Principais vítimas da violência urbana, alvos prediletos dos homicidas e dos excessos policiais, os jovens negros lideram o ranking dos que vivem em famílias consideradas pobres e dos que recebem os salários mais baixos do mercado. Eles encabeçam, também, a lista dos desempregados, dos analfabetos, dos que abandonam a escola antes de tempo e dos que têm maior defasagem escolar.
Observe-se o que dizem os números. Segundo os últimos dados disponíveis, o país conta com cerca de 11,5 milhões de jovens negros de 18 a 24 anos de idade, o que representa 6,6% da população brasileira. A taxa de analfabetismo, de 5,8%, é três vezes maior do que a observada para os jovens brancos (1,9%). Em média, os jovens negros têm dois anos a menos de estudo do que os brancos da mesma faixa etária: 7,5 anos e 9,4 anos, respectivamente. E mais: as desigualdades vão acirrando-se à medida que aumentam os níveis educacionais. Assim, por exemplo, se no ensino fundamental praticamente não se observam diferenças raciais nas proporções de crianças que vão à escola, o mesmo não ocorre nas universidades, nas quais a presença de jovens negros é relativamente bem menor do que a dos brancos. A comparação das taxas de escolarização líquida de negros e brancos é um excelente indicador de como o sistema educacional brasileiro não é capaz de combater as desigualdades raciais: a proporção de crianças de 7 a 14 anos matriculadas no ensino fundamental é de 92,7% para negros e de 95% para brancos; no entanto, somente 4,4% dos negros de 18 a 24 anos estãomatriculados em instituições de ensino superior; entre os brancos, esse percentual é cerca de quatro vezes maior, de 16,6%. No mundo do trabalho, o processo de exclusão vivido pelos jovens pretos e pardos não é diferente: maior dificuldade em encontrar uma ocupação, maior informalidade nas relações trabalhistas e menores rendimentos. Ainda segundo os dadosoficiais, em 2003, de cada dez jovens negros de 18 a 24 anos de idade, quatro encontravam-se desempregados; entre os brancos essa relação era de um para seis. Quando,finalmente, o jovem negro consegue uma ocupação, essa é, em geral, exercida de forma bem mais precária que a do branco. Cerca da metade dos brancos dessa idade possuíam carteira assinada ou eram funcionários públicos; entre os negros, essa proporção era de apenas um terço. Com isso, os jovens negros percebiam uma renda média mensal de R$ 418,47, equivalente da 63% da dos brancos da mesma idade.
A insegurança é outro terrível flagelo que afeta os jovens negros, em especial os homens; eles são os principais alvos da criminalidade violenta. Segundo estimativas da Disoc/Ipea, a partir de dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), em 2000, a taxa de vítimas de homicídio de jovens negros era de 74,1 por 100 mil habitantes, bastante superior à observada para os brancos da mesma idade, de 41,8 por 100 mil habitantes. Numa equação bem conhecida, a conjugação perversa de diversos fatores, tais como racismo, pobreza, discriminação institucional e impunidade, contribui para a falência do sistema de segurança e justiça em relação à população negra. Essa relação não é fruto do acaso: distorções como a “presunção de culpabilidade” em relação aos negros resultam em ações que promovem a eliminação pura e simples dos suspeitos, violando os direitos humanos e constitucionais desses jovens. Ações que de tão recorrentes e banalizadas denunciam um processo silencioso de eliminação desse grupo da população.
Assim, quando analisados os dados referentes a condições de vida dos jovens negros, não se pode deixar de enfrentar a questão que se explicita: o amplo e diversificado leque de manifestações da discriminação racial que os atinge. De um lado, constata-se um ambiente escolar pouco hospitaleiro para os negros, que engendra a evasão ou torna a trajetória educacional mais acidentada; de outro, a grande dificuldade de inserção qualificada no mercado de trabalho. No final da linha observa-se, com estarrecimento, um quadro de genocídio. É óbvio que esse quadro não favorece a esperança, não estimula a dedicação aos estudos, não alimenta uma perspectiva otimista de futuro. Como confiar em si próprio, como acreditar na meritocracia, como avançar se, de antemão, sabe-se que o tratamento será negativamente diferenciado? O desalento, a desesperança, o não ter com quem contar atravessa o cotidiano desses jovens.
Ou seja, as distâncias que separam negros de brancos, nos campos da educação, do mercado de trabalho ou da justiça, entre outros, são resultado não somente de discriminação ocorrida no passado, da herança do período escravista, mas também de um processo ativo de preconceitos e estereótipos raciais que legitimam, diuturnamente, procedimentos discriminatórios. As conseqüências da permanência das desigualdades raciais são dramáticas para a sociedade brasileira. De um lado, naturaliza-se a participação diferenciada de brancos e negros nos vários espaços da vida social, reforçando a estigmatização sofrida pelos negros, inibindo o desenvolvimento de suas potencialidades individuais e impedindo o usufruto da cidadania por parte dessa parcela de brasileiros à qual é negada a igualdade de oportunidades que o país deve oferecer a todos. De outro lado, o processo de exclusão vivido pela população negra compromete a evolução democrática do país e a construção de uma sociedade mais coesa e justa. Tal processo de exclusão fortalece as características hierárquicas e autoritárias da sociedade e aprofunda o processo de fratura social que marca o Brasil contemporâneo (JACCOUD;BEGHIN, 2002).
O desafio que se apresenta é o de desvendar os diversos fenômenos que explicam a desigualdade racial no Brasil, procurando responder a perguntas tais como: que processos sociais estão por trás desse sistema que protagoniza a exclusão dos negros? Qual o perfil daqueles que dirigem escolas, universidades, empresas e outras instituições, públicas e privadas, nas quais os negros não são bem-vindos; ou dos que, em nome da lei, excluem e, mesmo, executam os meninos negros? O que motiva esses agentes da exclusão?
Os culpados potenciais, sobre os quais, ao longo da história, voltou-se a agressividade coletiva, foram os considerados “estrangeiros”: os viajantes, os marginais e todos aqueles que não estavam bem integrados a uma comunidade, sendo, por isso, em alguma medida, suspeitos. Observa-se no estudo de Delumeau que, ao longo dos séculos, os que mais geraram terror foram os “homens supérfluos” – essas vítimas da evolução econômica excluídas pela ação metódica dos aglutinadores de terras; trabalhadores rurais no limite da sobrevivência em razão do crescimento demográfico e das freqüentes penúrias; operários urbanos atingidos pelas recessões periódicas e pelo desemprego.
No Brasil, a população negra tem sido alvo preferencial desses ataques. Pode-se ressaltar, por exemplo, o período imediatamente posterior à abolição da escravatura, quando uma enorme massa de negros libertos invadiu as ruas do país. Tanto eles como seus antigos senhores sabiam que sua condição miserável era fruto da violência física e simbólica perpetuada por quase quatro séculos pelas elites. É possível imaginar o pânico e o terror da elite, que investiu, então, nas políticas de imigração européia, na exclusão desse contingente de pessoas do processo de industrialização que nascia, e no confinamento psiquiátrico e carcerário dos negros. Uma dimensão histórica do medo no Brasil nessa época pode ser observada num trecho de um clássico sobre relações raciais produzido por Azevedo: "toda uma série de brancos esfolados ou bemnascidos e bem-pensantes que, durante todo o século XIX, realmente temeram acabar sendo tragados pelos negros mal-nascidos e mal-pensantes" (AZEVEDO, 1987, p.
Ressalte-se, dessa forma, o medo na gênese do processo de discriminação operacionalizadonas instituições brasileiras.
Um segundo elemento motivador das políticas de exclusão é a defesa de privilégios. Nem sempre a discriminação ocorre em razão da rejeição aos negros; muitas vezes trata-se da defesa de privilégios de brancos. Como ensina Frankenberg (1995), sistemas que têm como base a diferença moldam os privilegiados tanto quanto os que são por eles oprimidos. A autora entende que, em sociedades em que há supremacia branca, os brancos se posicionam a partir de vantagens estruturais e de privilégios raciais. A sua identidade e sua visão de mundo acabam marcadas pelo lugar concreto e simbólico que ocupam na sociedade – e nem sempre estão desejosos de mudar o status quo.Assim, o medo e a defesa de privilégios podem estar na gênese de processos de estigmatizaçãode grupos. Certamente, visam legitimar a perpetuação das desigualdades, bem como a elaboração de políticas institucionais de exclusão e, até, de genocídio.
E, infelizmente, os jovens no Brasil, e em particular os negros, vêm sendo alvo desta violência institucionalizada. Uma alteração nesse quadro exigiria que o país dispusesse depolíticas específicas para a juventude com um corte racial, o que representaria o reconhecimentoda existência de um grave quadro de reprodução do racismo e um sinal de que a sociedade quer alterá-lo
fonte:políticas sociais - acompanhamento e análise 11 ago. 2005 ipea
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