Varias abordagens teóricas vêm tentando explicar essa nova modalidade de preconceito que não desafia as normas anti-racistas. Para os autores que abordam essa problemática (Katz, Wackenhut e Hass, 1986; MMcConahay, 1986; Pettigrew e Meertens, 1995; Meertens e Pettigrew, 1999; Vala, 1999), nos últimos 30 ou 40 anos as sociedades vêm desenvolvendo restrições institucionais à pratica discriminatória baseada nas diferenças de raça.
Tais abordagens consideram que a diminuição do racismo é um fenômeno aparente, uma vez que as atitudes preconceituosas permaneceriam presentes em cada individuo. O que ocorreria é que a discriminação manifesta estaria sendo substituída por outras formas mais sutis.
Essa nova abordagem apresenta problemas metodológicos, uma vez que essas novas formas de preconceito se manifestam a partir de crenças e práticas distintas do racismo clássico. Para os autores, o foco dessa abordagem engloba a compreensão das características próprias de cada ambiente social a fim de construir em cada um desses contextos medidas adequadas, ou seja, não englobaria a construção de escalas a priori.
No exame das dimensões abismais da desigualdade racial que é possível compreender a importância de tal discussão. Se a ideia de raça não faz sentido do ponto de vista da ciência, por outro lado ela pode ajudar a compreender o sentido de muitas ações que pressupõem sua existência (GUIMARÃES, 2002). "Não há raças; [o que] há é racismo", diz Joel Rufino dos Santos (SANTOS, 2009, p. 172). E é ainda o racismo que diz muito sobre como vão viver e morrer os negros no Brasil.
Estabelecendo conceitos: raça, racionalização, racismo
A noção de raça foi criticada como ideologia, depois de sua suposta existência justificar a colonização, escravização, segregação, esterilização, perseguição e morte de milhões de
pessoas (NASCIMENTO, 1978; SANTOS, 2000; BLACK, 2004; SILVA Jr., 2008). Contudo, raça é um operador social que continua a produzir efeitos, sendo usada para agregar indivíduos e grupos que compartilham certos aspectos físicos observáveis e ajuda a determinar uma atitude negativa frente a eles. Raça é uma construção social essencialista, amplamente aceita (MUNANGA, 2010), criado e reforçado em práticas cotidianas (ESSED, 1991; SCHWARCZ, 1998). Se levada em conta como uma categoria analítica, raça/racismo é capaz de desvelar muitas formas de exercício de poder opressivo e de favorecer nosso entendimento da sociedade e da subjetividade que produz.
É facilmente constatável que a maioria das pessoas ainda pensa em termos de racialização (ou racialismo), ou seja, acredita que há distintas raças humanas. Esta crença desenha verdadeiros mapas de navegação social para os brasileiros, desde sua primeira socialização. Contudo, o racialismo não implica necessariamente no racismo. O racismo consiste na idéia de que algumas raças são inferiores a outras, atribuindo desigualdades sociais, culturais, políticas, psicológicas, à "raça" e, portanto, legitimando as diferenças sociais a partir de supostas diferenças biológicas.
No caso dos negros vencidos, o desafio é construir e recuperar a história da multiplicidade de sua resistência: desde o suicídio nos navios negreiros, das revoltas na senzala, das fugas para os quilombos, dos movimentos anti-racistas, da reação à repressão cultural e religiosa imposta pelos senhores até o enfrentamento das múltiplas práticas racistas, pulverizadas no cotidiano atual.
A partir da admissão de que pessoas com certos traços raciais (como a pele de cor escura) são inferiores (racismo) justifica-se sua posição desvantajosa na sociedade e seu assujeitamento. Guattari (1996) menciona mecanismos de segregação, infantilização e culpabilização que operam produzindo sentimentos de solidão, inferioridade, incapacidade, dependência e culpa sobre aqueles que tentam novas formas de se colocar no mundo. Isso é especialmente verdadeiro em relação aos negros e a outros grupos que apresentam características somáticas inferiorizadas ao longo da história. Espera-se que eles se mantenham em lugares sociais subalternizados, não resistam à dominação e que sejam gratos porque alguém lhes tira desse lugar (RAMÃO, MENEGHEL; OLIVEIRA, 2005).
Se liga: - Mostrando os mecanismos racistas que parecem mais suaves, "psicológicos", não pretendo esquecer que a discriminação direta, a violência e o extermínio não só são possíveis, como são muito empregados. Trata-se de mostrar que uma coisa prepara, justifica e banaliza a outra. Baptista (1999) chama de 'genocídio' não apenas aos assassinatos concretos, mas também aos assassinatos subjetivos: os discursos "neutros", enunciados por especialistas e outros "autorizados a falar", que condenam a expressão singular; que fragilizam, patologizam, "fragmentam a violência da cotidianidade, remetendo-a a particularidades individuais" (BAPTISTA, 1999, p.46). Um assassinato afia a arma do outro. A ação do racismo "enfraquece a vítima" (BAPTISTA, 1999, p.46) e faz com que ela internalize sua falha e sua culpa em não ser aquilo que é desejável (VERGNE, 2010); tornando-a mais vulnerável, menos propensa a se defender e a afirmar sua diferença.
Racismo à brasileira: fenômeno tão presente quanto negado
Vários estudos mostram o paradoxo de um racismo brasileiro que se destaca pela inexistência de racistas. Um traço recorrente em várias pesquisas aqui analisadas é que, nas entrevistas, as pessoas relatam que o preconceito racial na sociedade existe, mas não o admitem em si mesmos (SILVA, 1998; SCHWARCZ, 2001; FIGUEIREDO; GOSFROGUEL, 2009; CAMINO et. al., 2001; FERREIRA, 2002).
Negado patologicamente, as propostas para a redução de tal iniquidade encontram muitas resistências, sustentando a ideia de que não é preciso fazer nada, pois afinal somos um povo mestiçado e de natureza cordial (CARNEIRO, 2003). O mito de que vivemos uma democracia racial, já bastante denunciado, encontra persistências muito concretas no Brasil de hoje; procurando desqualificar como um potencial racismo às avessas as iniciativa de equilibrar as notáveis inequidades sociais, de que trataremos mais adiante.
O racismo e seus efeitos: acesso à saúde e educação
A população brasileira, de acordo com levantamento do IBGE de 2010, tem 42,1% de pardos e 5,9% de negros autodescritos. Reunindo os dois conjuntos, temos quase metade da população total. Os resultados do Censo 2010, que à época da escrita desse artigo apenas começavam a circular, mostram o Brasil como uma das maiores nações negras do mundo e que, pela primeira vez, a maior parte da população se autodeclara negra. Estes dados evidenciam o quanto o termo "minoria" é inadequado.
Se os negros são a maioria do país, supostamente deveriam ter a mesma equivalência em termos de acesso a direitos sociais. Contudo, a "parte negra" concentra dados iníquos em relação à branca, formando, na prática, dois países. A desigualdade social tem cor. Ela deriva, principalmente, "da forte concentração de renda no segmento mais rico da sociedade [...]. Os negros frequentam a riqueza do país, mas são participantes minoritários. Os brancos são mais ricos e mais desiguais. Os negros, mais iguais e mais pobres" (HENRIQUES, 2001, p. 49).
Se tomarmos qualquer dado que informe sobre o desenvolvimento humano e a qualidade de vida – educação, saúde, moradia, emprego, renda, expectativa de vida, acesso a equipamentos sociais – veremos que os negros estão em grande e injusta desvantagem. Parece importante definir que "[...] as desigualdades sociais são ditas raciais quando se encontrem e se comprovem mecanismos causais operando ao nível individual e social que possam ser retraçados ou reduzidos à idéia de raça" (GUIMARÃES, 1999, s/p.).
A violência estrutural fica bem demonstrada em dados como o "Racismo, Pobreza e Violência" (PNUD, 2005). Ali veremos que, apesar do crescimento da renda das últimas décadas, o percentual de negros pobres nunca ficou abaixo de 64%. Embora sejam mais de 45% da população total, os negros são 70% entre os 10% mais pobres e não passam de 16% entre os 10% mais ricos.
Para darmos alguns exemplos ilustrativos das diferenças nesses "dois países", sabemos que a expectativa de vida, segundo o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), se desagregado por gênero e raça, é, respectivamente: homens brancos, 69 anos; mulheres brancas, 71 anos; já entre homens negros é de 62 anos; e entre mulheres negras, de 66 anos. Os dados relativos à renda informam que o PIB per capita das mulheres negras é de 0,76 salários mínimos (SM); os dos homens negros: 1,36 SM; mulheres brancas: 1,88 SM; e homens brancos, 4,74 SM (OLIVEIRA, 2003).
Deste grande grupo afrodescendente, aproximadamente a metade é composta de mulheres, o que representa cerca de 24% do total da população brasileira. Sobre elas incide uma tríplice discriminação: de raça, de gênero e de classe social. Elas constituem a parcela mais pobre, são as que possuem a situação de trabalho mais precária, que têm os menores rendimentos e as mais altas taxas de desemprego (DIEESE, 2003). As mulheres encontram-se mais concentradas, proporcionalmente, em trabalhos informais e mais precários e mal remunerado do que os homens, como é o caso do trabalho doméstico. Ou seja: "Num quadro global de gravíssimas desigualdades sociais, já amplamente reconhecido, evidencia-se uma nítida hierarquia que tem, no topo, os homens brancos (não negros) e que vai descendo para as mulheres brancas, homens negros (e pardos) e mulheres negras" (QUADROS, 2004).
É indisfarçável que "há 53 milhões de pobres e, desses, 22 milhões são indigentes. 65% e 70%, respectivamente, desses pobres e indigentes são pessoas negras" (CARNEIRO, 2003, p.1). Podemos portanto dizer que no Brasil, mesmo com variações regionais, a pobreza e a miséria são predominantemente negras.
É preciso superar o pensamento que prefere admitir que melhorando nossa injustiça social, a questão racial será resolvida, já que o que há é apenas preconceito de classe. O racismo não é redutível à pobreza e miséria. Isto vem sendo desmentido desde os anos 50 (GIACOMINI, 2008) e confirmado em estudos mais recentes (FIGUEIREDO, 2004).
Na área da educação há notáveis diferenças no acesso à escola entre brancos e negros. As diferenças raciais, contudo, são muito marcantes: os negros e negras estão menos presentes nas escolas, apresentam médias de anos de estudo inferiores e taxas de analfabetismo bastante superiores. As desigualdades se ampliam quanto maior o nível de ensino. O acesso ao ensino médio, ainda bastante restrito em nosso país, é significativamente mais limitado para a população negra, que, por se encontrar nos estratos de menor renda, é mais cedo pressionada a abandonar os estudos e ingressar no mercado de trabalho. (IPEA, 2008). Em 2009, 4,7% dos pretos e 5,3% dos pardos nesta faixa etária tinha diploma de ensino superior, contra 15% dos brancos e 62,6% dos estudantes brancos entre 18 e 24 anos estavam na universidade, contra 28,2% dos negros e 31,8% dos pardos (IBGE, 2010), o que impacta especialmente a vida dos jovens. Como foi mostrado, há muita diferença no tratamento dado aos dois grupos. Esse dado aponta para a formação dos professores, pois "de nada adianta dispor de livro didático e currículo apropriados se o professor for preconceituoso, racista, e não souber lidar adequadamente com a questão" (VALENTE, 2005, s/p.).
Sendo persistentes, as formas preconceituosas de ver reduzem as oportunidades dos negros em vários campos da garantia de direitos e cidadania. Pesquisas recentes mostram que as expectativas dos educadores em relação às crianças e jovens negros e também estreitam suas oportunidades quando crescem. Santos sustenta que muitas escolas "partem da crença de que alunos pobres e negros não são educáveis" (VALENTE, 2005, p. 44). Com raras exceções, o combate ao racismo não é uma meta nas instituições escolares; não é parte da formação dos professores; não é discutido nem mesmo nas famílias dos alunos negros, talvez porque tenham sofrido os pais tenham sofrido os mesmos ataques e tenham se resignado, propagando este conformismo (MIRANDA, 2004).
No exame do conteúdo dos livros escolares e literatura infanto-juvenil os negros não raro são retratados como fracos, feios, maus, estúpidos ou mesmo são grotescos (LIMA, 2005) e também pode ocorrer a omissão de aspectos importantes de sua história de resistência (LUCINDO, 2010). Muitas vezes eles são personagens tristes, vitimizados e degradados, presos ao que Batista (2003) chamou, em outros contextos, de estética da escravidão.
Ou seja, pode-se dizer que na escola as tensões raciais são apagadas "magicamente", basta não falar delas. Mas os efeitos se impõem, tornando o ambiente escolar hostil e facilitando os processos de suposta desistência de continuar a estudar:
Na saúde, os dados epidemiológicos são eloquentes, mostrando a diminuição da qualidade de vida e da expectativa de vida da população negra. Em geral, este segmento apresenta níveis mais baixos de instrução, reside em áreas com menos serviços de infra-estrutura básica, tem menos acesso ao Sistema Único de Saúde e, quando dispõe dele, depara-se com menor qualidade. Ou seja, essa parte da população brasileira vivencia, em quase todas as dimensões de sua existência, situações de exclusão, marginalidade e/ou discriminação sócio econômica, o que a coloca mais vulnerável aos agravos à saúde e a faz adoecer de doenças curáveis e morrer antes do tempo, de mortes evitáveis (CHAGAS, 2010; CUNHA, 2001). Contudo, o racismo estrutural e institucional tem sido discutido e enfrentado na área da saúde, com a implementação de ações concretas, enfatizando a formação dos trabalhadores (BARBOSA, 2006).
Mas o negro, em especial o homem, não escapa de outra seletividade perversa. O Programa para o Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD, 2005) mostra que cerca de 30 mil brasileiros são assassinados por ano. A maioria dessas mortes violentas é pobre, negra e
tem entre 15 e 24 anos. Muitos moram nos territórios estigmatizados das grandes cidades, as favelas ou são tão pobres que não têm onde morar. Há muitos relatos concretos de execuções sumárias contra rapazes e mesmo meninos, sem registro criminal e sem oportunidade de defesa (JAHANGIR, 2003).
Conclusões
Quando consideramos tais dados e outros, infelizmente, tão comuns à nossa sociedade, não podemos deixar de considerar que, efetivamente, o povo brasileiro vive um processo dissociativo: todos esses índices nos são velhos conhecidos e, simultaneamente, cada dia fechamos mais os olhos para essa realidade. No final, o que resta é um “faz de conta”: todos nós sabemos que o racismo existe, mas não admitimos nossa contribuição para sua persistência e isso ocorre no mesmo momento em que a questão da desigualdade e, por conseguinte, a problemática do racismo deveria ser o elemento de discussão, reflexão e combate mais importante para cada brasileiro.
A luta esta longe de terminar a iniquidades de grandes parte do nosso povo, herança da escravidão e do colonialismo, deveria envolver todos. As políticas públicas deveriam ser urgentes e ter como objetivo precípuo a participação da população negra no processo de desenvolvimento coletivo, a partir de sua história e cultura, visando a eliminação das desigualdades. Estas são iniciativas que cabem a toda sociedade, em um processo educativo, em um sentido mais amplo.O racismo constitui nossa história, estrutura as relações em nossa sociedade e precisa ser encarado como o grave problema que realmente é (VIEIRA, 1995; SANTOS, 2009). Ele opera talvez a mais poderosa clivagem na nossa
sociedade, pois justifica inclusive o poder de deixar morrer ou de matar do Estado.
Ele opera e ajuda a operar uma seletividade entre quem tem ou não tem o direito a uma vida cidadã; entre quem deve ser preservado e protegido e quem é a vida indigna, que não merece ser vivida.
Um afro abraço.
fonte:http://www.unifem.org.br///www.sinprosp.org.br/ http://www.irohin.org.br/
Um afro abraço.
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