Pastinha. E nos tranqüilizamos pela justa oportunidade dada a este mestre angoleiro de ir representar sua arte e sua filosofia em Dakar.
Até mesmo porque Pastinha sempre defendeu a origem africana da capoeira. Perspectiva que exalta a memória dos afro-descendentes e valoriza suas raízes étnicas e históricas em detrimento de posições convencionalmente equivocadas. Aquelas em que a memória dos afro-brasileiros é iniciada a partir do tráfico de escravos, enquanto povos escravizados. Facilmente confundidos com "povos escravos". Ou seja, defender a origem africana da capoeira nos permite "entendê-la como arte de homem que um dia foi livre",
Embora de grande importância, este evento foi considerado por militantes brasileiros como um episódio de intolerância racial do nosso Ministério das Relações Exteriores. Acusação que se deve ao fato de a nossa delegação ter omitido expoentes da negritude brasileira, engajados na mesma luta que os idealizadores do festival.
A exclusão do Teatro Experimental do Negro foi motivo de indignação contra as autoridades e de crítica contra a representação que o Brasil levou ao Senegal em 1966. Criado em 1944, este grupo teatral se propunha a fertilizar uma literatura dramática para artistas negros. Em sua mobilização buscou uma oportunidade coletiva de igualdade para seu povo e evidenciou a contribuição humanística do mesmo. Na ânsia de participar do festival, entretanto, a apresentação da peça Além do rio teve que ser adiada. E o trabalho do TEN ficou desmerecido pelo governo brasileiro enquanto manifestação digna de ir ao evento.
Por ter sido o festival um acontecimento patrocinado pela Unesco, a gestão das delegações se deu por canais oficiais. De maneira que a comissão nomeada para escolher os integrantes brasileiros funcionou sob controle direto do Itamaraty. Sendo passível de crítica, naquele momento, não só pelos equívocos de uma diplomacia dependente dos poderes coloniais. Mas principalmente pelo fato de a comissão não ter consultado os militantes da arte negra sobre assunto de que são protagonistas. No contexto do Festival, o Teatro Experimental do Negro era a voz habilitada para denunciar perante o mundo a suposta democracia racial brasileira. Sendo possível concluir então que foi enviada "uma amostra não significativa da exata situação ocupada pelo negro no território das artes no Brasil"
Se liga:
Traços fortes da cultura africana podem ser encontrados hoje em variados aspectos da cultura brasileira, como a música popular, a religião, a culinária, o folclore e as festividades
populares. Os estados do Maranhão, Pernambuco, Alagoas,Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul foram os mais influenciados pela cultura de origem africana, tanto pela quantidade de escravos recebidos durante a época do tráfico como pela migração interna dos escravos após o fim do ciclo da cana-de-açúcar na região Nordeste.
"Ainda que tradicionalmente desvalorizados na época colonial e no século XIX, os aspectos da cultura brasileira de origem africana passaram por um processo de revalorização a partir do século XX que continua até os dias de hoje"
Claudia Vitalino.
Um afro abraço.
Fontes: Wikipédia, a enciclopédia livre/OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. História da arte no Brasil: textos de síntese. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008/PEREIRA, José Maria Nunes. “A raiz africana e a recriação brasileira” (disponível emwww.raulmendesilva.pro.br/pintura/pag009.shtml)/UNEGRO CULTURA/VIANA, Janaína. “Uma possível arte afro-brasileira: corporeidade e ancestralidade”
(www.ia.unesp.br/pos/stricto/artes/...artes/2008/dissertacao_janainaviana.pdf).
Mestre Pastinha pode ser situado na história das relações atlânticas como um capoeirista baiano que conheceu o continente africano em 1966. Por ocasião do I Festival Mundial de Artes Negras realizado em Dakar, capital do Senegal, visitou a África Ocidental. Foi integrante da delegação brasileira que compôs este evento junto com cerca de outros 30 países. Convidado do Ministério das Relações Exteriores, reuniu uma comitiva de capoeiristas angoleiros, dentre eles mestre João Grande, mestre Gato, mestre Gildo Alfinete, mestre Roberto Satanás e Camafeu de Oxossi, para representar a cultura popular afro-brasileira.Afinal, o Fesman estava longe de ser apenas um encontro de arte. Havia menos de dez anos que 34 nações africanas tateavam a independência, golpes militares estouravam em países como Congo e Nigéria e a segregação racial recrudescia nos Estados Unidos, preparando para apenas dois anos depois o assassinato de Martin Luther King.
Entre os demais brasileiros que formaram a delegação oficial no festival podemos citar o artista plástico Rubem Valentim, o músico Élton Medeiros e a cantora Clementina de Jesus.
Estavam ainda presente no evento o poeta antilhano Aimé Cesaire, o escritor senegalês Cheikh Anta Diop e o poeta Léopold Sédar Senghor, então presidente do Senegal. Neste país, independente desde 1960, seu governo instaurou o presidencialismo e promoveu o movimento político-estético da negritude. Movimento de que estas celebridades eram expoentes, e que se tornou uma forma de combater o racismo valorizando a personalidade e a cultura específicas ao negro.
"Segundo Abdias do Nascimento o I Festival Mundial de Artes Negras teve como sentido primordial "marcar o momento da conquista da independência dos países africanos com uma homenagem ao papel de sua cultura, mundialmente difundida, como catalisadora do processo libertário"
Sendo assim, compreendemos a relevância do festival na trajetória do mestre Pastinha. E nos tranqüilizamos pela justa oportunidade dada a este mestre angoleiro de ir representar sua arte e sua filosofia em Dakar.
Até mesmo porque Pastinha sempre defendeu a origem africana da capoeira. Perspectiva que exalta a memória dos afro-descendentes e valoriza suas raízes étnicas e históricas em detrimento de posições convencionalmente equivocadas. Aquelas em que a memória dos afro-brasileiros é iniciada a partir do tráfico de escravos, enquanto povos escravizados. Facilmente confundidos com "povos escravos". Ou seja, defender a origem africana da capoeira nos permite "entendê-la como arte de homem que um dia foi livre",
Embora de grande importância, este evento foi considerado por militantes brasileiros como um episódio de intolerância racial do nosso Ministério das Relações Exteriores. Acusação que se deve ao fato de a nossa delegação ter omitido expoentes da negritude brasileira, engajados na mesma luta que os idealizadores do festival.
A exclusão do Teatro Experimental do Negro foi motivo de indignação contra as autoridades e de crítica contra a representação que o Brasil levou ao Senegal em 1966. Criado em 1944, este grupo teatral se propunha a fertilizar uma literatura dramática para artistas negros. Em sua mobilização buscou uma oportunidade coletiva de igualdade para seu povo e evidenciou a contribuição humanística do mesmo. Na ânsia de participar do festival, entretanto, a apresentação da peça Além do rio teve que ser adiada. E o trabalho do TEN ficou desmerecido pelo governo brasileiro enquanto manifestação digna de ir ao evento.
Por ter sido o festival um acontecimento patrocinado pela Unesco, a gestão das delegações se deu por canais oficiais. De maneira que a comissão nomeada para escolher os integrantes brasileiros funcionou sob controle direto do Itamaraty. Sendo passível de crítica, naquele momento, não só pelos equívocos de uma diplomacia dependente dos poderes coloniais. Mas principalmente pelo fato de a comissão não ter consultado os militantes da arte negra sobre assunto de que são protagonistas. No contexto do Festival, o Teatro Experimental do Negro era a voz habilitada para denunciar perante o mundo a suposta democracia racial brasileira. Sendo possível concluir então que foi enviada "uma amostra não significativa da exata situação ocupada pelo negro no território das artes no Brasil"
Se liga:
Traços fortes da cultura africana podem ser encontrados hoje em variados aspectos da cultura brasileira, como a música popular, a religião, a culinária, o folclore e as festividades
populares. Os estados do Maranhão, Pernambuco, Alagoas,Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul foram os mais influenciados pela cultura de origem africana, tanto pela quantidade de escravos recebidos durante a época do tráfico como pela migração interna dos escravos após o fim do ciclo da cana-de-açúcar na região Nordeste.
"Ainda que tradicionalmente desvalorizados na época colonial e no século XIX, os aspectos da cultura brasileira de origem africana passaram por um processo de revalorização a partir do século XX que continua até os dias de hoje"
Claudia Vitalino.
Um afro abraço.
Fontes: Wikipédia, a enciclopédia livre/OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. História da arte no Brasil: textos de síntese. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008/PEREIRA, José Maria Nunes. “A raiz africana e a recriação brasileira” (disponível emwww.raulmendesilva.pro.br/pintura/pag009.shtml)/UNEGRO CULTURA/VIANA, Janaína. “Uma possível arte afro-brasileira: corporeidade e ancestralidade”
(www.ia.unesp.br/pos/stricto/artes/...artes/2008/dissertacao_janainaviana.pdf).
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